1º DOMNGO DO ADVENTO

Marcos 13,33 – 37

Ficai de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando será o tempo. Será como um homem que, partindo de uma viagem, deixa a sua casa e delega sua autoridade aos seus servos, indicando o trabalho de cada um, e manda ao porteiro que vigie. Vigiai, pois, visto que não sabeis quando o senhor da casa voltará, se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã, para que vindo de repente, não vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: vigiai!

Comentário

Já é hora de acordar! Eis o apelo de Jesus no Evangelho que inaugura este tempo do Advento. Uma nova aurora surge no horizonte da humanidade, trazendo a esperança de um novo tempo de um mundo renovado pela força do Evangelho. Neste tempo de graça, somos convocados a sair do torpor de uma prática religiosa inócua, a acordar do sono dos nossos projetos pessoais vazios e egoístas. Despertos e vigilantes, somos convidados a abraçar o projeto de Deus que vem ao nosso encontro, na espera fecunda do Tempo do Advento, temos a chance de reanimarmos em nós e os compromissos assumidos em favor da construção do Reino, reavivando as forças adormecidas, para a construção de uma humanidade nova, livre das trevas do sofrimento, da marginalização e da morte.

Frei Sandro Roberto da Costa, OFM - Petrópolis/RJ

2º DOMINGO DO ADVENTO

Marcos 1,1 – 8

Conforme está escrito no Profeta Isaias: Eis que envio meu anjo diante de ti: Ele preparará teu caminho. Uma voz clama no deserto: Traçai o caminho do Senhor, aplainai suas veredas (Mt 3,1); Is 40,3). João Batista apareceu no deserto e pregava um batismo de conversão para a remissão dos pecados. E saiam para ir ter com ele toda a Judéia, toda Jerusalém, confessando os seus pecados. João andava vestido de pelo de carneiro e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel Sivestre. Ele pôs-se a proclamar: “depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; ele, porém, vos batizará no Espírito Santo”.

Comentário

“Preparai o caminho do Senhor, aplainai as suas veredas”. Clamando pelo deserto, João Batista nos indica que procurar viver conforme a Boa-Nova que Jesus nos trouxe não se trata, simplesmente, de viver dentro de um sistema religioso com certas práticas que nos identificam com tais. Talvez ele queira nos indicar que a fé, antes de tudo é um percurso, uma caminhada, onde podemos encontrar momentos fáceis e difíceis, dúvidas e interrogações, avanços e retrocessos, entusiasmo e disposição, mas também cansaço e fadiga. No entanto, o mais importante é que nunca deixemos de caminhar, pois o caminho se faz caminhando. Boa caminhada de Advento e preparação!

Frei Diego Atalino de Melo

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

2. O Espírito de Ozanam







O Espírito de Ozanam 

                                                                                               


OSCAR AMARANTE




                                 "Eu não tenho desejo mais ardente do que 
                                 este, de ver propagados, até os confins do
       mundo,  o  espírito  e  a  vida de Ozanam". 


                                     (SS. Papa PIO X) 


   Estimulado por este "desejo mais ardente" de São Pio X, de gloriosa memória, integrado que fui, por demasiada generosidade, nesta tertúlia vicentina que visa precipuamente, difundir o conhecimento da personalidade do Fundador da Soci-edade de São Vicente de Paulo, melhor apreciando sua vida edificante mediante 
o curso de palestras semanais,  em feliz hora instaurado pela benemérita Assis- 
tência Vicentina - julguei oportuno adotar para tema de estudo, nesta noite, "O Espírito de Ozanam", embora em nossa terra,  vítima  de tanta  ignorância pela exploração espiritista, possa esse título gerar eventual interpretação menos correta de sua alta finalidade instrutiva. 

