FREDERICO OZANAM, JORNALISTA
Trata-se de uma faceta menos conhecida do apostolado
de Frederico Ozanam. Para se aquilatar, no entanto, da
importância dessa sua atividade, dois fatos devem ser desde
logo lembrados: A Sociedade de São Vicente de Paulo nasceu
na sala de La Tribune Catholique, numa noite de abril de
1833, em Paris, e ali, no dizer de dom John R. O. Oonnell, teve
inicio um grande capitulo da história da caridade cristã.
Escasseando os recursos para a generosa missão com que o grupo de
jovens católicos liderados por Ozanam ia demonstrar aos ímpios
onde estavam suas obras, é através de artigos e traduções
para o jornal de M. Baílly que os primeiros vicentinos
sustentam seu trabalho caritativo.
Mas a essa altura, aos vinte anos de idade, Ozanam já era um escritor assíduo. A sua estréia jornalística
data de um lustro antes, quando, no Colégio Real de Lião, sob a
direção do Pe. Noirot, inicia sua colaboração na revista Abeille. Aí publica dois artigos de refutação da doutrina sansimonista, que lhe valem uma messe de aplausos, inclusive do
grande Chateaubriand, e reunidos num pequeno volume marcam sua estréia literária.
Estudante em Paris é um constante frequentador quer de La Tribune Catholique, quer de L'Univers Religieux,
onde sai, em 1834, o seu protesto, em nome da juventude católica
da Universidade de França, em defesa da Universidade de
Louvaín, cuja fundação marca o renascimento da obra
universitária da Igreja. Para o mesmo jornal faz, no ano
seguinte, o comentário das famosas conferências de Lacordaire em
Notre Dame, recebendo vinte e cinco francos por cada um.
"Se o bolso pouco recebe - escreve ao pai - o espírito lucra
muito".
A preocupação de assegurar um lugar ao Sol à cultura católica, atacada e combatida de todos os lados, leva-o
nesse mesmo ano a ressuscitar a Revue Européenne, elo de uma série de acontecimentos notáveis que, a essa altura,
assinalam a reação católica à tremenda ofensiva da impiedade.
De volta a Lião, onde a advocacia, o magistério e uma
intensa atividade literária o absorvem de par com os
cuidados da nascente Sociedade Vicentina, comparece num dia de
março de 1837, ao grande salão da Prefeitura, para fazer a
defesa de Pitrat, diretor da "Gazeta do Lionês",
acusado por ataques ao governo do rei. E enquanto o Ministério Público
pedia para o jornalzinho toda a severidade da lei, o jovem
advogado terçava armas pela liberdade da imprensa em face
do despotismo. Episódio não sem significação para o
conhecimento da ação vigorosa daquele que primeiro semeou os
princípios da democracia cristã.
Pelas alturas de 1840, nas vésperas do seu concurso na Sorbone, numa carta ao seu amigo Velay, Ozanam podia
dar conta do auspicioso saldo do apostolado da imprensa em França. Publicações de ampla influência na opinião
pública haviam produzido o movimento de renovação do pensamento e de lídima ação católica que se espelhou nas
Conferências de Notre Dame, no renascimento dos beneditinos e
dominicanos e na Sociedade de São Vicente de Paulo. Pelo apostolado
da pena e da caridade fizera-se Ozanam um dos artífices
desse glorioso momento da história da Igreja.
Os próximos oito anos são para ele os de seu brilhante professorado na Sorbonne. Quatro ou cinco cadeiras -
escreve seu biografo Pe. Colombo -disputam nas modernas
universidades o vasto campo de literatura comparada em que Ozanam terçava armas. Apenas o ocupam os estudos, a
família e, como sempre, a Sociedade Vicentina. Contudo os graves acontecimentos de 1848 trazem-no novamente para
a liça da imprensa e aí vamos deparar o mais autêntico
Ozanam jornalista.
