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Torre Eiffel - Paris |
Jovem católico engajado e já tendo vencido uma crise de fé, Frederico Ozanam fora para Paris em fins de 1831, a fim de estudar Direito. A agitação, a luta de classes, fermentavam ainda, conforme a descrição que Vitor Hugo nos legou em Os Miseráveis. Também o pensamento católico estava agitado, sobretudo em face das novas ideias que viam no poder político (no Estado) um empecilho ao desenvolvimento da religião. Defendia-as, sobretudo, o abade de Lamennais, que naquele exato ano de 1830 fundara L’Avenir (O Futuro). Mas o jornal acabou sendo condenado pelo Papa (Gregório XVI) e Lamennais veio a apostatar. Frederico Ozanam, que com Lacordaire e o jovem conde Montalambert se aproximara do grupo de L’Avenir, sofreu rude golpe, mas ao invés de voltar as costas à Fé, procurou outros caminhos para servi-la e deparar os novos rumos que as circunstâncias impunham. Não obstante, quando tudo a sua volta parecia destinado a arrefecer-lhe sua fé cristã, Frederico Ozanam se ergueu com decisão diante da impiedade que triunfava em sua pátria. E como grande parte da irreligião francesa procedia de Voltaire, ele se dispôs a demonstrar que a história dava como mentiroso os escritos do patriarca de Ferney, e que este havia falseado a verdade histórica porque esta lhe era adversa. Por isso, dizia Frederico Ozanam que "igual a seu mestre, os modernos volterianos tem medo do passado e o caluniam e ultrajam porque sabem que os podem esmagar e aos que o cercam. Seu medo constituem nossa força e nos indica aonde dirigiremos nossos golpes. Limpemos a mancha que a calunia fez cair sobre as figuras de nossos pais (padres) na fé, e quando suas belas imagens brilharem com todo o seu esplendor, a multidão virá para honrá-los". A partir daí, procurou Frederico Ozanam por em prática a sua primeira obra de apologética: "As Conferências de História".
b) Das Conferências de História às Conferências de Caridade
"Um grupo de dez, do qual faço parte, uniu-se de modo particular pelos laços do espírito e do coração, formando uma espécie de cruzada literária, constituída de amigos dedicados, entre os quais não existem segredos, uns aos outros desvendando a alma para mutuamente transmitirem alegrias, esperanças e tristezas. Algumas vezes, quando mais puro era o ar e suave a brisa, à claridade do luar que banhava a cúpula majestosa do Panteão, diante desse monumento que parecia querer alçar-se ao Céu e do qual entretanto arrancaram a cruz, como a tolher-lhe o impulso, pôde um guarda, de olhar inquieto, contemplar sete ou oito jovens, de braços dados, a perambular, durante horas a fio, pela praça solitária. De fronte serena e passo calmo, suas palavras tinham vibrações de entusiasmo e sensibilidade. Falavam de coisas terrenas e celestes; entretinham-se em pensamentos generosos e piedosas recordações. Eram colóquios sobre Deus, os pais, os amigos que desfrutavam a doçura do lar, a pátria, a humanidade".
Vivendo em ambiente desprovido de religião, atacados por alguns mestres nos seus sentimentos religiosos, procurando nas discussões estéreis, algo que lhes alimentasse um ideal mais elevado, os jovens católicos da Sorbonne, sob a direção de Frederico Ozanam, resolveram dar objetividade e consistência à então denominada Conferência de História. As lutas eram ásperas. Os grupos dividiam-se cada um defendendo suas idéias, mas no conjunto os estudantes católicos eram os mais visados, mesmo porque a Igreja constituía, por assim dizer, o centro principal dos ataques. E devido ao calor dos debates, um crescente número de estudantes concorriam com assiduidade nas Conferências de História, ficando as mesmas conhecidas e famosas no Bairro Latino, na Praça de L'Estrapade, nº 11, próximo ao Panteão.
