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O desenvolvimento do apostolado
intelectual de Ozanam caracterizou-se:
a)
pelo
estudo intenso e perseverante;
b)
pela
incomparável tenacidade;
c) pelo
desejo de atuar sempre junto da Igreja com caridade e justiça.
a)
Estudo
perseverante:
Ozanam não desanimava ante as
maiores dificuldades. No Colégio Real de Lyon venceu brilhantemente todas as
árduas tarefas que lhe proporcionaram invejável cultura humanística.
Na Universidade dedicou-se de modo
ímpar, tanto ao estudo do Direito, como da História e da Literatura. Em ambas
as cátedras, procurou cumprir sua promessa dos tempos de colégio: defesa do
cristianismo.
Vale a pena abordar a vida de Ozanam
sob o ponto de vista do apostolado intelectual, que nos conduz a recordar a sua
formação nos cursos secundários e universitários.
Seria demais repetir aqui os fatos
marcantes de sua vida intelectual, já bastante conhecidos, mas só
consideraremos, apenas em resumo, à luz de sua personalidade e de caráter,
tendo em vista também o exemplo de São Vicente de Paulo e as condições do mundo
moderno, que dizer, dos dias em que vivemos.
No Colégio Real em Lião, Ozanam
conviveu com muitos jovens que, como ele, receberam as lições dos mesmos mestres, estando todos sujeitos à mesma
disciplina, sendo harmônica a convivência entre eles. No entretanto, dos
numerosos alunos desse Colégio Real surgiu apenas um Ozanam que se sobressaiu
entre todos os demais. Sem dúvida, este fato digno de reparo, se deve, em
primeiro lugar, ao ambiente familiar de onde proveio. Acalentado por uma família
exemplarmente católica formada harmoniosamente por MARIA NANTAS e pelo Dr.
JOÃO ANTÔNIO OZANAM, da qual saíram um sacerdote, um professor e um médico,
respectivamente, ALFONSO, FREDERICO e CARLOS, poder-se-ia imaginar como se desenvolvia
a personalidade de OZANAM naquele ambiente sadio e piedoso. Ele mesmo a isso se
refere, ao escrever a REVERDY¹°): “... Tão intensamente temos vivido a vida de
família, e tão seguros nos achávamos sob as asas de nossa mãe, que nunca nos
afastávamos do lar sem que nos acompanhasse o pensamento da volta. Quando se
tornava preciso dele nos afastar, mais vivamente o apreciávamos, e a ausência
nos estimulava a amá-lo ainda mais. As doenças e as enfermidades que nos
poderiam ter preparado para tal separação, apenas a tornaram mais cruel”. E
referindo-se à morte de sua mãe, acrescenta na mesma carta: “Doces exortações,
exemplos poderosos, fervor que me aquecia o coração tíbio, encorajamentos
inculcaram-se a fé, e ela era para mim como imagem viva da Santa Igreja, também
nossa mãe, afigurando-me a mais perfeita expressão da Providência. E agora me
sinto como os discípulos após a ascensão do Salvador; como se a Divindade se
houvesse afastado de mim. Parece-me, por momentos, devo dizê-lo?, que a fé me
abandona, fugindo com aquela que foi para mim a sua interprete, e que
fiquei isolado no meu nada”.
Para testemunhar esse excepcional
apego à família, lembraremos que OZANAM sempre teve uma saúde delicada que
inspirava cuidados. Talvez isso decorresse da grave moléstia que o manteve no
leito aos seis anos de idade. Recordemos rapidamente esta passagem.
Foi acometido de uma febre tifóide
das mais graves, da qual quase morreu. Seu pai, em tais circunstâncias recorreu
a seus colegas. Os doutores LEVRAT e
MARTIN, após exame minucioso declararam que nada mais havia a fazer e que se
devia esperar sua morte. A pobre criança delirava, tinha os olhos apagados e a
morte aparecia nos lábios. A boa mãe e sua amiga íntima, MARIA ACCARIAS, recorreram
à intercessão de São Francisco de Regis. Toda a família se uniu às suas
orações. Procuraram uma relíquia do santo: colocaram-na no pescoço do pobre
moribundo. Iniciou-se uma novena.