Em fevereiro desse ano, cansado o povo dos desmandos de Luiz Filipe, a revolução sacode as ruas de Paris. No
assalto às Tulherias um estudante vicentino salva os vasos
sagrados da capela e os conduz por entre o povo em armas, fazendo cessar com esse seu gesto qualquer furor anti-religioso
que agitasse a turba. Pela primeira vez a revolução não é
anti-religiosa e até mesmo a religião identifica-se com a
revolução.
Ozanam, que já antes definira o caráter do movimento - "a questão que agita o mundo ao redor de nós não é
uma questão de fórmulas ou de pessoas, mas uma questão
social" - deixa o silêncio da biblioteca para agir no terreno das
idéias em ebulição. Funda L'Ere Nouvelle, cujo primeiro número circula a 16 de abril de 1848, com o programa de, na
frase de Mons. Afre, arcebispo de Paris, a todos dizer a verdade
e fazer sentir a "intervenção divina na grande revolução
que muda a face da terra". Das colunas do jornal repudia a
tentativa do ministro Crémieux de estabelecer o divórcio e
desmascara aqueles que sempre tiveram "mais rancor contra a
religião do que amor pela liberdade", em cujo nome,
entretanto, pretendem agir.
Os acontecimentos se precipitam e o povo insatisfeito
vai às barricadas. É a revolução de junho, de que nas
páginas de "Os Miseráveis" de Vitor Hugo está o retrato
imortal. Ante o proletariado informe e rebelado e a autoridade
inflexível, cujo símbolo bem pudera ser Javert, sonha Ozanam em
estabelecer a síntese da Ordem e da paz representada pela
Igreja.
Daí o apelo do jornalista de L'Ére Nouvelle a
Monsenhor Afre, para que fosse o mediador entre os revoltosos e o
governo. O grande arcebispo morre crivado de balas quando se
dirigia às barricadas para interpor a paz. Ozanam debate-se num drama de consciência, mas os fatos seguintes logo
evidenciam que aquele sacrifício não fora vão. A França reencontra
por um largo período, o caminho de seu destino.
E enquanto a cidade sarava as feridas da revolta, o
jornalista Ozanam prega os remédios para a luta de classes
que a revolução industrial suscitara. Aos ricos, que não
gostam que se lhes fale da miséria, dirige palavras candentes,
enquanto ensina aos que procuram uma diretriz em meio às ruínas da agitação "a ciência do bem social e das
reformas benéficas", para a qual "é menos útil
debruçar-se sobre livros e sentar-se junto da tribuna politica do que subir os
andares da casa do pobre". E termina a série de artigos com o
seu estudo sobre o socialismo, num misto de verdades proféticas e
de lições ainda atualíssimas.
Estavam contados os dias da "Era Nova". Luiz
Veuillot, no L'Univers, investe contra as idéias políticas de
Ozanam, que afirmava: "O cristianismo é a democracia.
Temos, portanto, que conciliar a Igreja com o povo". Para
Veuillot, rigidamente ortodoxo, esta frase faria supor que a Igreja
houvesse errado e classificava L'E're Nouvelle de L'Erreur
Nouvelle.
Ozanam viu-se sozinho. Embora o jornal houvesse
atingido tiragem avultada, as dificuldades materiais o
assoberbavam. Com admirável dignidade cessa a publicação, evocando,
no artigo de despedida, a imagem da semente sob a neve.
Termina ai sua atividade jornalística.
Não tardaria que a
morte arrebatasse para a mansão dos justos o grande homem da Igreja. O tempo veio dar razão a Ozanam. A aliança da
Igreja e da democracia (vista não no sentido de facção, mas
de ciência do bem comum), consubstanciou-se nos documentos pontifícios do nosso tempo e é um fato positivo a
indicar ao mundo o caminho da salvação ante a ameaça dos novos
bárbaros, conluiados nessa outra aliança que, na frase de
Ozanam, é "a da fôrça, da ciência e do pecado"
08-11-1957
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