Numa tarde de abril de 1833, um grupo de aproximadamente trinta estudantes sansimonianos desejavam esmagar, com discursos preparados com esta finalidade, as pretensões apologéticas de Frederico Ozanam e seus companheiros. Um dos componentes desse grupo de sansimonianos, solicitou de Bailly o uso da palavra e diante da numerosa platéia repleta de estudantes, começa sua exposição destacando, com enfase, as idéias sociais de Enrique de Saint-Simon¹. Junto de Frederico Ozanam está sentado seu inseparável amigo Francisco Lallier, que lhe pergunta em voz baixa: "Você o conhece? Sim, responde Frederico Ozanam - é um estudante do quinto ano de direito. Se chama João Broet²; tem fama de ser muito preparado e inteligente. Escutemos, pois, com atenção seu discurso, porque será difícil refuta-lo".
Nesse dia, trava-se um memorável debate entre Broet e Ozanam e este com seus amigos convencem-se da necessidade de provar, na prática, os postulados da Caridade Cristã, pois, as palavras conhecidas de Broet tiveram o condão de despertar a atitude decisiva de Frederico Ozanam e seus companheiros, que a esse respeito assim se manifestou: "O Sr. Broet pretende que o catolicismo terminou sua obra; que ele expira hoje a anarquia que o dilacera, e a letargia que o adormece, apático e incapaz de ser um bem para a humanidade. É neste terreno que peço seguir-me".
Ao sair do salão, ainda, Frederico Ozanam tinha nos ouvidos as palavras de Broet e que o mantinha preocupado: Dissera Broet, finalizando: "Tudo quanto acabamos de ouvir sobre o cristianismo é verdade, se o analisarmos pelo que foi, pois não há dúvida que na Idade Média contribuiu poderosamente ao progresso da humanidade. Porém, agora, na Idade Moderna, aonde estão suas obras que nos demonstram que a Igreja vive? O orador que se manifestou a pouco tem razão quando fala do passado: antigamente a Igreja realizou maravilhas, porém, atualmente, o que ela faz pela humanidade? E vocês mesmos que sentem-se orgulhosos de ser católicos, que fazem para demonstrar ao mundo a vitalidade, a eficácia e a prova da verdade de vossa fé? Provem que o cristianismo vive, não com eloquentes discursos, mas, sim, com obras sociais, e então, acreditaremos em vocês". Frederico Ozanam emocionou-se com esta censura.
Ao chegar a saída, Frederico Ozanam encontra-se com Le Taillandier, não menos profundamente afetado que ele. Então humildemente, mas com determinação lhe diz: "Se nosso esforço é sem êxito, não será porque falta alguma coisa à eficácia sobrenatural de nossa palavra? Sim, para que nosso apostolado seja abençoado por Deus, uma coisa lhe falta: as obras de benemerência. A benção do pobre é a benção de Deus. Animo, amigo. Pergunta-lhe Le Taillandier: "Praticamente o que vamos fazer para traduzir nossa fé em atos?" Responde-lhe Ozanam: "É preciso fazer o que é mais agradável à Deus. Logo é preciso fazer o que Nosso Senhor Jesus Cristo fazia, quando pregava o Evangelho. Vamos aos Pobre". E nessa mesma tarde, Frederico Ozanam e Augusto Le Taillandier levaram a um pobre seu conhecido, o pouco de lenha que lhes restava da sua provisão para os últimos dias de inverno. Este gesto simples, praticado pelos dois jovens é profundamento simbólico. Aquele pequeno feixe de lenha ao queimar-se para produzir calor naquele ambiente miserável, incendiou, através do tempo e do espaço, milhares de corações, com a chama ardente da caridade evangélica, da caridade que salva e conduz as criaturas humanas para a frente, para o alto e para Deus.
¹) O conde Enrique de Saint Simon, aceitou com entusiasmo a Revolução Francesa e se enriqueceu com a compra e venda de bens expropriados pela República. Ele pregava um socialismo no qual o Estado e não a família, herdaria e repartiria as riquezas acumuladas. Foi chamado "o precursor do socialismo", não tendo, porém, nenhuma vez empregado esse termo em seus escritos: "A História do Homem, a Reorganização da Sociedade Europeia, O Sistema Industrial, Novo Cristianismo, etc." O termo socialismo foi usado pela primeira vez pelo economista Roberto Owen, dando o sentido atual da palavra.