Enquanto se implorava a assistência
do Céu com todo o fervor, FREDERICO continuava a pronunciar palavras
incoerentes, entremeadas de reminiscências sobre noções de cosmografia que
havia aprendido. De repente, em meio ao delírio pediu cerveja. A coisa pareceu
tanto mais estranha, pois ele sempre manifestara profunda repugnância por esta
bebida. Seu pai que lhe prodigalizava todos os cuidados, foi o primeiro a
reconhecer o esforço da natureza e lhe deu a bebida. A criança bebeu sem
dificuldade e desde então a moléstia cedeu completamente. A convalescença foi muito longa, mas enfim o jovem doente
recuperou-se, teve uma saúde perfeita e não sentiu qualquer indisposição grave até a idade de 35 anos.
Bem se pode compreender que o ideal
de OZANAM foi acalentado desde sua infância nos joelhos de sua querida mãe e
plasmado pela fé que ela lhe inculcara desde a meninice.
Que lição extraordinária para todos
nós, chefes de família! Não está aqui um magnífico exemplo para os dias de
hoje? A mãe de nossos filhos tem nesse
belo trecho da carta de OZANAM, uma lição excepcional! Mas, ai de nós,
que vivemos nos dias atribulados das distorções do rádio, da televisão, das
guerras, da violência! Terão as mães de hoje o mesmo fervor, ou pelo menos um
mínimo de tempo para dedicar-se aos seus filhos, como fez MARIA NANTAS? Por
maior que seja a distância que nos separa dos tempos de OZANAM é que nós,
vicentinos de todas as horas, devemos ter sempre, continuamente presente, esse
exemplo tão apropriado para os dias que vivemos, de modo a podermos plasmar as
características de nossa família como fizeram os OZANAMS.
O lar em que OZANAM viveu deverá
servir de modelo para todos nós. E especialmente para nossas consócias que
deverão ter presente, ao visitarem seus socorridos, a lição inesquecível de
MARIA NANTAS. É preciso que aprendam que, na sua visita semanal ao casebre do
necessitado, terão de levar muito do calor que tiverem produzido no seu próprio
lar. Somente assim, o pobre começará a participar de nossa própria família!
A atmosfera tão aconchegante do lar
do Dr. JOÃO-ANTONIO OZANAM, por assim dizer, continuou no não menos harmonioso
ambiente do Colégio Real de Lyon.
b)
Tenacidade
OZANAM sabia querer. Com firmeza
assumia atitudes que revelavam sua tenacidade excepcional. Os estudos básicos
do Liceu e a defesa da Igreja foram alguns dos muitos pontos altos de sua brilhante
e curta carreira. Somente sua têmpera do incansável batalhador poderia dar-lhe
com sua fé inabalável, os recursos, principalmente intelectuais, para vencer as
inúmeras barreiras que encontrou em seu caminho.
No Colégio, OZANAM pode fazer
crescer seu ideal. Cultivou seu intelecto. Desdobrou-se nos estudos,
entusiasmou-se pela filosofia. Esse mesmo ardor o levou a vencer a crise que o
acometera, da qual emergiu rapidamente. Conta-nos CELIER² que um recente biógrafo
(GIRARD) (5), pôs em dúvida esta crise religiosa, da qual OZANAM triunfou tão
rapidamente. E acrescenta o antigo vice-presidente do Conselho Geral: - “Quem
somos nós, para julgar o interior das almas?”.
Justifica-se, nesta altura, um
paralelo entre SÃO VICENTE DE PAULO e OZANAM. Esse paralelismo é tanto mais
admirável quando se considera o dinamismo que caracterizou estas duas vidas.