   Já estamos tão habituados, fiéis à tradição que nos conforta,  a  recorrer com 
freqüência ao "Espírito da Sociedade" (seria mais  perigoso dizer-se "invocar"), 
para dirimir tantas  dúvidas  e para evitar controvérsias em nossas reuniões. Manuseando as páginas  de nosso  secular  Manual,  instruídas  pelos comentários, delas haurimos sábios ensinamentos. No capítulo da "introdução" desse admirável código vicentino, lê-se algures: "em cada página deste livrinho se manifesta o espírito das Conferências de São Vicente de Paulo"

   Assim, meus caros  Confrades,  estudando simultaneamente  a vida do Fundador, codificando as suas obras escritas, analisando o sentido profundo de suas palavras dignas de meditação, estaremos formando conceito seguro do "Espírito de Ozanam". Foi, por certo, sob esse critério superior e bem rígido - depois de absolutamente convicto de sua integral ortodoxia católica em todos os seus mínimos atos e atitudes, principalmente nos textos originais de suas variadas obras completas e de esparsas publicações em "L'Êre Nouvelle" - que a Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, Mestra e Doutora da Verdade, houve por bem declarar OZANAM - SERVO DE DEUS", após o primeiro centenário de sua morte. O Santo Padre Pio XII promulgou o primeiro passo e nos conferiu a grande esperança de breve beatificação de Ozanam que culminará, se Deus quiser, em solene canonização, elevando-o às honras dos altares e incluindo-o no rol dos santos de nossa mais cara devoção. 

Neste modesto trabalho, encontrei maior soma de subsídios e de inspiração no precioso livrinho intitulado "L'Esprit d'Ozanarn", de autoria de S. Excía. Revma. Mons. Villepelet, Bispo de Nantes, França, dos mais ardorosos propagandistas das virtudes de Ozanam, e cujo exemplar me foi ofertado, no Natal de 1949, pelo caro Cf. Paulo Sawaya - "para que o Espírito de Ozanam o ilumine na trajetória da Caridade vicentina", nos termos de sua fraternal dedicatória. 

"Quem é este homem do qual falam com tanto amor e quem são vocês que contam tantas causas tão atraentes de sua vida?" ¹ 

   Esta foi a curiosa pergunta - ainda nos dias em que vivemos a aflorar nos lábios de muitos - que Ambrosio Romero Carranza formulou, numa manhã de 1930, a um grupo de jovens argentinos reunidos na Igreja de Santo Agostinho, na cidade de San Juan. E dessa indagação, desse providencial contato com um grupo de jovens vicentinos, aquele grande católico, - que tivera ancestrais de marcante atuação na história da sociedade, na Argentina, e que antes nem de leve se preocupava com essa obra e muito menos com a figura de Ozanam - levou ele 20 anos de estudos profundos para dar à lume (que exemplo magnífico!) aquele precioso volume "Ozanam y sus contemporâneos".

   Nessa obra de fôlego - dos mais belos estudos sobre a personalidade de Ozanam, reflete-se todo o seu grande espírito de apostolado heróico. Do prefácio do citado opúsculo de Mons. Villepelet extraímos passagens que merecem ser reproduzidas e que nos traçam a fisionomia espiritual daquele que ocupa nossa atenção neste curso de formação vicentina. "Parece-me - argumenta esse autor - que um confrade de São Vicente de Paulo deseja, sobretudo, conhecer a vida interior de Ozanam, a fim de nela se inspirar em sua própria conduta e de nela prolongar a influência. Assim como, sob o título de Espírito de São Francisco de Sales e do Santo Cura D'Ars, tornaram-se acessíveis ao público as palavras e os escritos desses servos de Deus, assim todo discípulo de Ozanam pode legitimamente desejar curto repertório onde, tanto pela sua piedade como pelo seu apostolado, encontrará facilmente com que alimentar e enriquecer sua espiritualidade". ² 

   Nos  dois  volumes  das  Cartas  de  Ozanam,  "nessas confidências íntimas  e espontâneas revela-se melhor a riqueza da espiritualidade de Ozanam!"³ Razão eloquente para que incentivemos a divulgação da edição brasileira, com tanto carinho e amor traduzida pelo caro Confrade João Pedreira Duprat, em todos os meios vicentinos e principalmente nos centros universitários.

  O encanto dos pensamentos e ensinamentos de Ozanam "reside mais na irradiação de uma alma inteiramente voltada para Deus e para o invisível, ao mesmo tempo apaixonadamente preocupada das indigências espirituais e materiais do século que o envolve. É  nisto, principalmente,  que Ozanam nunca envelheceu e que mereceria ser também classificado entre os "mestres da atualidade"(4). Quanta similitude do século ou da época agitada em que Ozanam viveu, sofreu e lutou com heroísmo cristão, até o sacrifício da própria saúde, com o século atual, (ainda na semana última apreciada com autoridade por Mons. Latayete), quando sabemos de tantos sociólogos ou de membros do laicato católico vítimas da incompreensão que também reina em muitos setores da própria Ação Católica! 