²) João Broet, jovem estudante, cursava o 5º ano de Direito na Sorbonne. Defendia e difundia as idéias do Conde de Saint Simon. Falava com eloquência e conhecimento, era muito bem preparado e inteligente, e trava com Frederico Ozanam um memorável e longo debate.
Um dia em que Lallier se entretinha com o mais velho do grupo, Le Taillandier, um ruaonês, estudante do segundo ano de direito, espírito frio, silencioso, mas dotado de um grande senso prático, este concluiu tranquilamente: "Gostaria, em lugar de tudo isto, de um outro gênero de reunião composta unicamente de jovens católicos, que, em lugar de belos discursos e de disputas, juntamente, se entregassem às boas obras". Lallier, então, perguntou-lhe: "Mas isto não seria capitular?" Ele não respondeu.
Emanuel José Bailly era professor de filosofia e proprietário-diretor do jornal “A Tribuna Católica”, em Paris. Beirava os 40 anos de idade. No dia 23 de abril de 1833, numa das salas da “Tribuna”, participava de uma reunião com seis jovens. Estão alegres e entusiasmados, falando e gesticulando muito, felizes por principiarem uma sociedade. Neste ambiente de sincera amizade e franca camaradagem acaba de nascer à primeira Conferência de Caridade!
Frederico Ozanam pergunta-lhe se aceitaria presidir “nossas pequenas reuniões”. Pai Bailly, como era carinhosamente chamado pelos jovens, diz simplesmente, “aceito”, levanta-se, e diz: "Esta obra que hoje começamos, será livre de tudo e espontânea, sendo uma simples associação de corações, sem outra lei que não seja o amor e sem outro fim que é de alcançar a salvação eterna, ajudando em comum os irmãos desvalidos". Ao que Frederico Ozanam acrescentou: "Seja, pois, nosso fim principal santificarmo-nos socorrendo os pobres em suas necessidades". E Bailly, consultando seu relógio diz: “são mais de 21 horas! Tenho aqui alguns biscoitos e uma garrafa de vinho tinto; vamos celebrar o memorável acontecimento”. “E, também, os 20 anos de Frederico, pois hoje é o dia 23 e seu aniversário”, acrescenta alegremente Augusto Le Taillandier (22 anos), estendendo a mão à Frederico Ozanam. E assim, Felix Clavé (22 anos), Julio Devaux (22 anos) Paulo Lamache (23 anos), Francisco Lallier (19 anos) e o Sr. Bailly, calorosamente abraçam com carinho e amizade a Frederico Ozanam que, emocionado, esforça-se para não chorar.
Terminada a reunião, Frederico Ozanam encaminha-se à sua residência e dirigindo-se ao jovem que o acompanha, diz-lhe: “Diga-me que você está feliz, Le Taillandier. NÓS PASSAMOS AOS ATOS...”. “Isso veremos”, respondeu o amigo sorrindo: “Isso veremos...”.
Nesta primeira reunião que deu origem a Sociedade de São Vicente de Paulo, tiveram os fundadores a prudência de escolher, para dirigir o novo trabalho que iriam realizar, um homem experiente, já formado, que poderia ser um pai para todos. O principal princípio que aprovaram, foi à visita aos Pobres, que seria semanal e em seus domicílios, e eles apelaram para a ajuda de uma não menos experiente religiosa, filha de São Vicente de Paulo, Irmã Rosalie Rendù, para acompanhar seus primeiros passos e orientá-los na maneira de tratar os indigentes.
Neste início de atividades, o produto das coletas eram trocados com a Irmã Rosalie, por bônus ou vale de pão e carne, e que as famílias assistidas trocavam no comercio local. A ajuda material de alimentos, roupas e agasalhos tão necessários serviam de meios para a entrada na morada dos Pobres, cuja preocupação principal dos confrades era a reforma espiritual e moral dos assistidos.
