3.3. Carta de Frederico Ozanam a Teófilo Foisset.
Paris,
23 de maio de 1842
Senhor
e Amigo,
Tanto
nos havíamos acostumado, todas as tardes, ao encanto de alguns momentos de vosso
convívio, que vossa carta veio preencher um vazio que havia em nós. Desde que
partistes, seguiram-vos muitas vezes meus pensamentos até junto de vossa
família tão amada e que tão impaciente estáveis de revê-la, nesse ambiente em
que ocupações de todo gênero vos aguardavam. Muitas vezes, em pensamento, irei
ainda visitar-vos. Por mais fracas que sejam minhas preces, foram elas juntar-se
às vossas no dia em que me as pedistes.
Que
a festa do Consolador possa ter espargido um raio de luz benfazejo, clareando
vossas provações!
Quanto
a nós, não esperamos que dele venhamos logo a carecer.
Participastes
da alegria serena e da tranqüilidade de meu lar. Desde que minha jovem e
piedosa esposa nela penetrou, habitam-no com ela os próprios anjos. Tivemos,
porém, por nossa vez, nossos pesares. Assim cabe-me a vez de vos pedir que
oreis por nós.
Perdoai-me
que tão breve seja esta resposta, escrita, enquanto velo, junto a um leito, em
um desses momentos, bem pouco numerosos, para preparar lições que não posso
interromper.
É
bem triste, quando se tem preocupado o coração, ser obrigado a preocupar-se com
assuntos do espírito.
Não
considero, porém, assim, e olho como alvo de afeto o dever de proselitismo o
que diz respeito à propaganda desse livro excelente que é o vosso (1).
Desde
também a semana seguinte em que deixastes Paris, estava pronto o artigo,
podendo, a rigor, ter aparecido no último número.
Será,
certamente, porém, para o de julho. Apenas receio que, depois de haver temido
que demasiadamente tardasse, vós o julgueis prematuro. Vossa indulgência, porém
perdoará um trabalho que me não é familiar.
A
publicação do Correspondant (2), nova revista que, graças ao vosso zelo, se
tornou possível, não enlanguescerá por culpa nossa. Tendo encontrado os
recursos que lhe faltavam, tirastes-nos o direito de incriminar a indiferença
dos católicos. Não queremos incorrer na mesma censura. Frequentes comunicações foram trocadas a este respeito
entre vós e o Senhor Wilson (3). A organização financeira da empresa nos ocupará ainda por algum tempo. Quanto ao que concerne ao pessoal, havia eu pensado no
Senhor Didron, já tendo insistido sobre a utilidade de sua cooperação. O Senhor
Lenormant (4) conduziu-se admiravelmente na última Assembléia. Foi, porém,
lamentável que o padre Bautain (5) não tivesse comparecido.
Não devemos
dissimular: lá estaremos qual milícia sem generais: non multi nobiles, non multi sapientes.
É
bem por isto que tal empreendimento necessita de modo precípuo, ser recomendado
Aquele que escolhe os fracos e miseráveis a fim de confundir os fortes. A
oportunidade, além do mais, não poderia ser melhor. Agravam-se as circunstâncias
e não se alteia a polêmica. Não somos representados na imprensa, podendo-se
dizer, repetindo célebre frase: "que tratam de nós, em nossa casa, e sem
nós".
Muito
desejaria eu conhecer vossa opinião a respeito do discurso do Sr. de Carné (6).
Aqui, a divisão é completa: aprovação quase geral dos velhos cristãos;
insurreição aos demais. Campeiam sempre também as rivalidades entre o Círculo e
o Instituto Católico (7). Somos tão poucos e não nos sabemos unir! Felizmente o
Senhor Arcebispo (8), cuja atitude firme e elevado caráter tomam um ascendente
cada vez mais forte, tem a bondade de ocupar-se, pessoalmente, de uma fusão
entre estas duas obras. Espero assim, se esta fôr a vontade de Deus, que em
breve tenhamos para as letras e as ciências o que temos para a caridade na
Sociedade de São Vicente de Paulo.
Deixastes
Paris com sombrias previsões, das quais também eu partilho. Deixo-me, contudo,
seduzir, de bom grado, pelas primeiras horas de esperança que parecem surgir.
Talvez visitem elas também vossa laboriosa solidão. Mesmo sem estar entre vós,
havereis de vos alegrar por nos ter tornado fácil o pouco que projetamos.
Adeus,
Senhor e Amigo. Peço-vos oferecer à Senhora Foisset os cumprimentos de minha
esposa. Conservai-me um lugar em vossos pensamentos e, sobretudo, naqueles que
mantendes diante de Deus.