Sabe-se que SÃO VICENTE DE PAULO
teve duas tentações. A primeira refere-se ao fascínio pelas obras. A partir de
1643, diz o Pe. DODIN³, “os deslocamentos e a atividade no Conselho de
Regência, transformaram infalivelmente VICENTE, em gerente dos negócios nacionais.
Ele tornou-se uma função”.
Mais precisamente comparável com a
crise de OZANAM, é a tentação contra a fé de que SÃO VICENTE foi vítima. Em 1611
encontrou-se com um teólogo devorado por dúvidas e escrúpulos. O capelão dos
GONDIS conheceu um verdadeiro drama interior e então tomou a resolução:
“generosamente ofereceu-se a Deus para tomar sobre si a tentação do doutor. O
homem se viu liberto, mas seu diretor ficou oprimido. E então, salvou-se a si
mesmo devotando toda sua vida aos serviços dos pobres”. VICENTE venceu estas
crises graças à sua fé inquebrantável na Divina Providência. Uma expressão
familiar (DODIN³) traduz o ritmo de sua progressão: “É preciso dar-se a Deus
para servir aos pobres... para ir em Missão, para dirigir os Seminários, os ordenandos...”.
OZANAM teve também sua crise, mas em
plena adolescência. Venceu-a com o inestimável auxílio e a orientação do Pe. NOIROT
e também pela sua confiança ilimitada na Providência Divina. Referindo-se a
esta crise, são suas palavras: “Em meio a um século de ceticismo, Deus me deu a
graça de nascer na fé; colocou-me nos joelhos de um pai cristão e de uma santa
mãe; deu-me como primeira instrutora uma irmã inteligente, piedosa como os
anjos aos quais foi unir-se. Mais tarde chegou-me o tumulto do mundo que não
cria. Conheci todo o horror destas dúvidas que corroem o coração durante o dia,
e que me encontram à noite sobre um travesseiro banhado em lágrimas”.
“A incerteza de um destino eterno
não me deixava em repouso.
Aderia, com desespero, aos dogmas sagrados e os sentia
fragmentarem-se em minha mão. Foi então o ensino de um sacerdote filósofo que
me salvou. Pôs ordem e luz em meus pensamentos; daí por diante adquiri uma fé
segura, e, tocado por raro benefício, prometi a Deus votar meus dias ao serviço
da verdade, que me proporcionava a paz”. (OZANAM) (9).
Aqui uma reflexão para nossos
tempos. Eles mudaram, sem dúvida. É hoje difícil encontrar um Colégio como o
Colégio Real de Lyon. Mas sempre nos será possível manter contato com os
professores e auxiliarmos nossos filhos. E mesmo se eles não encontrarem um Pe.
NOIROT para esclarece-los, ajudemo-los pelo menos a não desanimar e sejamos
seus colaboradores, principalmente nas horas de dúvida. A queda vertical da
educação católica de nossos dias está a reclamar de cada um de nós um esforço
maior para, pelo menos de longe, tentarmos fazer de nossos filhos outros
OZANAMS.
Poderá argumentar-se que nos tempos
de OZANAM tudo era mais fácil, a família mais unida, menor a dispersão.
Realmente, não poucos fatores naquela época concorriam para facilitar a tarefa
da criação dos filhos. Mas lembremo-nos quão difíceis eram as comunicações, não
havia ainda o telefone, nem o radio para radiocomunicações, nem a máquina de
escrever, nem o cinema e a televisão, muito menos os sistemas dos computadores.
Tudo isto, e muito mais, veio de certo modo facilitar a tarefa dos educadores,
que, então, puderam dispor de mais tempo para outros misteres. Talvez facilitar
demais!