Em fevereiro de 1834 passa a chamar-se Sociedade de São Vicente de Paulo e, a prática aprovou tão bem que, em 1835 era aprovado o primeiro regulamento, cujo artigo primeiro a define como sociedade leiga, de caráter universal e proclama ter sido a Sociedade “criada pelos jovens e para eles”.
Pelo acima exposto,foi a amizade comunicante de Frederico Ozanam, que lhe permitiu reunir os seus companheiros da Sorbonne em torno de uma bandeira para defesa da Igreja, fundamentada na prática da caridade. Os jovens utilizaram os meios ao seu alcance para a luta que foram convocados, seja na Universidade, na cátedra e dos bancos escolares, através da imprensa escrita.
Havia alguns periódicos católicos que procuravam fazer a defesa da Igreja. O próprio Bailly editava o jornal a "A Tribuna" e "A Gazeta do Clero", e fazia questão de colocar "acima das opiniões políticas variáveis e passageiras, os interesses da Igreja; largamente aberta às ideias do progresso pelo cristianismo; eram simpáticas a aliança da ciência com a fé; repudiava-se o galicanismo como o absolutismo; e resolutamente fechadas aos processos agressivos e as polemicas amargas". São jornais que se tornaram a tribuna onde Frederico Ozanam e seus companheiros defendiam a Igreja.
As lutas que se processavam no ambiente universitário e fora dele, era o melhor estímulo para a união dos estudantes católicos. Atacados pelos colegas e pelos próprios mestres, defendiam-se de varias maneiras, mas, principalmente pelo seu exemplo. Todos eles eram estudantes de primeira categoria e que se sobressaiam dos demais pela aplicação ao estudo, pela seriedade no comportamento, principalmente numa cidade corrupta como Paris.
Este rápido esboço histórico visou mostrar como era o ambiente em que nasceu a primeira Conferência. Não eram dias calmos, propícios à reflexão, mas um ambiente perturbado, com agitações contínuas, tendo, como consequência o aumento da miséria da população e, principalmente, da injustiça social.
Assim nasceu a Sociedade de São Vicente de Paulo, uma pequena luz quase imperceptível em um nevoeiro tenebroso, mas amparada pela Providência Divina, que sempre protege as boas obras. Esta luz pequena foi ampliando sua luminosidade e hoje brilha, após 180 anos de existência, em mais de 140 países, numa verdadeira e maravilhosa "rede de caridade", como sonhara Frederico Ozanam. Brilha como uma estrela de primeira grandeza, e irradia o calor da caridade nos lares humildes, nas favelas, nos cortiços, nos asilos, abrigos, orfanatos, e tanto outros lugares em que o Senhor sofre. Nasceu simples e pequenina nossa caríssima SSVP, mas grande é seu ideal: a santificação da pessoa humana, através da prática da Caridade Evangélica.
Nos dias que se seguiram foram as Conferências se multiplicando. Em julho de 1844, ao deixar Bailly a presidência da Sociedade, já eram em número de 144.
Não estavam só em Paris, mas se localizam em diversas localidades da França, e duas, em, Roma (1842). E os sete confrades primitivos, haviam-se multiplicado. Eram 4.561, e cerca de 10.000 famílias eram aliviadas de seus sofrimentos.
Julio Gossin substituiu a Bailly e quando terminou seu curto período de presidência em 1848, este dedicado presidente teve a felicidade de ver o número das Conferências se elevarem a 369. Foi no mandato de Gossin que o Papa Gregório XVI, pelo breve apostólico de 10 de janeiro de 1845, concedia indulgências especiais aos membros da Sociedade. Era a consagração solene da Sociedade pela Igreja, e que vinha firmar a sua finalidade e a sua organização. Esse ato trouxe para a Sociedade inúmeros benefícios. Em três anos apenas estendeu-se a Sociedade pelos países: em 1844 na Inglaterra, em 1845 na Bélgica, na Escócia e na Irlanda; em 1846 na Alemanha, no Canadá, na Grécia na Turquia e na Holanda; em 1847 na Suíça, em 1850 na Áustria e na Polônia; em 1852 na Ilha de Malta, em 1855 em Luxemburgo, em 1857 na Dinamarca, em 1858 em Portugal, na Iugoslávia e em Gibraltar; e nos Estados Unidos da América.