Vosso
muito humilde e dedicado servidor
A. F. Ozanam
(1)
Acabara Foisset de publicar a sua grande obra sobre o Presidente de Brosses,
Hístória das Letras e dos Parlamentos no Século XVII. Paris, Olivier Fulgence,
1842. Sainte-Beuve consagrou a este livro um longo artigo. Gostava Foisset de
falar do presidente de Brosses, magistrado e homem de letras como ele. O artigo
prometido por Ozanam e que só pôde aparecer em uma revista mensal, não foi
encontrado, nem mencionado na bibliografia organizada por Corbière.
(2)
O primeiro Correspondant surgiu em 10 de março de 1829, tendo sido publicado
até fins de 1831. Sucedeu-lhe a Revue Européenne até 1834, com apenas um número de uma nova série em 1835. Não
havia, porém, a interrupção dispersado o grupo que representava o espírito
dessa publicação. Em 1840, Olivier Fulgence, “o guia”, aquele que havia
convertido Louís Veuillot, tornando-se editor, publicou alguns números
esporádicos de um Noveau Correspondant. Afinal,
era propósito lançar uma publicação regular, estabelecendo a revista sobre
novas bases. Foisset a ela dedicou-se vivamente. Seus ,esforços, porém, não a alcançaram
tão pronto sucesso quanto esperava.
(3)
Edmond Wilson nasceu na Itália em 1801 de pais ingleses, e foi recolhido com a
idade de três anos pela Condessa de Aumale, sob cuja proteção conseguiu que por
ele se interessasse Royer Collard. Pouco escrevia êle, mas excedia-se em fazer
com que outros o fizessem. Foi diretor do Correspondant de 1843 a 1846. Faleceu
em 1862, deixando valiosos trabalhos sobre a organização da beneficência
pública.
(4)
Charles Lenormant, membro do Instituto e professor no Colégio de França.
(5)
O Padre Bautain (1796-1867) foi o célebre filósofo de Strasburgo. Após a
condenação de seu livro A Filosofia do Cristianismo, por ele de antemão aceita
e o fracasso de sua Congregação dos Padres de São Luiz, achava-se ele em Paris
onde, em três sucessivos invernos, fez conferências no Círculo Católico sobre
antropologia, devendo ser um dos redatores do futuro Correspondant. Cf. L’abbé
Bautain pelo padre de Régny, Bray et Retaux, 1884, e Mons. Baudrillart, L'enseignement
catholique dans la France Contemporaine, Bloud, 1910.
(6)
Louis de Carné (1804 - 1876) foi um dos fundadores do Correspondant. Publicou
numerosos trabalhos sobre história e política, dos quais o mais interessante é Souvenirs de ma jeunesse (1873). Foi eleito membro da Academia Francesa em
1863, contra Littré. Deputado, desde 1839, interveio na discussão da Câmara sobre
o orçamento dos cultos em 18 de maio de 1842. Haviam alguns oradores atacando o
Arcebispo de Paris ao qual censuravam haver pleiteado em discurso ao Rei, o
estabelecimento da liberdade de ensino e o respeito da lei sobre o repouso
dominical. Carné havia legitimado a atitude do Arcebispo e, abordado a questão do
restabelecimento das congregações, manifestou-se "mais alarmado com um
comunista de blusa do que com um monge de São Francisco, de hábito". Agitação extraordinária, menciona a explanação
dos debates, longa interrupção. Este discurso em que a precaução oratória
fizera-lhe condenar os excessos de alguns polemistas, foi hábil e firme, sem
ser uma declaração de guerra, que alguns desejavam. Louis Veuillot, que nesse
dia assistia a sessão na Câmara, comentou-o severamente (Correspondance, t. I,
pag.293) em carta dirigida, exatamente a Foisset.
(7)
O Instituto Católico era um conjunto de Conferências em que figuravam um comité
de ciências físicas, um de belas artes e uma conferência Literária. Parece que
esta última desligou-se no início de 1842, transformando-se no Círculo
Católico. Não é bem conhecida a existência destas obras às quais os historiadores
não tanto se interessaram quanto elas mereciam. Deixaram assim poucos traços
impressos, e preciso seria pesquisar os arquivos muitas vezes inexistentes ou destruídos.
(8)
Monsenhor Affre, pela sua morte heroica sobre as barricadas, deteve a efusão de
sangue em 1848. Não poderíamos dizer se o projeto de fusão chegou a
realizar-se.
Comentário
Dor
pungente atingiu Foisset em fins de junho de 1842, ao perder o seu mais jovem
irmão, o padre Silvestre Foisset, antigo superior do Seminário de Plombières e
autor de um Saint Bernard (1839). Eram unidos os dois irmãos por uma viva
afeição, vivendo numa íntima colaboração tanto em seus trabalhos intelectuais
como nas comuns preocupações de apostolado. Juntos conduziram a campanha para a
restauração do ensino nos seminários menores, assim como juntos publicaram as
Obras Filosóficas de um magistrado cristão: Le Président de Riambourg
(1776-1836). Ozanam consola seu amigo e faz um justo elogio ao irmão que
perdera.
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