Muitos fatores concorreram para que
OZANAM desenvolvesse seu apostolado intelectual. Já aos 16 anos, no Colégio
Real de Lyon, publicou o opúsculo contra o São Simonismo, trabalho fruto de
suas meditações filosóficas, sob a sábia direção de NOIROT, e que serviu de
ponto de partida para esse admirável apostolado, que se prolongou por toda a
sua vida. OZANAM foi principalmente um grande intelectual!
Esse apostolado primava pela doçura.
OZANAM jamais foi um violento. Possuía o que LAMARTINE dizia dele: “a caridade
do espírito”. No discurso de 1843 sobre os deveres dos cristãos, informa
OZANAM: “Acusam-me algumas vezes de tratar com muita indulgência e doçura os
que não têm fé. Quando se passou pelo suplício da dúvida, cometer-se-ia um
crime maltratar os desgraçados aos quais Deus ainda não tenha concedido a graça
de crer”. E já em 1834, portanto, muito pouco tempo depois da fundação da SSVP,
escrevia no “Univers”: “Felizes os que receberam profundas sementes de virtudes,
grandes exemplos de sabedoria; felizes os que sempre amaram a religião de sua
infância: porque se os laços com que ela prendia sua inteligência vierem a relaxar,
ao menos lhes resta ficarem unidos pelo coração: a dúvida pesa-lhes e deles
procura libertar-se; o combate é doloroso e penoso, custa lágrimas secretas,
muitas angústias, mas , enfim termina pela vitória; um exame respeitoso
esclarece pouco a pouco o espírito e logo o inunda de luzes: se algumas vezes a
condição racional lhes faltou, a fidelidade moral permanecia, o Dom de Deus
estava neles e a fé não os tinha abandonado. Ela tinha sido somente ocultada,
como para ser procurada, como para se fazer amada por mais tempo”.
O
convívio no Colégio, com o Pe. NOIROT, despertou-lhe o dinamismo que
caracteriza seu temperamento.
E
como diz GOYAU(6): “As primeiras lições de sua família e depois a influência do
Pe. NOIROT, tinham antecipadamente premunido FREDERICO OZANAM contra o perigo
de uma letargia; seus primeiros anos de juventude foram, ao contrário, anos de
alarma, anos de ação”.
Desde
os bancos do Colégio Real, OZANAM cuidou de cultivar o apostolado intelectual.
A familiaridade com autores célebres, indicando pelo Pe.NOIROT, deu-lhe base
sólida. Não se tratava apenas de aumentar e ilustrar sua cultura. Não era
unicamente uma leitura apressada, mas ao contrário, era um estudo sério. NOIROT
havia fundado “L´Abeille”, a pequena revista que iria dar guarida em suas
páginas aos magníficos trabalhos de OZANAM. Assim, o jovem autor amadurecia seu
pensamento, todo voltado desde 1828 para a atividade intelectual e nesta época,
OZANAM tinha apenas 15 anos!
Ao
mesmo tempo que se operava seu aprimoramento cultural, alimentava sua vocação
literária. E assim se compreende que no alvorecer de seu bacharelado, ao sair
do colégio, OZANAM aninhava o desejo de demonstrar a verdade do Cristianismo,
“pelo exame histórico das crenças da humanidade desde os tempos mais antigos”.
(CELIER²).
Os
diversos passos na formação desse ideal intelectual, levam-nos a meditar sobre
uma vida apostólica realmente bem formada, sólida, esclarecida. Sem essa
formação OZANAM, por certo não poderia ter enfrentado como enfrentou os participantes
das Conferências de História.
c) Atuação junto da Igreja com caridade e justiça
Toda
a vida de OZANAM foi voltada à Igreja, ao cristianismo, na série incontável de
atos que marcaram as principais etapas de sua vida. E tudo isto sempre
envolvido pelo halo da caridade, da perfeita caridade evangélica.