Em 1852, a mensagem de Frederico Ozanam foi trazida para a América e se instalou no México. Ao conceder a Carta de Agregação, Frederico Ozanam encaminhou uma carta do próprio punho, endereçada a um confrade mexicano, manifestando sua grande alegria e afirmava que a fundação de uma Conferência no continente americano - terra da esperança - era a consolidação da sua obra. Nos países citados, a soma das Conferências agregadas foram 91.
Aumentavam dia a dia as Conferências Vicentinas, Foi nessa época que a Sociedade na França foi se organizando, criando os Conselhos Particulares, a fim de agrupar as Conferências isoladas. Vieram a seguir os Conselhos Centrais e, no estrangeiro, os Conselhos Superiores (hoje, Nacionais), que serviam de elo de união com o Conselho Geral de Paris.
e) A Sociedade de São Vicente de Paulo no Brasil
1. O ambiente no Brasil quando surgiu a SSVP
Embora a Constituição de 1824 declarasse a religião católica apostólica romana como a "religião oficial do Império", o ambiente no Brasil, há mais de cento e quarenta anos, quando surgiu no Rio de Janeiro a primeira Conferência Vicentina, era do mais vivo anticlericalismo. A Maçonaria dominava as mais altas posições, a começar do Ministério, presidido pelo Visconde do Rio Branco. Nas relações com a Igreja prevalecia o princípio do Padroado, fazendo do clero e até dos bispos, meros funcionários públicos. A inteligência da época, dominada pela célebre geração de 1868, combatia abertamente a Igreja. O "Syllabus", o Concílio Vaticano I, que proclamou a infalibilidade do Papa, e a III República na França agitavam os ânimos, enquanto se faziam sentir os efeitos do regalismo da época de Pombal, condenando os conventos a auto destruição pela proibição do noviciado.
2. As primeiras Conferências Vicentinas no Brasil
a) Rio de Janeiro
Em maio de 1872 eclodira a Questão Religiosa, com os primeiros incidentes entre o bispo de Olinda, dom frei Maria Vital Gonçalves de Oliveira, e a Maçonaria. Mas, a questão religiosa, apaixonando os ânimos (ela se agravaria a cada dia, com a prisão e julgamento de dom Vital e do bispo do Pará), teve o dom de despertar o laicato católico que nas associações e na imprensa começou a exercer um novo apostolado, até inédito no País. No dia 19 de julho de 1872, festa da trasladação das Relíquias de São Vicente de Paulo, após as cerimônias religiosas celebradas com simplicidade na Capela da Santa Casa de Misericórdia da cidade do Rio de Janeiro, alguns leigos se reuniram com alguns Padres Lazaristas (assim eram chamados os padres da Congregação da Missão) no Seminário de São José, num jantar simples e despretensioso.
Naquele jantar encontravam-se, entre outros, o médico Dr. Pedro Fortes Marcondes Jobim, o advogado Dr. Antônio Secioso Moreira de Sá e o Dr. Francisco Lemos Coutinho - Conde de Aljezur - um fidalgo a serviço de D. Leopoldina, a Imperatriz do Brasil.