   Ainda no saudoso retiro espiritual de Setembro de 1955 na Vila Dom José, em Barueri, o virtuoso Bispo de Botucatu, Dom Henrique Golland da Trindade, nos declarava, na reunião provincial, que reconhece na ação vicentina uma das formas mais legítimas da ação católica. De igual parecer e irrestrito entusiasmo pela obra de Ozanam o dinâmico Bispo de Uberaba, Dom Alexandre Amara!. 

   "O que impressiona,  com  efeito  (diz Mons. Villepelet),  e acima de tudo nos escritos de Ozanam, é a sua atualidade no domínio do apostolado" (5) - como evidenciou Mons. Lafayete no tema que desenvolveu. Vale dizer-se, pois, que Ozanam se revela um apóstolo leigo na "ordem do dia". 

******

   Como características notáveis ou temas que melhor informam o "Espírito de 
Ozanam'', traduzido nos seus escritos e ações, louvo-me ainda no depoimento 
respeitável de Mons. Villepelet (6). São assim enumerados, tendo como cúpula e tema central de toda a sua estrutura espiritual apaixonado amor à Verdade:

    1. A submissão à vontade de Deus e a confiança na Providência                   Divina; 
   2. O exato cumprimento dos deveres de estado; 
   3. A prática das virtudes teologais e morais, a busca do desapego e            da humildade; 
   4. O amor aos pobres, e, para exaltação dessa modelar espiritualidade         cristã, apraz-me acrescer; 
   5. A devoção de Ozanam à Santíssima Virgem. 

   Na vida cristã e no exercício do zelo apostólico, essas normas constituem, por 
certo, base comum ou freqüente para tantas almas de eleição, e que não se altera segundo as condições do tempo ou do espaço. Mas Ozanam soube manter todos esses atributos cardeais com absoluto equilíbrio e no mais elevado grau, em tão curta passagem sobre a terra, como atestam a sua vida e as suas obras. 

****** 

1) Submissão a Vontade de Deus e Confiança 
na Providência Divina 

   Como testemunho máximo de sua submissão à vontade divina e filial confian- 
ça na Providência,  bastaria  considerar suas  caminhadas,  às  vezes dolorosas, nos derradeiros dias de sua preciosa existência terrena, minado que era por insidiosa enfermidade que lhe minguava as energias. Ou, então, a leitura do seu testamento tão comovente. 

"O homem tem necessidade de Deus (escreveu ele no 10 tomo da "civilização cristã no V século") e, no entanto, ele tem medo de Deus". 

"Quando eu considero a época presente e que nela vejo tantos talentos incontestáveis, tão fecundas inspirações, pensamentos generosos, eu concluo que Deus nada mais lhe deve, e que não lhe falta para ser grande, por sua vez, senão o trabalho, isto é, a própria vontade". (Do tomo VIII das "Miscelâneas": trecho sobre "o poder do trabalho"). 

   Sua confiança na Providência Divina que governa nossos passos é bem ex-pressa numa carta a Soulacroix, de 27 de janeiro de 1842: 

"Sim, nós o sabemos, no meio das incertezas da sorte, da saúde, da vida, podemos confiar sempre na Providência que não nos abandona-rá, e em nossa família que aqui representa a Providência para nós". 


   Reunindo esses dois sentimentos que norteavam sua vida espiritual, assim 
escrevia em 1844 a Foisset:

"É preciso seguir o movimento inevitável dos homens e das coisas, confiando-se em Deus que o dirige; e estar pronto para todos os sacrifícios, pensando que, se eles, não  servem  para  assegurar o su-cesso da luta presente, terão seu valor cedo ou tarde, neste mundo ou no outro; e que, quando pensamos ter perdido nossos esforços, nosso tempo e nossas penas, muitas vezes a Providência deles extrai um bem muito maior, no qual nós nem havíamos cogitado." (7)

   Ao seu amigo Lallier escrevia a 5 de novembro de 1836: "Vamos simplesmente aonde a misericordiosa Providência nos conduz, contentes de ver a pedra na qual devemos pousar o pé, sem querer descobrir todo o roteiro e todas as sinuosidades do caminho." (8) 

   Contando menos de 21 anos, escrevia a Falconnet a 11 de abril de 1834:

   "... nós não estamos na terra senão para cumprir a vontade da Provi- dência; que esta   vontade  se   cumpra  dia a dia,  e  aquele  que morre   deixando sua tarefa inacabada  está tão próximo do  olhar  da Suprema Justiça como  aquele  que  tem  tempo  de a acabar completamente".