Foi
a formação católica, sem dúvida, que o conduziu às culminâncias do magistério e
o tornou amado pelos seus numerosos discípulos e condiscípulos. Mas tudo isto,
em toda sua formação, OZANAM sempre teve em mente a meta principal: o estudo da
religião para a demonstração das verdades cristãs.
Foi
realmente essa sólida formação que o transformou no SÃO PEDRO do pequeno
cenáculo, no dizer de BAUDRILLART.
É
de todos conhecidas as peripécias de OZANAM para alcançar as cátedras
universitárias. Obediente a seu pai, estudou o Direito na Sorbona e foi
ensiná-lo na Academia de Lyon. Essa passagem pela Faculdade de Direito
rendeu-lhe uma consolidação de seus conhecimentos que ao mesmo tempo se
alargaram num campo que lhe era inédito. Mas outro fato talvez de maior
importância que se deve assinalar na vida de OZANAM, nessa época, vem a ser o
encontro com seus primeiros companheiros, com os quais iria fundar a SSVP.
Desígnios
insondáveis da Providência! Quem sabe, se não fora o curso de Direito, OZANAM
não acharia seus diletos colegas, e, assim, o advento da SSVP seria retardado?
Pois ali mesmo, aos pés da Igreja de “Saint-Etienne-Du-Mont” que ele conheceu
seus dois primeiros amigos, LALLIER e DE GOY, seus dois primeiros lugares
tenentes no exercito da caridade, depois que ele se ligou a BAILLY.
Por
outro lado, o temperamento de OZANAM favorecia-o nas lutas intelectuais e o
resultado delas, principalmente de seus estudos, impelia-o para a Universidade.
Alicerçado
pela sólida cultura adquirida no Colégio de Lyon, e graças à sua invulgar
capacidade de apreensão, pode OZANAM desde muito cedo mostrar sua competência.
Iniciava-se,
assim, sua luminosa trajetória intelectual, que culminaria na Universidade.
Lembra-nos LEPETIT(9): “Não se deve esquecer, com a idade de 20 anos somente,
criou a primeira Conferência. Tinha apenas 22 anos quando conseguiu fazer subir
ao púlpito de Notre Dame o Rev.Pe. LACORDAIRE; contava apenas 28 anos quando
deu o primeiro curso na Sorbona e com 35 anos, acompanhou o Arcebispo de Paris,
Dom AFFRE, nas barricadas de 1848”.
Não
foi fácil o acesso à Universidade. Chamado a substituir FAURIEL teve como
condição apresentar-se a um concurso duríssimo, com sérios concorrentes sobre
literatura estrangeira e com um prazo reduzidíssimo para preparação.
Conhecidas
de todos as peripécias desse concurso e como OZANAM conseguiu o primeiro lugar.
Os maiorais da Sorbona exigiam dele a participação no concurso da literatura
estrangeira.
OZANAM
estudante, OZANAM professor
universitário, constituem exemplos dignos de reparo ainda nos dias de hoje.
Consciência reta no cumprimento do dever, não media sacrifícios. Seu trabalho
intelectual não era fácil. Estudava intensamente para preparar as lições e
também se desdobrava nas pesquisas, procurando, sempre ler os textos originais.
FUSTEL DE COULANGE(4), caracterizava esse período com a frase significativa:
“Um ano de análise por uma hora de síntese”. E seu amigo J.J. AMPERE¹ a ele se refere: “Preparações laboriosas,
pesquisas de opiniões nos textos, ciência acumulada com grandes esforços, e
mais improvisação brilhante e colorida, tal era o ensino de OZANAM. É raro
reunir no mesmo grau os dois méritos do professor, o fundo e a forma, o saber e
a eloqüência. Ele preparava suas lições como um beneditino e as pronunciava
como orador”.
Mas
não era somente com o exemplo que OZANAM pregava seu apostolado intelectual.
Foi ele também pioneiro ao romper as barreiras julgadas então inexpugnáveis, ao
levar para a Sorbona agnóstica o seu credo. Aqui um dos pontos mais elevados de
seu apostolado intelectual pouco conhecido.