Numa conversa informal, provavelmente motivado pela festa religiosa que se promovia naquele dia em honra ao patrono de todas as obras de caridade, São Vicente de Paulo, o Conde de Aljezur participou aos presentes que era o fundador da primeira Conferência Vicentina em Portugal. Surpresos, os Doutores Antônio e Pedro, por sua vez, participaram haver frequentado na Europa, uma Conferência Vicentina. Discutiram a maravilhosa obra que a Sociedade de São Vicente de Paulo exercia em vários países, estranharam não haver no Brasil nenhuma Conferência instalada. Um dos sacerdotes presentes, ouvindo aquela afirmação, diz numa inspiração divina: "Fundemos, então, a primeira Conferência Vicentina". E assim, no dia 4 de agosto de 1872, de maneira simples, como simples são as coisas de Deus, nascia no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, no Seminário Diocesano, sob a invocação de São José, a primeira Conferência Vicentina brasileira.
Além dos confrades citados, também, participou da Conferência o Sr. Felix Cusson. Durante a sessão, foi eleito presidente o Confrade Francisco Lemos Coutinho, que nomeou os Confrades Pedro Jobim para secretário e Antônio Secioso, para tesoureiro. A Conferência de São José foi agregada em 18 de novembro de 1872, sendo, portanto, esta a data em que se considera a implantação oficial da Sociedade de São Vicente de Paulo no Brasil.
b) São Paulo
Antiga e tradicional, a Igreja de São Cristóvão, localizada atualmente na Av. Tiradentes, foi fundada, juntamente com o Seminário Episcopal, em setembro de 1853, por Dom Antônio Joaquim de Mello, Bispo de São Paulo, e foram inaugurados, a Igreja e o Seminário a 9 de novembro de 1856, sendo o maior conjunto arquitetônico da época. São Paulo era, ainda, a mesma cidade imperial do ano da Independência, com cerca de 35.000 habitantes.
Pois foi, justamente, na capela do Seminário Episcopal, dedicada a São Francisco de Sales, que no dia 24 de maio de 1874, realizou-se a primeira reunião vicentina para a fundação da primeira Conferência da Província de São Paulo, sob a proteção de São José e com início as 18 horas e 30 minutos. A primeira ata lavrada naquele dia, assim registrou o fato:
A 2a. reunião da Conferência realizou-se no dia 4 de junho de 1874, a qual fez a sua primeira distribuição de esmolas: 2$326 (Dois mil trezentos e vinte e seis réis). Elegeu-se a diretoria que ficou assim constituída: para presidente o Sr. Indalécio Randulpho de Aguiar; para vice-presidente o Sr. Porfirio de Aguiar; para secretário o Sr. Emanuel de Alvarenga e para tesoureiro o Sr. Bernardo Torres. Foram escolhidos como presidentes honorários os Srs. Bispos Diocesanos, os Srs. Bispos de Pernambuco e do Pará, os dois mártires da perseguição e o Sr. Alberto Saladino de Aguiar, do qual a Providência se serviu para a fundação da Sociedade entre nós.
No período de 1874 a 1894 (vinte anos), as reuniões sofreram 19 mudanças de locais. As primeiras 18 Festas Regulamentares foram feitas pela Conferência de São José. As demais, foram efetuadas pelo Conselho Particular a partir de 10 de julho de 1881, data de sua fundação.
"É com o coração repleto de uma santa alegria que eu venho anunciar a instalação de uma Conferência de S. Vicente de Paulo, em S. Paulo, capital da província com o mesmo nome (Brasil).