"Os maiores homens são aqueles que nunca avançaram o plano do seu destino, mas que se deixaram conduzir pela mão." (9)

2) O Exato Cumprimento dos Deveres de Estado


   Sob  esse tema  mais vasto, poderíamos  encarar  a personalidade de Ozanam
como filho e irmão exemplar,  esposo e pai  dedicado,  professor emérito, amigo
fiel e, finalmente, como católico  integral e vicentino  modelo. E  nem  se poderá
compreender de outra forma a santidade de  uma alma de eleição cujas virtudes
são apregoadas e apontadas para nossa  edificação a  não ser  no  cumprimento
exato dos deveres cristãos, dos deveres sociais e dos deveres domésticos.

   Alguns desses aspectos de sua vida já terão  sido ventilados durante o curso, ou em aulas subsequentes serão melhor focalizados.

  No presente estudo  que nos infunde o "Espírito de Ozanam" que nos envolve as mentes e acalenta os corações, não será possível abranger  todos as características com as minúcias  hauridas  dos seus  escritos. Consideremo-lo de passagem em suas "santas afeições": no lar e em suas amizades.

   Já em seu tempo escreveu  bastante a  respeito  do divórcio, combatendo ideias correntes  contra a  instituição basilar  da família  e  que constam do volume denominado "Miscelâneas". Assim se exprimia algures:

   "A família é a escola do sacrifício; é ali que o homem   aprende a se privar, a se dominar, a se devotar, a viver por outrem". 
(Tomo VII: miscelâneas do divórcio).

   A 20 de outubro de 1835, escrevia ao amigo Curnier:

   ''A grande ação que agora meditais não servirá senão para redobrar vosso zelo e vossa força. "Quando dois ou mais se reunirem em meu nome, diz o Salvador, eu estarei no meio deles." "É sob esse nome divino que ides unir-vos a uma esposa sensata e piedosa. E a promessa se cumprirá em vós: dando vosso amor a quem vos será tão justamente querida, não o retirais dos pobres e dos infelizes que amastes em primeiro lugar. O amor tem essa afinidade com a natureza divina, que se dá sem empobrecer, que se comunica sem se dividir, que multiplica, presente em todos os lugares simultaneamente, cuja intensidade au-menta à medida que se amplia". (10)

   Ao mesmo Curníer escrevia antes, em 4 de novembro de 1834:

"O laço mais forte, o princípio de uma amizade verdadeira é a caridade; e a caridade não pode existir no coração de muitos sem se difundir; é uma chama que se apaga por falta de alimentos, e o alimento da caridade são as boas obras." (11)

   Este o grande sentido de nossa união fraternal na Sociedade em que nos alis- 
tamos, meus caros confrades. Com esse espírito de Ozanam, que soube fazer irradiar através dos seus escritos ou de suas cartas aos amigos, a caridade nos irmana e é alimentada pela nossa ação vicentina preconizada pelo nosso Funda-
dor - Servo de Deus.

   A respeito do exato cumprimento do dever de estado, encontramos um trecho
sério em carta dirigida por Ozanam a  17/5/1838,  a Lallier, 1º  secretário  geral
da Sociedade fundada em 1833:


       "Há uma responsabilidade vinculada aos nossos encargos, por mais 
modestos que sejam: as faltas que se cometem  são duplamente  graves
quando elas podem recair sobre as obras que dirigimos. Os chefes das associações piedosas deveriam ser santos para atraírem sobre elas as graças de Deus." (12)


3) A Prática das Virtudes, o Desapego e a
Humildade de Ozanam


   Quanto a esse aspeto da vida espiritual de Ozanam, e que serão fatores segu-
ros para a sua beatificação - a sua rápida existência terrena, tão cedo amadure-cida para  a  vida eterna,  é uma  pregação  progressiva  desde  a sua meninice, quando  orientado  pela querida irmã Elisa, aconselhado pela sua caríssima Mãe, ao partir para Paris - cidade luz, contando com o exemplo vivo de um pai cristão e fortalecido por sábia direção espiritual.