Poder-se-à
imaginar o ambiente da grande Universidade na época de OZANAM. Ele ali apareceu
como um facho luminoso para dissipar as trevas.
Logo
aliciou seus companheiros e passou de imediato à defesa da Igreja. Cumpria
assim sua promessa feita nos tempos do Liceu Real de Lyon.
A
finalidade de FREDERICO OZANAM, vindo a Paris, não era somente prosseguir nos
seus estudos jurídicos e literários. No prefácio da “Civilização no V século”
ele mesmo havia dito: “Tocado por um benefício tão raro – a fé – prometi a Deus
devotar meus dias ao serviço da verdade". E sua correspondência revela-nos por
que meios ele entendia tornar frutífero este serviço. Seu sonho era agrupar
“jovens pensadores e sentir com eles...trabalhando em conjunto no edifício da
ciência, sob o estandarte do pensamento católico”.
FREDERICO
OZANAM conquistou muito depressa, neste meio, uma superioridade indiscutível,
não por que ele exercesse ao seu redor uma sedução física: de porte medíocre, e
sem elegância, de ar tímido e antes embaraçado, um tanto negligente, olhos
cinzentos, doces, antes tristes, em repouso, não atraia, logo de início, a
atenção. Não possuía nenhuma destas vantagens exteriores preciosas ao orador.
Mas quando sob uma impressão viva, ela tomava a palavra para a defesa das
idéias que lhe eram caras, então, ultrapassando o embaraço inicial, definido
por LACORDAIRE(8):
“este mal de eloquência que toma qualquer um que expõe sua
alma diante de um auditório, ele revelava todo o brilho de suas faculdades:
erudição notável, adquirida por um trabalho intenso, e servida por uma memória
prodigiosa; maturidade de espírito surpreendente em um homem tão jovem; imaginação
viva e no entretanto disciplinada; palavra elegante, colorida, persuasiva,
revelando a sensibilidade encantadora de uma alma empolgada por convicções
ardentes, realizando o ideal de uma eloquência tal como FÉNELON a concebeu: a
manifestação forte e persuasiva devido à sua superioridade intelectual e
reconhecida voluntariamente por seus camaradas, que seu caráter atraia todas as
simpatias por uma perfeita modéstia”.
Quando
alguns dentre eles se encontravam feridos em suas convicções religiosas pelos propósitos
agressivos dos professores da Sorbona LETRONNE e JOUFFROY, é a OZANAM que eles
encarregavam de formular seus protestos, e ele os fez com tal insistência que
JOUFFROY, especialmente, se viu obrigado a se desculpar e a prometer para o
futuro uma grande reserva, cobrindo sua retirada desta reflexão melancólica,
mas agressiva: “Senhores, há 5 anos, eu não recebia objeções senão ditadas pelo
materialismo... hoje os espíritos mudaram muito: a oposição é toda católica”.
Outro
aspecto que caracterizava a vida apostólica intelectual de OZANAM, vem a ser a
firmeza de suas convicções, decorrente de um estudo sério e profundo. Não se
limitava a discorrer sobre as literaturas estrangeiras, mas porfiou em conhecer
pessoalmente os lugares em que ocorreram os fatos descritos pelos autores que
deveria estudar. Exemplo extraordinário do verdadeiro cientista que ia procurar
provas concretas para fundamentar suas afirmações. Ao mesmo tempo que defendia
a ciência, defendia a Igreja que ele tanto amava.
