OZANAM
E SUA ORATÓRIA GLORIFICADORA
O precoce
cientista, pensador, historiógrafo, polígrafo, poeta e jurista da Sorbonne,
Antônio Frederico Ozanam - ávido de saber, sedento de cultura - para a maior
glória de Deus -conhecia também, necessariamente, a fisiologia da arte oratória,
disciplina que, como se sabe, supõe preexistentes vários elementos a serem
postos em ação.
Mais
do que ninguém reconhecia que seus órgãos físicos, muito fracos, não
respondiam, a não ser imperfeitamente, aos impulsos da imaginação.
E,
não só por esta razão, como também por uma natural timidez tolhia em seus
lábios e em todo o seu ser, a expressão das suas faculdades.
Pensava
Ozanam, naturalmente, no jogo de músculos em função, na boca, para a firmeza da
palavra. Sabia da pluralidade e combinação precisa de movimentos da laringe,
para a clareza da dicção. Refletia na subordinação dos músculos reguladores da
pressão pulmonar, que têm de conciliar os interesses da prolação com as necessidades
da respiração. Cuidava, o jovem professor, no maravilhoso e perfeito serviço de
comandos nervosos caracterizados pela presteza das distribuições que têm de estar
sempre à disposição do orador e sob a vigilância do ouvido. Imaginava o
trabalho conjugado que tem o cérebro de traduzir o pensamento de noções adquiridas.
Sabia que os processos de composição da linguagem convencionais, não coincidem
com os processos naturais da associação de ideias, que na linguagem refletem. O
exercício de pôr em linguagem perfeita aquilo que se pensa, é uma habilidade nas
quais poucos chegam a ser exímios.
De
todo esse sistema teórico possuía Ozanam conhecimento pleno. Mas, no
pressuposto de que lhe faltassem requisitos , preparava as suas aulas como
Catedrático da Sorbonne com um cuidado esmeradíssimo, um zelo religioso;
acumulando material sem conta em torno de ideias, fecundava esse labor com o
olhar nítido, demorado, direto da inteligência que ordena, armazena e coordena
dando-lhe finalmente vida, nesse colóquio misterioso do orador que, hoje, diz a
si mesmo, e, amanhã, dirá ao auditório. Assim, nas vésperas das suas lições,
pelo meio dia começava a preparar-se para esse ato de eloquência o estudioso
que havia nele, já teria recolhido os materiais, o arsenal necessário; o orador
punha-se em ordem, muito cauteloso, nessas 24 horas. Preparado, mas de físico
abatido e macilento, sua apostólica figura escalava a Cátedra, assomava à
tribuna.
Desde
logo, ao enunciar a tese não se sentia muito firme, penosa era a dicção,
embaraçoso era o gesto, mal seguro o olhar receoso de encontrar o dos
espectadores. Não obstante, tecia o seu discurso inicial fracionado, circunstância que, possivelmente no começo,
exigia maior atenção intelectiva dos ouvintes.
Perfilado
e imbuído de que a Cátedra da Sorbonne lhe imprimia as responsabilidades de um
púlpito, com pausas e breves hiatos, dava começo ao discurso. Gradativamente,
porém, sobrevoava-lhe a luz da Graça, a inspiração divina, o reflexo do Céu!
Pela
atração que as palavras comunicam umas às outras; por essa vitória de uma
convicção firme sobre o espírito ei-lo em pleno autodomínio, reconduzido ao
natural e sob as infusões do Divino Paráclito. Dispondo já do auditório - a
sair daquela temperatura morna, de silêncio tão acabrunhado - ó metamorfose inesperada,
ó surpresa impressionante - transmuda-se o moço Professor, aos olhos de
todos: rompia os diques do abismo e, numa voz de timbre claro e agradável, a
eloquência caia aos borbotões sobre a terra trabalhada e fecunda!
O
orador era sinceramente aplaudido e, palpitando de uma felicidade conquistada
em oito horas de trabalho e uma hora de vivacidade, regressava ao lar, para novo
esforço – condição de todo o trabalho e pedestal de todo o triunfo!
É
o depoimento do notável acadêmico Guayan na obra "Frederico Ozanam", no capítulo: "Professor da Sorbonne" que nos informa: "Ozanam em
alguns meses tornou-se célebre como Professor da Sorbonne".
"NESSE
TEMPO, diz Guayan, SER PROFESSOR DA SORBONNE, ERA EM PRIMEIRO LUGAR, SER UM ORADOR”!