   Na sua obra "Miscelâneas",  no tomo VII,  em "reflexões  sobre  a  doutrina de
Saint-Simon", que combateu com tanto ardor apostólico, assim se exprimia:

          ''A vida dum cristão é uma festa contínua".

   Em carta escrita a M. Hommais, a 16 de junho de 1852, dizia:

   "Quando toda a terra tiver abjurado a Cristo, há na inexprimível doçu-ra de uma comunhão, e nas lágrimas que ela faz derramar, uma   potên- cia de convicção que ainda me faria abraçar a cruz e desafiar a  incredu- lidade de toda a terra." (13)

   A seu querido irmão Charles escreveu, no ano de 1842, diversas cartas nas 
quaís extravaza os sentimentos de piedade que lhe inundavam a alma: 

  "É preciso voltar-se para o céu quando magoado sobre a terra!" 

   "À medida que a gente se sente mais isolado na terra, faz-se mister ao contrário tornar-se mais forte e mais corajoso. É preciso nas horas de tristeza, quando a vida pesa para ser levada, é preciso lembrar-se que tudo quanto se passa é curto, e que em alguns anos reencontraremos os que nos faltam. Mas, ao mesmo tempo, nos lembramos que nós não os reencontraríamos, que eles não nos receberiam, se nós nos apresentarmos com as mãos vazias, e que estes dias rápidos passados sobre a terra devem ser bem cumpridos. Não o serão senão pelo cumprimento fiel da vocação à qual se é destinado: esta vocação, é preciso conhecê-la, é preciso observá-la. Muita vez, disso tenho eu tido experiência, Deus nos deixa, a esse respeito, em uma longa incerteza; mas Ele não recusa suas luzes no momento preciso da necessidade. Há, a propósito, na Oração domini-cal, um trecho que talvez não seja bastante meditado: "Que vossa vontade seja feita sobre a terra como no céu"; isto é: não como no inferno onde se cumpre por força e constrangida, não como entre os homens onde muita vez se age com ignorância ou com murmúrio, mas como entre os anjos onde essa vontade é servida com inteligência e com amor." (14)

   Em 24/11/1835 , escrevia a de La Noue, revelando com simplicidade: "Deus 
se  serve com freqüência  de instrumentos  fracos  (como era ele) para executar grandes coisas. É preciso ser chamado para uma missão provi- dencial, e então os talentos e os defeitos desaparecem para dar lugar à inspiração que os guia". 

   Mais tarde, a 5/11/1836, assim se manifestava a Lallier, seu grande amigo e 
confrade, com tanta humildade: 

   "Sim, somos servos inúteis, mas somos servos, e o salário não é dado senão à condição do trabalho que fizermos na vinha do Senhor e no local que nos for designado. Sim, a vida é desprezível, se a considerar- mos pelo uso que dela fazemos; não o será, porém, se a apreciarmos sob o aspecto do uso que dela podemos fazer, se a considerarmos como a obra mais perfeita do Criador, como a veste sagrada com a qual o Salvador quis cobrir-se: a vida então será digna de respeito e de amor." (15)


   O desapego de Ozanam deve ser lembrado por nós, particularmente, na recu-sa a qualquer  cargo  de  direção  superior da Sociedade, tendo recorrido, desde logo, à experiência do Senhor Bailly para presidir, de início, os destinos da nova Sociedade. Preferiu ser simples confrade e trabalhar ativamente pelo incremento da obra providencial que idealizara, com um grupo de denodados companheiros de lutas, em prol da causa da Igreja e da verdade. 

4) O Amor aos Pobres 


    Nesse característico ou tema do "Espírito de Ozanam" reside a maior atração 
devida ao nosso Fundador. Embora  seja  classificado dentre os maiores profes- 
sores universitários, homem de letras e de cultura vasta, escritor abalizado, ora-dor eloquente e empolgante, sábio na verdadeira  acepção  da palavra - de nada lhe teriam valido todos esses predicados, ainda que dotado do dom de profecia no curso dos tempos, se não tivesse tido Caridade. A ele se aplica com justeza plena o elogio máximo da Caridade atribuído a São Paulo. Ozanam terá sido ou feito tudo quanto o grande apóstolo das gentes menciona em sua memorável epístola aos Coríntios, mas sempre exerceu a Caridade, companheira inseparável da Verdade - o grande ideal que animou toda a preciosa existência de 40 anos de Antônio Frederico Ozanam. 

