Deste, que veio a morrer, passou São Vicente a outro senhorio, a um sobrinho daquele que o transacionou por sua vez a um renegado de Nirza, homem cruel e desumano, e que, afinal, veio a ser convertido pelo santo servo de Deus e a dar entrada mais tarde no mosteiro dos religiosos de São João de Deus "porque ele tinha feito disto voto", dizia o próprio Vicente de Paulo em carta escrita de Avinhão.
De Avinhão, aonde havia regressado da sua fuga de Tunes, passou Roma na companhia de um novo amigo, o bispo de Nicastro, Monse- nhor Pedro Francisco Montorio Omano e ali terá sido encarregado de uma delicada missão confidencial junto de Henrique IV. Por esta altura terá também conhecido Pierre Bêrulle, futuro cardeal, fundador e ao tempo superior geral do Oratório francês. A amizade com Bêrulle e o seu profundo conhecimento da vida real encaminharam-no nas suas idéias apostólicas para "reforma do clero e para o auxílio do povo abandonado". Entretanto aceitava a curadoria de Clisci, renunciada pelo padre Borgoino, ao mesmo tempo que o soberano lhe dava uma abadia e a ranha de Valois o nomeava seu capelão
Uma nova missão estava, porém, reservada a Vicente de Paulo desta vez ao serviço da casa ilustre de Gondi, para onde entrou em 1613. Felipe Manoel de Gondi, era então, General das Galés de França e tinha por mulher Francisca Margarida de Silli, "Senhora de singular virtude". Este casal que viria a receber um forte influxo espiritual de São Vicente, tinha três filhos, um dos quais morrera ainda em plena puericia. Dos outros dois, um alcançou a invejável posição de duque e par de frança e o outro, por ¨seus¨altos merecimentos" vestiria a Sagrada Púrpura.Nessa casa e nessa família derramou o Santo Vicente de Paulo os bálsamos da fé e as virtudes da Sua Santidade, fazendo que fosse ¨um espelho de honestidade, piedade e devoção¨
Não menos missionária foi a sua ação
como capelão-mor das galés, com acesso aos cárceres a consolar os infelizes
sepultadoss em uns escuros calabouços” , oprimidos das necessidades e da
fome. Exortava então os padres da sua congregação ( Sociedade dos Padres da
Missão) instituída por volta de 1625 e que o Papa Urbano VIII aprovava e
confirmaria por bula de 1632. O prestigio de
Vicente de Paulo era já tal que Luis XIII , rei de França , lhe concedeu
licença para que "pudesse fundar novas casas em qualquer parte do seu
reino", que ele próprio regiamente
fundou e cujo exemplo iluminou outra alta personalidades como o cardeal de
Ricehielieu, Ana da Áustria e depois Luis XIII , datando de 1840 a sua fundação
em Roma que se ficou devendo a Maria de Vignoud, duquesa de Arqueuilon e
sobrinha de Ricehielieu.
Pelo ano de 1617 instituiu a primeira conferência de caridade que daria origem já no século XIX às chamadas conferências de São Vicente de Paulo de que foi fundador Frederico Ozanam.
Para essa primeira conferência, a da caridade, interpelou e comoveu São Vicente. Toda a cidade, desde o "Bispo, Cônegos e principais, para que procurassem o remédio daqueles pobres, e cujo cuidado ficou o amparo dos necessitados e mendigos". Fez mais: ordenou que nela se distribuísse "a cada um dos pobes uma esmola suficiente para seu sustento". Em contraposição não lhes era permitido (aos necessitados) que "andassem mendigando pelas igrejas, ruas e casas. Tal era sua ótica social. Aos pobres de passagem e aos peregrinos fixou "que se hospedassem por uma noite e que ao despedi-los pela manhã se lhes desse alguma esmola". Ainda mais: Pessoa de boa vontade (tal qual os futuros vicentinos) receberam como apostolado (que se informassem dos pobres vergonhosos da cidade para assisti-los, e prove-los nas suas enfermidades de medicinas e das mais coisas necessárias". Num ápice este santo homem se viu rodeado de mais de 300 famintos para "recolher e sustentar".
Muito da ação estranhadamente dinamizadora e extraordinária que SÃO Vicente de Paulo exerceu nas gerações novas e posteriores ( como ainda hoje exerce )foi resultado de experiências colhidas pela sua forte personalidade e pela ambiência do meio em que viveu, pela terrível chaga social do tempo , e a sua espiritualidade não deixaria também de refletir a preocupação de outras personalidades contemporâneas de que se destacaram tais como o cardeal Berúlle, que o mondara na juventude, e São Francisco de Sales, seu grande e pessoal amigo que o elegeu superior das Religiosas da Visitação em Paris.
Longe
de se ficar pela quietude da obra já realizada, São Vicente de Paulo sente-se
impelido a mais, abrasado no amor do próximo, na denúncia das injustiças e na
mitigação da dor alheia em que ele via Cristo sofredor, na pessoa do Pobre. Uma
nova instituição surge em 1633. É a Conferência das Filhas de Caridade e também
chamada das Irmãs ou Servas dos Pobres, que teve como objetivo “ajudar e
assistir, assim na alma como no corpo, aos pobres enfermos do lugar, onde se
erigisse. Foi grande cooperadora desta obra Santa Luisa de Marilac, “uma muito
piedosa senhora”, filha espiritual de seu zelo cristianíssimo. Esta obra
difundiu-se por toda a parte, a partir da Europa. Em Portugal Dom João VI, por
decreto de 1º de abril de 1819 concedeu licença para o estabelecimento desta
congregação religiosa em Lisboa com a faculdade de adquirirem bens até o
rendimento anual de 8.000$00 reis. (¹)
Era
tão grande a auréola do santo Vicente de Paulo que Luiz XIII, rei da França,
sentindo-se acabar mandou chamar o servo de Deus para o confortar e assistir
nos seus últimos e supremos momentos. A rainha viúva nomeou-o Conselheiro do
Conselho Real dos negócios eclesiásticos, cargo de grande subtileza em
importância na época.
A
obra de São Vicente de Paulo não cabe na pequenez deste traçado. A humanidade
infortunada a ele lhe ficou devendo tantas instituições e obras pias através de
confrarias de mulheres para servirem nos hospitais de Paris, a fundação de um
hospital para expostos além de outros, em um dos quais congregou em 1657 “todos
os pobes e vagabundos da cidade”. A sua caridade não conhecia limites nem
limitações ao acudir às necessidades dos povos trucidados pela fome (Lorena,
pós guerra) e pelas guerras civis na própria França.
Morreu
São Vicente de Paulo em provecta idade, sentado numa cadeira, as primeiras
horas da manhã do dia hoje celebrado em toda a cristandade de 27 de setembro de
1660, vestido com seu seráfico hábito (²
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(*) Antigo presidente do CPM de Angra. Trabalho iniciado no opúsculo "São Salvador de Angra". 1a. Conferência Vicentina 1904 - 1979. Editado a propósito dos 75 anos da SSVP nos Açores.
1)
Católico terceirense, 1858, nº 42.
2)
Nessa evocação seguimos como principal fonte a tradução de D. José Barbosa,
clérigo regular, de A Vida de São Vicente de Paulo, primeiro fundador e
primeiro superior geral da Congregação da Missão, escrita em castelhano por
Frei João do Sacramento. Obra traduzida e impressa em Lisboa nas oficinas de
Joseph António da Sylva, impressor da Academia Real, MDCC.XXXVIII.
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