1º DOMNGO DO ADVENTO

Marcos 13,33 – 37

Ficai de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando será o tempo. Será como um homem que, partindo de uma viagem, deixa a sua casa e delega sua autoridade aos seus servos, indicando o trabalho de cada um, e manda ao porteiro que vigie. Vigiai, pois, visto que não sabeis quando o senhor da casa voltará, se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã, para que vindo de repente, não vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: vigiai!

Comentário

Já é hora de acordar! Eis o apelo de Jesus no Evangelho que inaugura este tempo do Advento. Uma nova aurora surge no horizonte da humanidade, trazendo a esperança de um novo tempo de um mundo renovado pela força do Evangelho. Neste tempo de graça, somos convocados a sair do torpor de uma prática religiosa inócua, a acordar do sono dos nossos projetos pessoais vazios e egoístas. Despertos e vigilantes, somos convidados a abraçar o projeto de Deus que vem ao nosso encontro, na espera fecunda do Tempo do Advento, temos a chance de reanimarmos em nós e os compromissos assumidos em favor da construção do Reino, reavivando as forças adormecidas, para a construção de uma humanidade nova, livre das trevas do sofrimento, da marginalização e da morte.

Frei Sandro Roberto da Costa, OFM - Petrópolis/RJ

2º DOMINGO DO ADVENTO

Marcos 1,1 – 8

Conforme está escrito no Profeta Isaias: Eis que envio meu anjo diante de ti: Ele preparará teu caminho. Uma voz clama no deserto: Traçai o caminho do Senhor, aplainai suas veredas (Mt 3,1); Is 40,3). João Batista apareceu no deserto e pregava um batismo de conversão para a remissão dos pecados. E saiam para ir ter com ele toda a Judéia, toda Jerusalém, confessando os seus pecados. João andava vestido de pelo de carneiro e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel Sivestre. Ele pôs-se a proclamar: “depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; ele, porém, vos batizará no Espírito Santo”.

Comentário

“Preparai o caminho do Senhor, aplainai as suas veredas”. Clamando pelo deserto, João Batista nos indica que procurar viver conforme a Boa-Nova que Jesus nos trouxe não se trata, simplesmente, de viver dentro de um sistema religioso com certas práticas que nos identificam com tais. Talvez ele queira nos indicar que a fé, antes de tudo é um percurso, uma caminhada, onde podemos encontrar momentos fáceis e difíceis, dúvidas e interrogações, avanços e retrocessos, entusiasmo e disposição, mas também cansaço e fadiga. No entanto, o mais importante é que nunca deixemos de caminhar, pois o caminho se faz caminhando. Boa caminhada de Advento e preparação!

Frei Diego Atalino de Melo

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

2. OZANAM, O APÓSTOLO INTELECTUAL




Ozanam
O Apóstolo Intelectual
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                O desenvolvimento do apostolado intelectual de Ozanam caracterizou-se:

a)          pelo estudo intenso e perseverante;
b)          pela incomparável tenacidade;
c)       pelo desejo de atuar sempre junto da Igreja com caridade e justiça.

               
a)          Estudo perseverante:

            Ozanam não desanimava ante as maiores dificuldades. No Colégio Real de Lyon venceu brilhantemente todas as árduas tarefas que lhe proporcionaram invejável cultura humanística.

            Na Universidade dedicou-se de modo ímpar, tanto ao estudo do Direito, como da História e da Literatura. Em ambas as cátedras, procurou cumprir sua promessa dos tempos de colégio: defesa do cristianismo.

            Vale a pena abordar a vida de Ozanam sob o ponto de vista do apostolado intelectual, que nos conduz a recordar a sua formação nos cursos secundários e universitários.

            Seria demais repetir aqui os fatos marcantes de sua vida intelectual, já bastante conhecidos, mas só consideraremos, apenas em resumo, à luz de sua personalidade e de caráter, tendo em vista também o exemplo de São Vicente de Paulo e as condições do mundo moderno, que dizer, dos dias em que vivemos. 