Há muito tempo, já conhecendo o objetivo, o desenvolvimento, os trabalhos e os bons resultados da Sociedade de S. Vicente seja na França, seja em todas as partes do Universo, nós desejaríamos vê-la estabelecida em meio a nós. Em fim, a Providência propiciou-nos esse momento tão desejado. O senhor está bem a par da questão religiosa no Brasil da qual todos os jornais se ocuparam, sem que me seja necessário falar a respeito. Mas, ao menos eu vos farei notar que, como antigamente, o sangue dos Mártires era uma semente de Cristãos, a perseguição que sofrem aqui nossos zelosos e intrépidos Bispos é uma semente de boas obras, e começa a despertar nossa fé excessivamente debilitada. Deus abençoe aquele que sabe sempre extrair o bem do mal. Eis então como nossa Conferência começou: Um jovem oficial da marinha, membro da Conferência de São José, no Rio de Janeiro, dir-vos-ei (sic) com um Santo orgulho, meu próprio filho, tendo obtido a permissão de vir passar alguns dias no seio de sua família, foi encarregado pelo Sr. Presidente da Conferência da Capital do império de levar os regulamentos da Sociedade a São Paulo e de trabalhar para lá formar uma conferência. Esse zeloso e piedoso jovem tão logo chegou, ocupou-se disso, com atividade e, com o socorro de Deus, o concurso de nosso digno Bispo e de alguns padres, ele pôde, antes de retornar, ver se realizar o objetivo de sua missão. Era, então, 4 de maio, mês consagrado a Maria, o dia de Pentecostes no qual, reunidos em uma pequena capela do Grande Seminário, dedicada a S. Francisco de Sales, inspirados pelo Espírito de amor, protegidos pela Virgem Imaculada, por S. Vicente de Paulo e por S. Francisco de Sales, os Apóstolos da caridade de nossos tempos modernos, os primeiros membros fizeram a instalação de nossa Conferência, e lhe deram o nome de Conferência de S. José para colocá-la sob a proteção especial do Patrono da Igreja Universal. Iniciada sob tão bons auspícios, eles esperam que ela produza bons frutos, sobretudo para os jovens estudantes da Academia, dos quais vários, tendo recebido bons princípios e uma educação religiosa, mas vivendo muito isolados, não podem colocá-los em prática. Ela já conta com membros efetivos e com membros honorários que escolheram para presidente vosso indigno servidor o qual tem o prazer de escrever-vos, Bel. Indalecio Randulpho de Aguiar, para Vice-presidente meu filho, o Sr. Bel. Porphyrio de Aguiar, para Secretário o Sr. Emanuel de Alvarenga e para Tesoureiro, o Sr. Bernardo Torres. Eles também escolheram para presidentes honorários, os Srs. Bispos Diocesanos, os Srs. Bispos de Pernambuco e do Pará, os dois mártires da perseguição e o Sr. Alberto Saladino de Aguiar, do qual a Providência se serviu para a fundação da Sociedade entre nós.
Logo formada, nós resolvemos, Sr. Presidente, de vos comunicar assim como nosso Superior Geral, rogando-vos de afiliar-nos à Sociedade Central a fim de participar de todas as boas obras. Nós cuidaremos de seguir o melhor possível os Estatutos da Sociedade e de aí preenchermos todos os deveres. Nós recebermos sempre, com o maior prazer, as ordens que nos virão do Conselho Central, empenhando-nos em executá-las.
Nós desejaremos uma assinatura dos anais da Sociedade que nós pagaremos por intermédio do Sr. Presidente do Conselho Central do Rio de Janeiro.
Antecipadamente nós vos agradecemos por tudo que o Senhor desejar nos dizer para ajudar-nos e encorajar-nos. Finalmente, nós esperamos mostrar-vos em tudo e por todos os lugares, pela nossa conduta exemplar e nosso espírito de caridade dignos filhos de S. Vicente e dignos irmãos de tantos corações generosos que, nas cinco partes do mundo devotam-se com tanto zelo e desinteressadamente ao bem de seus irmãos em Jesus Cristo e ao alívio de todas as misérias da pobre humanidade.
Termino recomendando todos os membros de nossa pequena conferência e eu em particular a vossa boas preces e aquelas de todos os membros de Paris para que o bom Deus abençoe nossos fracos esforços.
Tenho a honra de ser, Senhor Presidente,
como toda a estima consideração vossa,
inteiramente dedicado.
O Servo em Jesus Cristo.
30 de junho de 1874
Conselho Geral
Baudon
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Obs.: As cópias dos originais em francês da carta de Indalécio R. Aguiar para Adolfo Baudon e a resposta de A. Baudon para o Indalécio, estão publicadas na revista Voz de Ozanam nº 5, vol. 19 de set-out.1983. Também está publicada na referida revista a carta de 1º de junho de 1874 de Pedro Jobim enviada a Antônio Saladino Aguiar.
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