    Sobre esse assunto, quero crer que no dia 30 o Confrade Pedreira Duprat - que versará sobre "Ozanam e as Conferências Vicentinas" - muito nos instruirá, dispensando-me de maior amplitude. Meu estudo visa, tão somente, traçar as linhas mestras do "Espírito de Ozanam" que ora nos empolga. Muitas passagens encontramos nos escritos de Ozanam, reveladoras do seu 
profundo amor aos pobres, exaltando-lhe a virtude da Caridade. 

   "Nós somos como o Samaritano do Evangelho" (Mélanges, tomo VII). 

   ''A caridade é uma mãe terna que tem os olhos fixos sobre a criança 
que ela traz ao seio, que não cuida  de  si própria  e  que  esquece  sua 
beleza pelo seu amor." (Carta a Curnier, 23/2/1835). 

   Muito conhecida aquela página de Ozanam que eu classifico de "Mensagem 
para a atualidade", lida  na  carta  dirigida a Ampére, a  17/2/1837,  na qual aprecia ele os dois campos em antagonismo: "o campo dos ricos, o campo dos pobres", para dizer com ênfase: 


    "Um único meio de  salvação resta: é que,  em  nome da caridade, os 
cristãos se  interponham  entre  os  dois  campos,  que  eles  caminhem, 
trânsfugas benfazejos,  de um  para o outro: que eles obtenham muitas 
esmolas dos ricos e dos pobres muita resignação; que levem aos po-bres presentes, e aos ricos palavras de reconhecimento". 

   E termina, após conselhos sábios, com a expressão evangélica: 

  "Unum ovile, unus pastor!" - Que haja um só rebanho e um único  pastor". 


   No volume das "Miscelâneas" - tomo VII, extratos da publicação "L'Ère nouvelle", à pág. 301, lê-se uma passagem que deve ser meditada: 


   "Os que sabem o caminho da casa do pobre, os que varreram a poeira 
de sua escada, estes nunca batem à sua porta sem um sentimento de respeito: sabem que, recebendo deles o pão como de Deus ele recebe a luz, o indigente os honra; sabem que nada pagará jamais duas lágrimas de alegria nos olhos de uma pobre mãe, nem o aperto de mão de um homem honesto que se põe em condições de retomar ao trabalho." 

   Não era, assim, em vão, à imitação de São Vicente de Paulo, que Ozanam dizia e nos recorda a todo instante em nossa ação vicentina: 

    "Pobres: vós sois os nossos senhores e nós seremos vossos servos. E,
não sabendo amar a Deus doutra maneira, havemos de amá-Lo nas vossas pessoas." 

5) A Devoção à Santíssima Virgem 

    Sob esse  tema, meus  caros Confrades, fecho de ouro dos característicos do 
"Espírito de ozanam'',  nosso  modelo  na  vida vicentina,  julgo  pouco  ter  a acrescentar ao folheto que ora vos apresento e que fizemos divulgar, em dezembro de 1953, sob o título: "A Devoção de Frederico Ozanam à Santís-sima Virgem", de autoria do mesmo prelado francês Mons. Villepelet, e cuja tradução  do original,  publicado na "Revue du Rosaíre" - Setembro de 1953, de- vemos a uma Monja Dominicana do Mosteiro Cristo Rei, em Vila Formosa,  desta Capital. 


    Essa publicação encarece todo  o  amor  filial que Ozanam  dedicou à Virgem 
Mãe de Deus. Desde os  primórdios da  Sociedade, aos 4 de  fevereiro de 1834, 
foi invocada como excelsa protetora, por proposta de seu devoto filho, escolhen-do-se o dia da Imaculada Conceição para uma das quatro festas regulamentares. 

   Mui comovente a sua peregrinação pelos Santuários dedicados a Nossa Senhora, da qual nos dá notícias seu irmão, Padre Carlos. - Batizado em abril de 1813 na Igreja  de Milão - consagrada a Santa Maria d'Servi, contou Ozanam sempre com a proteção carinhosa de Maria. Em 1833 volta a esse local onde ora longamente e renova as promessas do seu batismo. Passa pela Santa Casa de Loreto, onde é acólito da missa celebrada pelo  seu irmão que menciona a emoção de Frederico. Deve sua cura milagrosa, em certa fase de enfermidade, à proteção maternal de Maria Santíssima. Torna-se ou revela-se poeta maríano. tecendo loas à Virgem, em lindos versos divulgados pelo mano Carlos. (Trechos contidos na publicação de Mons. Villepelet). 