Neste
labutar intenso procurava ele ganhar as almas. Com idéias próprias e quase
sempre originais OZANAM, no dizer do Reverendo Padre JANVIER (7) “as gravava na alma
de seus contemporâneos, por sua eloquência persuasiva e
sobrenatural. Sobe à cátedra pálido, desfeito, os traços alterados pela
moléstia que o esgota. No começo sua frase se arrasta, seu olhar se perturba,
sua ação é hesitante. Depois, pouco a pouco é arrancado pela palavra, de sua
timidez natural. Então sua cabeça se eleva, seus olhos lançam faíscas, sua voz
primeiramente sem vibração, sufocada, tornar-se sonora, ampla, viva e seu gesto
domina ao mesmo tempo suave e imperioso. O pensamento desembaraçado se
desdobra, abre-se à meditação de perspectivas luminosas e largas, exprime-se em
uma língua quente, abundante, onde não se pode deixar de admirar a
magnificência das imagens, o fogo do entusiasmo, o esplendor da poesia. Os
textos se despojam de sua casca e liberam seu segredo, as velhas crônicas se
rejuvenescem, os episódios tocantes animam os assuntos áridos, as lendas
graciosas temperam as autoridades dos silogismos, os acontecimentos se
encadeiam, as figuras revivem, os séculos apagados se erguem. Então, como sobre
uma cerca imensa, os grandes personagens da história, papas, bispos, monges,
reis, imperadores, povos, poetas, filósofos, heróis, santos, reaparecem para
trazer ao presente as lições do passado e para render homenagem à Providência
soberana que plana acima de todas as coisas humanas e dirige
misericordiosamente seu curso". “Logo, o orador esquece-se de si mesmo,
arrebatado por sua emoção, eleva-se aos cimos onde a verdade se serve do homem
como de um instrumento dócil para vibrar com mais liberdade, para fazer ressoar
seus oráculos com mais potência”.
“Mas
a alma cega pelas paixões, endurecida pelo hábito, resiste vitoriosamente à
luz, à razão, à eloquência. Para vence-la é preciso dispor de uma força
infinita e meter em seu verbo qualquer coisa de divino. A palavra de OZANAM é
sobrenatural, é o grito de um ser estranho aos espetáculos do mundo, às festas
profanas, devorado pelo desejo de glorificar seu Deus, de arrancar seus
semelhantes do erro e do mal. A oração prepara as lições do professor, a fé
penetra-as de seu resplendor e comunica à ciência acentos que a ciência não
conhecia, a caridade espalha sobre os lábios do apóstolo a unção evangélica,
esta unção que, por um perpétuo milagre, permite ao homem tratar seus irmãos
com ternura, descobrir suas chagas sem os exasperar, sublinhar as fraquezas sem
abater os fracos, proclamar a verdade sem desencorajar os que gravemente o
ofenderam. Não é mais uma criatura que pressiona seus semelhantes para mudar
suas idéias, seus costumes; é Deus que, por uma boca mortal, interpela e exorta
as almas, que, com a luz deslumbrante de seu espírito e com a força invencível
de seu amor, esclarece as inteligências mais tenebrosas e, subjuga as vontades
mais recalcitrantes, tanquam Deo exhortante per nos.” (Como se Deus estivesse apelando através de nós).
Poder-se-ia argumentar que o estilo eloquente de OZANAM está hoje ultrapassado. É possível, pois mesmo confrades altamente categorizados esposam essa opinião.
Já
foi dito (JANVIER) (7) "que às vezes as
conclusões de OZANAM ultrapassam as premissas, que aqui ou ali sua erudição é
defeituosa, sua exegese inexata, sua filosofia incompleta. Se dirá que sua
condescendência é excessiva, que ele acreditou demasiado nos adversários mais
hábeis que sinceros, que mostrou demasiada indulgência pelas quimeras e pelos
princípios incompatíveis com a verdade integral, que ele pendeu enfim para um
liberalismo enganador do qual a Igreja sempre desconfiou com razão”. Tudo isto
talvez contenha algo de verdade, mas não se pode negar que a apologia de
OZANAM seja plena de verdades claras,
idéias gerais, exposição profunda, ciência seria e imparcial, na qual os
apóstolos do século XIX e XX não cessarão de beber para defender a honra do
Cristianismo. Por esta apologia ver-se-ão os preconceitos confundidos, os
sofismas refutados, os erros humilhados, a fé desagravada de mil acusações que
lançam a ignorância e os preconceitos.