            No Colégio Real em Lião, Ozanam conviveu com muitos jovens que, como ele, receberam as lições dos mesmos  mestres, estando todos sujeitos à mesma disciplina, sendo harmônica a convivência entre eles. No entretanto, dos numerosos alunos desse Colégio Real surgiu apenas um Ozanam que se sobressaiu entre todos os demais. Sem dúvida, este fato digno de reparo, se deve, em primeiro lugar, ao ambiente familiar de onde proveio. Acalentado por uma família exemplarmente católica formada harmoniosamente por MARIA NANTAS e pelo Dr. JOÃO ANTÔNIO OZANAM, da qual saíram um sacerdote, um professor e um médico, respectivamente, ALFONSO, FREDERICO e CARLOS, poder-se-ia imaginar como se desenvolvia a personalidade de OZANAM naquele ambiente sadio e piedoso. Ele mesmo a isso se refere, ao escrever a REVERDY¹°): “... Tão intensamente temos vivido a vida de família, e tão seguros nos achávamos sob as asas de nossa mãe, que nunca nos afastávamos do lar sem que nos acompanhasse o pensamento da volta. Quando se tornava preciso dele nos afastar, mais vivamente o apreciávamos, e a ausência nos estimulava a amá-lo ainda mais. As doenças e as enfermidades que nos poderiam ter preparado para tal separação, apenas a tornaram mais cruel”. E referindo-se à morte de sua mãe, acrescenta na mesma carta: “Doces exortações, exemplos poderosos, fervor que me aquecia o coração tíbio, encorajamentos inculcaram-se a fé, e ela era para mim como imagem viva da Santa Igreja, também nossa mãe, afigurando-me a mais perfeita expressão da Providência. E agora me sinto como os discípulos após a ascensão do Salvador; como se a Divindade se houvesse afastado de mim. Parece-me, por momentos, devo dizê-lo?, que a fé me abandona, fugindo com aquela que foi para mim a sua interprete, e que fiquei  isolado no meu nada”.

            Para testemunhar esse excepcional apego à família, lembraremos que OZANAM sempre teve uma saúde delicada que inspirava cuidados. Talvez isso decorresse da grave moléstia que o manteve no leito aos seis anos de idade. Recordemos rapidamente esta passagem.

            Foi acometido de uma febre tifóide das mais graves, da qual quase morreu. Seu pai, em tais circunstâncias recorreu a seus colegas. Os doutores LEVRAT e MARTIN, após exame minucioso declararam que nada mais havia a fazer e que se devia esperar sua morte. A pobre criança delirava, tinha os olhos apagados e a morte aparecia nos lábios. A boa mãe e sua amiga íntima, MARIA ACCARIAS, recorreram à intercessão de São Francisco de Regis. Toda a família se uniu às suas orações. Procuraram uma relíquia do santo: colocaram-na no pescoço do pobre moribundo. Iniciou-se uma novena.

            Enquanto se implorava a assistência do Céu com todo o fervor, FREDERICO continuava a pronunciar palavras incoerentes, entremeadas de reminiscências sobre noções de cosmografia que havia aprendido. De repente, em meio ao delírio pediu cerveja. A coisa pareceu tanto mais estranha, pois ele sempre manifestara profunda repugnância por esta bebida. Seu pai que lhe prodigalizava todos os cuidados, foi o primeiro a reconhecer o esforço da natureza e lhe deu a bebida. A criança bebeu sem dificuldade e desde então a moléstia cedeu completamente. A convalescença  foi muito longa, mas enfim o jovem doente recuperou-se, teve uma saúde perfeita e não sentiu qualquer  indisposição grave até a idade de 35 anos.

            Bem se pode compreender que o ideal de OZANAM foi acalentado desde sua infância nos joelhos de sua querida mãe e plasmado pela fé que ela lhe inculcara desde a meninice.

            Que lição extraordinária para todos nós, chefes de família! Não está aqui um magnífico exemplo para os dias de hoje? A mãe de nossos filhos tem nesse  belo trecho da carta de OZANAM, uma lição excepcional! Mas, ai de nós, que vivemos nos dias atribulados das distorções do rádio, da televisão, das guerras, da violência! Terão as mães de hoje o mesmo fervor, ou pelo menos um mínimo de tempo para dedicar-se aos seus filhos, como fez MARIA NANTAS? Por maior que seja a distância que nos separa dos tempos de OZANAM é que nós, vicentinos de todas as horas, devemos ter sempre, continuamente presente, esse exemplo tão apropriado para os dias que vivemos, de modo a podermos plasmar as características de nossa família como fizeram os OZANAMS.

            O lar em que OZANAM viveu deverá servir de modelo para todos nós. E especialmente para nossas consócias que deverão ter presente, ao visitarem seus socorridos, a lição inesquecível de MARIA NANTAS. É preciso que aprendam que, na sua visita semanal ao casebre do necessitado, terão de levar muito do calor que tiverem produzido no seu próprio lar. Somente assim, o pobre começará a participar de nossa própria família!

            A atmosfera tão aconchegante do lar do Dr. JOÃO-ANTONIO OZANAM, por assim dizer, continuou no não menos harmonioso ambiente do Colégio Real de Lyon.

b)          Tenacidade

            OZANAM sabia querer. Com firmeza assumia atitudes que revelavam sua tenacidade excepcional. Os estudos básicos do Liceu e a defesa da Igreja foram alguns dos muitos pontos altos de sua brilhante e curta carreira. Somente sua têmpera do incansável batalhador poderia dar-lhe com sua fé inabalável, os recursos, principalmente intelectuais, para vencer as inúmeras barreiras que encontrou em seu caminho.