   Como é tocante essa devoção de Ozanam por Maria, em tantas passagens de sua vida,  notadamente na sua "via crucis" em caminho para a eternidade feliz! 
Não foi, pois, mera coincidência e sim maravilhosa ação da Providência, na qual
ele sempre tanto confiara, que o fez fechar os olhos precisamente a 8 de setem-
bro de 1853 - data da Natividade de Maria na terra e de Ozanam no reino celes-
tial. Escrevia o Padre Carlos, na biografia sobre Ozanam, editada em 1882: 

   "A Virgem Maria, para celebrar solenemente o dia do seu bem-aventu-rado nascimento, quis fazer  entrar na glória eterna um de seus mais caros filhos". 

****** 

Conclusão 

   Terminando esta despretenciosa palestra, à qual não saberia  atribuir o nome 
de aula (porque julgo que pouco poderei ter podido ensinar de novo aos preza- 
dos assistentes) - faço votos ardentes  para que o "Espírito de Ozanam" nos 
inflame em todos os atos e nos transforme em autênticos vicentinos, devotados 
à excelsa virtude da Caridade e à causa de Deus Nosso Senhor. 

   Prestando justa homenagem ao autor Mons. Villepelet que tanto me valeu na 
explanação do tema, suprindo as minhas deficiências e a carência  de obras so-
bre Ozanam, e que procurei desenvolver precisamente no dia 13 - em homena-
gem à Nossa Senhora do Rosário de Fátima, quando o Santuário de minha atual paróquia regorgitava de devotos pelas comemorações do 40° aniversário de sua última aparição na Cova da Iria - apraz-me reproduzir o trecho final do belo pre- facio do opúsculo - "L'Esprit d'Ozanam", com a seguinte exortação: 

   "Em contato com os temas (que Ozanam não cessa de iluminar, com rara feli-cidade de expressão e um entusiasmo contagiante, porque  longamente medita-dos por ele que intensamente os vivia) - possam seus confrades em São Vicente de Paulo vivê-los como ele, a fim de poder, como  ele também, dar testemunho, à ultima hora, "de nunca ter  trabalhado  para o elogio  dos homens, mas unica- mente para o serviço da verdade!" (16)


(¹) A. Romero Carranza: Ozanam y sus contemporâneos - pg. 15 
(²) Mons. Víllepeler: L'esprit d'Ozanam (avant-propos) - pg. 8 
(³) Mons. Villepelet: L'esprit d'Ozanam (avaru-propos) - pg. 9 
(4) Mons. Villepelet: L'esprit d'Ozanam (avant-propos) - pg. 9 
(5) Mons. Villepelet: L'esprit d'Ozanam (avant-propos) - pg. 11
(6) Mons. Villepelet: L'esprit d'Ozanam (avant-propos) - pg.11 
(7) A. F. Ozanam: Cartas (2° vol.): "Jour de Quasimodo" - 1844 
(8) A. F.Ozanam: Cartas (2° vol.)  pg. 143 
(9) A. F. Ozanam: Cartas (1º vol.)  pg. 69/70
(10) A. F. Ozanam: Cartas (1º vol.)  pg. 122

(11) A. F. Ozanam: Cartas (1º vol.)  pg.  122
(12) A. F. Ozanam: Cartas (1ºvol.)  pg. 192 
(13) A. F. Ozanam: Cartas (2° vol.)  - 1852 

(14) A. F. Ozanam: Cartas (2" vol.)  - 1852
(15) A. F. Ozanarn: Cartas (1º" vol.)  pg. 142/143 
(16) Mons. víllepelet: L'Esprit d'Ozanam  pg. 1 1/12 

Pensamento de São Vicente
"Se quisermos nos dedicar inteiramente ao nosso próximo não devemos reservar a nós mesmos nem tempo nem espaço".



Um comentário:

  1. Estudei todo este texto,mmaravilhoso
    Rico em informações e bem fefdefin.

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