Pela
apologia que OZANAM fazia do Cristianismo, uma manhã, foi fixada na Faculdade
uma nota com esta inscrição: Curso de teologia. OZANAM limitou-se a
sorrir, mas ao descer da cátedra, lança esta réplica altiva ao autor desta
impertinência anônima: “Senhores, não tenho a honra de ser um teólogo, mas
tenho a felicidade de ser cristão, de crer, com a ambição de por toda minha
alma, todo meu coração e todas as minhas forças a serviço da verdade”.
Finalmente,
como se vê, o apostolado intelectual de OZANAM completa o da caridade. Ambos
formam uma unidade adorável. Ele sofria tanto com as dificuldades da vida de
seus próximos menos favorecidos, e talvez mais ainda por aquele que sem
necessitarem tanto, eram verdadeiros mendigos da fé. Esse apostolado
intelectual é tão grande quanto o da caridade, pois, nele OZANAM colocou todas
as forças do seu intelecto até a exaustão.
Aprendamos.
Portanto, como OZANAM, a nos dedicarmos ao estudo intenso e perseverante, a
termos a mesma tenacidade para podermos vencer as dificuldades inúmeras; e a
agir, em todas as ocasiões propícias, em defesa da Igreja. Em tudo isto
tenhamos sempre presentes o sentido elevado de OZANAM sobre a CARIDADE e a
JUSTIÇA.
Bibliografia:
1 – AMPÈRE,
J. J. – ap. CELIER, L.
1956²
2 –
CELIER, L. – 1956 – Frédéric Ozanam, XII+149 pp. P. Lethielleux, ed. Paris, p.13.
3 –
DODIN, A. – 1960 – St. Vincent de Paul, 188
pp. Ed. Senil, Paris
4 –
FOUSTEL DE COULANGE – ap. CELIER, L. 1956², p.VI.
5 –
GIRARD, H. – 1950 – Un catholique romantique – Frédéric Ozanam. Ap. CELIER loc.cit.
6 –
GOYAU, G. – 1913 – Ozanam collegian, Ozanam étudian, son apostolate intellectual. Em: GOYAU, G. et al – Ozanam livre du Centenaire.
4º milheiro, XV+481 pp. G. Reauchesne, Paris, p.9.
7 – JANVIER, Elogie fúnebre de Frédéric Ozanam
prononcé à Notre Dame de Paris. Em: Le Centenaire de Frédéric Ozanam, 1813-1913. 413 pp. Ed. SSVP. Paris, p. 79 –
109, pp.88, 90, 91.
8 – LEPETIT – 1953 – Ozanam et
Etienne-du-Mont. Em: Centenaire de la mort de Frédéric Ozanam. 172 pp. Ed. do Conselho Geral de Paris, pp.
20, 24.
9 – OZANAM, C.A. – 1889 – Vie de Frédéric
Ozanam. 64 pp. Libr. Poursielgue Fr., Paris, p. 63.
10 – OZANAM, A.F. – 1839 – A
Reverdy. Em: Lettres 1, p. 315
SUGESTÕES PARA DISCUSSÃO:
I
– APOSTOLADO INTELECTUAL
a.
O exemplo de Ozanam:
interesse
tenacidade
perseverança
b.
Atitude de Ozanam em relação:
- aos companheiros do Liceu
- aos universitários: condiscípulos
professores
c.
Ozanam e a Conferência de História
d.
Atividade política de Ozanam
e.
Objetivo principal do apostolado intelectual
OUTRAS SUGESTÕES.
* Palestra proferida durante as
comemorações do 1º. Centenário da Fundação do Conselho Superior do Brasil da
SSVP.
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