Para
tal juízo, para semelhante conceito, o nome de Frederico Ozanam na mesma órbita
da tradição de Guizot Wileman, De Cusan, fulgia em todo o esplendor!
Lacordaire
- o portentoso Príncipe do discurso moral no cenáculo de Notre Dame, refere:
“Não
é comum que um homem erudito seja também um homem eloquente".
E,
consolidando essa afirmativa, com a sua autoridade decisiva de Sacerdote e
luminar, Lacordaire proclama: "Ozanam por um dom singular, possui a, a um
tempo: ELOQUÊNCIA E ERUDIÇÃO”.
Uma
e outra lhe eram naturais. Podia vê-las uma noite inteira nas obscuras regiões
de uma língua morta, ou, duma obra desconhecida e, no dia seguinte escrever
versos, preparar um discurso, extasiar-se na contemplação direta da verdade e
do belo!
Tal
como era, sedimentado por aquela virtude que faz o pequeno grande, e o grande,
grandíssimo - a santa humildade - Ozanam produzia uma impressão profunda: e,
essa impressão resultava, sobretudo, dos clarões de aurora que sua palavra
projetava nas almas; do mel dulcífico que sua eloquência distilava nos
corações.
Fora
um dia feliz para ele o dia em que um estudante lhe confiou: "O que não
puderam fazer muitos sermões, caro mestre, conseguiu-o, o Senhor, num só dia: FEZ-ME
CATÓLICO”.
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É
que, em todos os aspectos ilimitados de sua personalidade inconfundível, Ozanam
servia-se da parte sobrenatural. Era dos mestres que se devotam a amar o aluno
com um sentimento que procede da convicção de ver neles um filho de Deus; de
acolher seu discípulo como outro Cristo; exercendo-lhe a paternidade espiritual,
certo, mais importante que a paternidade natural. Seus alunos recebiam, com a
cultura científica, a formação espiritual para, precipuamente, serem: Cristãos
Santos, e, Santos -- filhos de Deus e cidadãos do Céu! . . . Por isso era
corrente, nos locutórios da Sorbonne ouvir-se: "OZANAM TEM FOGO
SAGRADO!" "Há tal convicção interior, neste homem, que mesmo com
todos os seus defeitos ele nos convence e nos comove”. “Ao ouvi-lo o sentimos
que as lágrimas nos acodem furtivamente aos olhos".
Com
efeito, Caros Confrades, assim era Ozanam – protótipo da firmeza de caráter a que os romanos
titulavam:
"VIR
BONUS, DICENDI PERITUS"
Dele
podemos dizer: "Vivia o que pregava. A autoridade das palavras sobrepunha
o peso dos exemplos certo de que, si as palavras movem, como afirmava São
Paulo, os exemplos arrastam.
Aos
estudantes apresentava-os tal qual era: como católico.
Um
gracejador impertinente afixou um dia na porta da sala de aula estas palavras:
"Curso de Teologia". Ozanam, não se agastou, antes, gostou. “Não
tenho a honra de ser Teólogo retificou Ozanam, mas tenho a felicidade de ser
cristão”!
Este
cristão, diz o autor onde lemos o episódio, no momento em que Michellet e Quinet,
no Colégio de França, trovejavam contra os Jesuítas, Ozanam, na Sorbonne,
defendera três teses:
A
1ª. sobre o PAPADO, a 2ª sobre os MONGES e a 3ª sobre a OBEDIÊNCIA MONÁSTICA.
E, quando, na universidade, a aula do seu colega Carlos de Normando, católico como
ele, era perturbada por manifestações, Ozanam estava lá para dar um cheque nos manifestantes.
O
amplo domínio, na Sorbonne, abrangido pelo olhar de Ozanam está repartido por 4
ou 5 cadeiras, nas nossas grandes Universidades de hoje.
A
árvore genealógica dos seus grandes temas ele desenhava numa pálida imagem dessa
outra árvore que fascinava a sua mocidade: a Árvore das Tradições Religiosas
Universais, una na sua raiz, aspirando a levar para Deus uno aos múltiplos
ramos da sua copa.
A
sua ciência, enfim, fosse qual fosse o seu aparato oratório, era incontestavelmente
a de um sábio!
Para
tanto, o Curso de que se encarregara no antigo santuário das letras parisienses
exigia a incomparável destreza de sua inteligência de escol. Conhecia, a fundo,
as principais línguas modernas. Toca-las era encontrar o que lhes constitui a
alma e a novidade, isto é, o Cristianismo; e encontrar o Cristianismo era para
ele: defende-lo, exaltá-lo, irradiá-lo, sublima-lo!
