Alguns
Traços do Caráter de Ozanam
Numa referência, embora rápida, a alguns traços do caráter de Frederico Ozanam, confessamos que não se sabe o
que mais admirar nesse vulto extraordinário da primeira metade do século 19: se a refulgência de
um formoso espírito ou se a bondade de um grande coração.
Como homem
de fé ardente, robustecida ao clarão de uma inteligência de escol, foi o apóstolo da verdade; mas como homem conhecedor dos
reclamos da sociedade e das misérias humanas, foi o apóstolo da caridade. Verdade e caridade, duas palavras sublimes que devem nortear sempre a inteligência e o coração de todo confrade vicentino.
Contemporâneo e grande amigo de um sábio, cujo gênio cintilou nas ciências
físicas e matemáticas, o ilustre André Maria Ampère, a quem o nosso homenageado de hoje chamava o seu segundo pai, teve a sua personalidade descrita pelo mesmo Ampère nos seguintes termos: "O que Ozanam colocou acima de todas as coisas neste mundo, o que lhe fez empreender os mais profundos
estudos, escrever com admirável erudição e falar com arrebatadora eloquência; o que em suma assinalou de maneira indelével todos os seus atos, foi a sua grande fé nas verdades da religião católica, a soberana dominadora de toda a sua vida".
A ortodoxia, a crença inabalável nas verdades da religião de Cristo Redentor, era para Ozanam uma coisa sagrada, como se verifica a todo momento em sua correspondência e em seus discursos proferidos na célebre Faculdade de Sorbonne ou nas orações dirigidas aos irmãos das Conferências Vicentinas. "Eu me apego, disse ele, à ortodoxia cristã mais que a própria
vida, amando e servindo de todo o meu coração a Igreja Católica, Apostólica, Romana".
Fato extraordinário, que bem demonstra a nobreza daquele grande
espírito, é que a esta estrita intransigência doutrinária tivesse Ozanam aliado uma larga tolerância apostólica, o que também forma um dos traços acentuados de seu caráter. É que Ozanam, tendo arraigada no coração
a caridade, sabia ser caritativo e complacente com aqueles que dele divergiam.
Em seu apostolado da verdade, ele atacava o erro e não a pessoa. Os sarcasmos
de Luis Veuillot, escreveu o Dr. Paulo Sawaia, esfumaram-se na senda do tempo, mas
a caridade de Ozanam perdura até hoje e vencerá os séculos. Magnífico exemplo
dava o jovem professor que sabia dominar-se para, pela tolerância, forma
discreta da caridade, conquistar os adversários.
A pena adamantina de Lacordaire
não foi a única a descrever essa modalidade do coração de Ozanam, mas é ainda o
já mencionado sábio Ampère que assim se refere: “A tolerância em Ozanam nada
tinha de comum com a fraqueza, mas brotava de uma liberalidade de vistas que
fazia despertar simpatias". Convenhamos com Ampère, reconhecendo que a
tolerância de Ozanam não procedia somente de sua bondade natural, mas era
principalmente consequência da graça do Evangelho que lhe iluminava o espírito.
Era, realmente, a suave irradiação do esplendor de sua fé e o reflexo da
complacência cristã de um coração extremamente afetuoso.
Na preocupação de fazer o maior
bem ao próximo, não recusava ele o auxilio de pessoas de outros credos, que,
reconhecendo-lhe a generosidade, iam à sua procura para confiar-lhe a aplicação
de uma esmola. Assim, nunca deixou de combater a religião de Lutero, mas se um protestante
lhe entregava um donativo em benefício dos pobres, não deixava de dar perfeito
desempenho a essa prova de confiança.
A esse respeito, conta o abade Perreyve
que certa vez um jovem pastor protestante, havendo coletado uma quantia em
dinheiro entre os seus companheiros, teve a lembrança de confiá-la a Ozanam
para fazer a sua distribuição entre os pobres. Ozanam aceitou sem relutância o
encargo, levando a importância à Conferência Vicentina, relatando a sua
procedência. Então, um dos confrades fez em poucas palavras o elogio da
tolerância no exercício da caridade, sendo o donativo distribuído não somente
entre os pobres católicos mas também aos necessitados de outros credos
religiosos.
Outro caráter que tanto eleva
aquele coração - verdadeiro escrínio das mais nobres virtudes -, era a
indulgência, o pendor natural em relevar ou atenuar as faltas dos outros, em
contraste com a severidade que ele tinha para consigo mesmo. Em suas relações
comuns com os confrades e colegas, com seus conhecidos e com os pobres de
qualquer condição, demonstrava invariavelmente Ozanam aquela cordialidade tão
bem definida e recomendada por São Francisco de Sales, nestas palavras muito
expressivas: “A cordialidade é um contentamento que nos domina o coração quando
encontremos uma pessoa de nossa estima; é um arrebatamento que experimentamos,
como reflexo da felicidade que sentimos quando na presença de um nosso irmão a
quem procuramos suavizar o sofrimento, dirigindo-lhe palavras confortadoras de
fé e de esperança".
Foi Ozanam modelar discípulo de
São Vicente de Paulo que nunca sentia maior contentamento do que quando tinha a
oportunidade de servir aos pobres. Contava ainda este santo, que é o Padroeiro de
todas as Associações de Caridade que, certo dia, perguntando a uma irmã de
caridade, quase em estado de agonia, se alguma coisa lhe pesava na consciência
nessa hora suprema entre a vida e a morre, teve a seguinte resposta: “Acuso-me
de ter sentido demasiado prazer em servir aos pobres".
Eis, meus caros confrades, em rápido esboço, alguns
traços do caráter
de Frederico Ozanam, principal fundador da Sociedade
de São Vicente de Paulo, e que há precisamente um século, no dia festivo da
Natividade de Nossa Senhora, do ano de 1853, contando apenas 40 anos, 4 meses e
15 dias de idade, deixou esta vida terrena em que foi destemido defensor da Verdade
e grande apóstolo da Caridade, e que logo, se Deus quiser, será glorificado
pela Igreja.
Cfd. Carlos Francisco de Paula
Carlos Francisco de Paula - Nasceu em Campinas em 20.
10.1884 e na mesma cidade faleceu em 15.01.1963. Engenheiro civil em 1905 pela
Escola Politécnica de São Paulo, foi catedrático de matemática em diversos
colégios de Campinas, no Ginásio Estadual Culto à Ciência e na Faculdade de
Filosofia da Universidade Católica. Vereador por muitos anos à Câmara Municipal
de Campinas, foi vice-prefeito da cidade e diretor de associações beneficentes,
principalmente a SSVP. Deixou publicados vários trabalhos sobre história de instituições citadinas. Era filho do Dr. José Tomás
de Paula e de Clementina de Paula.
(Extraído do volume 10 da Antologia da Academia
Campinense de Letras).
(*) Oração
proferida numa Conferência
Vicentina Campinense.
"O verdadeiro sábio é aquele que fica impassível a tudo
o que os homens dizem dele, nem dá ouvidos aos pérfidos discursos dos
lisonjeiros. Deste modo se prossegue com segurança o caminho começado."
(in Imitação de Cristo, livro 3º, capítulo 17).
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