            No Colégio, OZANAM pode fazer crescer seu ideal. Cultivou seu intelecto. Desdobrou-se nos estudos, entusiasmou-se pela filosofia. Esse mesmo ardor o levou a vencer a crise que o acometera, da qual emergiu rapidamente. Conta-nos CELIER² que um recente biógrafo (GIRARD) (5), pôs em dúvida esta crise religiosa, da qual OZANAM triunfou tão rapidamente. E acrescenta o antigo vice-presidente do Conselho Geral: - “Quem somos nós, para julgar o interior das almas?”.

            Justifica-se, nesta altura, um paralelo entre SÃO VICENTE DE PAULO e OZANAM. Esse paralelismo é tanto mais admirável quando se considera o dinamismo que caracterizou estas duas vidas.

            Sabe-se que SÃO VICENTE DE PAULO teve duas tentações. A primeira refere-se ao fascínio pelas obras. A partir de 1643, diz o Pe. DODIN³, “os deslocamentos e a atividade no Conselho de Regência, transformaram infalivelmente VICENTE, em gerente dos negócios nacionais. Ele tornou-se uma função”.

            Mais precisamente comparável com a crise de OZANAM, é a tentação contra a fé de que SÃO VICENTE foi vítima. Em 1611 encontrou-se com um teólogo devorado por dúvidas e escrúpulos. O capelão dos GONDIS conheceu um verdadeiro drama interior e então tomou a resolução: “generosamente ofereceu-se a Deus para tomar sobre si a tentação do doutor. O homem se viu liberto, mas seu diretor ficou oprimido. E então, salvou-se a si mesmo devotando toda sua vida aos serviços dos pobres”. VICENTE venceu estas crises graças à sua fé inquebrantável na Divina Providência. Uma expressão familiar (DODIN³) traduz o ritmo de sua progressão: “É preciso dar-se a Deus para servir aos pobres... para ir em Missão, para dirigir os Seminários, os ordenandos...”.

            OZANAM teve também sua crise, mas em plena adolescência. Venceu-a com o inestimável auxílio e a orientação do Pe. NOIROT e também pela sua confiança ilimitada na Providência Divina. Referindo-se a esta crise, são suas palavras: “Em meio a um século de ceticismo, Deus me deu a graça de nascer na fé; colocou-me nos joelhos de um pai cristão e de uma santa mãe; deu-me como primeira instrutora uma irmã inteligente, piedosa como os anjos aos quais foi unir-se. Mais tarde chegou-me o tumulto do mundo que não cria. Conheci todo o horror destas dúvidas que corroem o coração durante o dia, e que me encontram à noite sobre um travesseiro banhado em lágrimas”.
           
           “A incerteza de um destino eterno não me deixava em repouso. Aderia, com desespero, aos dogmas sagrados e os sentia fragmentarem-se em minha mão. Foi então o ensino de um sacerdote filósofo que me salvou. Pôs ordem e luz em meus pensamentos; daí por diante adquiri uma fé segura, e, tocado por raro benefício, prometi a Deus votar meus dias ao serviço da verdade, que me proporcionava a paz”. (OZANAM) (9).

            Aqui uma reflexão para nossos tempos. Eles mudaram, sem dúvida. É hoje difícil encontrar um Colégio como o Colégio Real de Lyon. Mas sempre nos será possível manter contato com os professores e auxiliarmos nossos filhos. E mesmo se eles não encontrarem um Pe. NOIROT para esclarece-los, ajudemo-los pelo menos a não desanimar e sejamos seus colaboradores, principalmente nas horas de dúvida. A queda vertical da educação católica de nossos dias está a reclamar de cada um de nós um esforço maior para, pelo menos de longe, tentarmos fazer de nossos filhos outros OZANAMS.

            Poderá argumentar-se que nos tempos de OZANAM tudo era mais fácil, a família mais unida, menor a dispersão. Realmente, não poucos fatores naquela época concorriam para facilitar a tarefa da criação dos filhos. Mas lembremo-nos quão difíceis eram as comunicações, não havia ainda o telefone, nem o radio para radiocomunicações, nem a máquina de escrever, nem o cinema e a televisão, muito menos os sistemas dos computadores. Tudo isto, e muito mais, veio de certo modo facilitar a tarefa dos educadores, que, então, puderam dispor de mais tempo para outros misteres. Talvez facilitar demais!