Nenhum
homem de Fé, ao menos de Fé viva, Fé em movimento, Fé irriquieta, havia ainda
surgido nas cátedras em que ressoavam diariamente os aplausos tributados a
outras doutrinas e a outros oradores.
Quarenta
anos de ausência desses pináculos da literatura tinham condenado ao desprezo o
gênio esgotado dos cristãos da França, informa Guayan. Pois bem.
Ozanam
aí sobe, sobe ao abrolhar dos 27 anos e, como rio um João Crisóstomo, dessa
"boca de ouro", de onde, desde muito havia "despertado a caridade
adormecida no seio da Juventude e criado essa mansão que provém do céu: a Sociedade
de São Vicente de Paulo - cai uma palavra em que Arte e Erudição confraternizam-se.
O
orador é jovem, sincero, ardente e culto! Possui ainda um encanto particular
que, aliado aos outros dons, completaria em sua pessoa o paladino de uma
sedução predestinada: é a sua maneira de ser para com todos, de uma
simplicidade espartana ou nos moldes da alma exposta e coração aberto dos
franciscanos.
A
oratória, como se sabe, antes de tudo, carece ter verdade. E, como diz Santo
Agostinho, a missão dela consiste em fazer com que a verdade apareça,
transluza; agrade e mova por meio da persuasão; porque, como no-lo diz Tuchet, o incomparável modelo de orador,
Bispo de Orleans: "a palavra, que unge os lábios e sagra o coração entre
os dons que Deus deu aos homem, é um dos mais magníficos".
Ozanam,
por si, tinha a verdade e possuía qualidades, dotes, dons de apresentá-la de um
modo claro. ele nutria amor, paixão, entusiasmo pela Verdade - o grande e
poderoso recurso de fazer com que ela, aparecendo, agradasse ; e, assim, ganhava
as inteligências pela evidência da exposição, e conquistava os corações por
despertar neles, por meio de persuasão o amor da verdade!
Leiam-se
as páginas brilhantes, que escreveu; recordem-se os discursos de circunstância,
que proferiu; os atos marcantes, que executou; a correspondência memorável, que
legou; as obras imperecíveis, que fundou; e, em todo esse repositório inefável
de sua vida não se descobrirá nem a cólera que se vinga, nem o amargar que
cresce à medida que se espalha, nem o desprezo que afronta, nem a ironia que
zomba a pretexto de instruir ou corrigir.
Sem
deslustrar a Igreja perante o mundo, ele impunha com mão generosa, porque
norteado pela caridade - o cetro da Verdade, do Bem, do Belo e do Amor!
Prefere
lamentar, a acusar; reclina-se a perdoar, a condenar; sempre protegido pelo
escudo invencível, modera a força de sua espada, receoso de reduzir à morte uma
alma que ainda possa sobreviver!
Durante
2 anos que ocupou sua Cátedra, Ozanam expôs, sucessivamente os primeiros
desenvolvimentos do gênio Cristão na Alemanha, Inglaterra e Itália.
Desse
vasto estudo não nos restam mais do que 21 lições sobre a Civilização no Século
5º, mas esse monumento inacabado basta para dar uma ideia do que eram a Eloquência e o Saber de seu autor e de como, ele, se utilizava da Eloquência e do Saber para engrandecer, de maneira
incansável, o Cristianismo no espírito de quem não lhe recusasse sua
influência.
Essas
lições permanecerão entre os trabalhos mais notáveis da Apologética Cristã do
Século 19 como, na expressão do velho texto latino:
"UNA
VOX GLORIOSA"
Entre
as paginas que Cícero escrevera a Tusculo é memorável a em que celebrou a
Glória como luminoso degrau em que os homens escalam a imortalidade! Mas, esta
glória era vã e enganadora.
Muito
outra, prezados Confrades, era a glória de Ozanam. Ele não queria a glória do tempo.
Ele visava a glória do Eterno! Essa é a dos filhos de Deus e da Igreja, em cujo
seio viveu e morreu Ozanam e sem renunciar da Glória Eterna!
Mas
ficando no domínio dos séculos que passam, ainda assim a Glória da Sorbonne é
mortiça e apagada diante da Glória que Ozanam alcançou com as
"Conferências de São Vicente de Paulo"!
A
morte estancou a eloquência da Sorbonne, mas tornou-se impotente contra a
eloquência da caridade - de que Ozanam foi Mestre emérito, insigne, incomparável!
VASCO DA GAMA PAIVA
15-5-1958
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