            Muitos fatores concorreram para que OZANAM desenvolvesse seu apostolado intelectual. Já aos 16 anos, no Colégio Real de Lyon, publicou o opúsculo contra o São Simonismo, trabalho fruto de suas meditações filosóficas, sob a sábia direção de NOIROT, e que serviu de ponto de partida para esse admirável apostolado, que se prolongou por toda a sua vida. OZANAM foi principalmente um grande intelectual!

             Esse apostolado primava pela doçura. OZANAM jamais foi um violento. Possuía o que LAMARTINE dizia dele: “a caridade do espírito”. No discurso de 1843 sobre os deveres dos cristãos, informa OZANAM: “Acusam-me algumas vezes de tratar com muita indulgência e doçura os que não têm fé. Quando se passou pelo suplício da dúvida, cometer-se-ia um crime maltratar os desgraçados aos quais Deus ainda não tenha concedido a graça de crer”. E já em 1834, portanto, muito pouco tempo depois da fundação da SSVP, escrevia no “Univers”: “Felizes os que receberam profundas sementes de virtudes, grandes exemplos de sabedoria; felizes os que sempre amaram a religião de sua infância: porque se os laços com que ela prendia sua inteligência vierem a relaxar, ao menos lhes resta ficarem unidos pelo coração: a dúvida pesa-lhes e deles procura libertar-se; o combate é doloroso e penoso, custa lágrimas secretas, muitas angústias, mas , enfim termina pela vitória; um exame respeitoso esclarece pouco a pouco o espírito e logo o inunda de luzes: se algumas vezes a condição racional lhes faltou, a fidelidade moral permanecia, o Dom de Deus estava neles e a fé não os tinha abandonado. Ela tinha sido somente ocultada, como para ser procurada, como para se fazer amada por mais tempo”. 

            O convívio no Colégio, com o Pe. NOIROT, despertou-lhe o dinamismo que caracteriza seu temperamento.

            E como diz GOYAU(6): “As primeiras lições de sua família e depois a influência do Pe. NOIROT, tinham antecipadamente premunido FREDERICO OZANAM contra o perigo de uma letargia; seus primeiros anos de juventude foram, ao contrário, anos de alarma, anos de ação”.

              Desde os bancos do Colégio Real, OZANAM cuidou de cultivar o apostolado intelectual. A familiaridade com autores célebres, indicando pelo Pe.NOIROT, deu-lhe base sólida. Não se tratava apenas de aumentar e ilustrar sua cultura. Não era unicamente uma leitura apressada, mas ao contrário, era um estudo sério. NOIROT havia fundado “L´Abeille”, a pequena revista que iria dar guarida em suas páginas aos magníficos trabalhos de OZANAM. Assim, o jovem autor amadurecia seu pensamento, todo voltado desde 1828 para a atividade intelectual e nesta época, OZANAM tinha apenas 15 anos!

            Ao mesmo tempo que se operava seu aprimoramento cultural, alimentava sua vocação literária. E assim se compreende que no alvorecer de seu bacharelado, ao sair do colégio, OZANAM aninhava o desejo de demonstrar a verdade do Cristianismo, “pelo exame histórico das crenças da humanidade desde os tempos mais antigos”. (CELIER²).

            Os diversos passos na formação desse ideal intelectual, levam-nos a meditar sobre uma vida apostólica realmente bem formada, sólida, esclarecida. Sem essa formação OZANAM, por certo não poderia ter enfrentado como enfrentou os participantes das Conferências de História.
                 
c)     Atuação junto da Igreja com caridade e justiça
   
            Toda a vida de OZANAM foi voltada à Igreja, ao cristianismo, na série incontável de atos que marcaram as principais etapas de sua vida. E tudo isto sempre envolvido pelo halo da caridade, da perfeita caridade evangélica. 

       Foi a formação católica, sem dúvida, que o conduziu às culminâncias do magistério e o tornou amado pelos seus numerosos discípulos e condiscípulos. Mas tudo isto, em toda sua formação, OZANAM sempre teve em mente a meta principal: o estudo da religião para a demonstração das verdades cristãs.

             Foi realmente essa sólida formação que o transformou no SÃO PEDRO do pequeno cenáculo, no dizer de BAUDRILLART.

             É de todos conhecidas as peripécias de OZANAM para alcançar as cátedras universitárias. Obediente a seu pai, estudou o Direito na Sorbona e foi ensiná-lo na Academia de Lyon. Essa passagem pela Faculdade de Direito rendeu-lhe uma consolidação de seus conhecimentos que ao mesmo tempo se alargaram num campo que lhe era inédito. Mas outro fato talvez de maior importância que se deve assinalar na vida de OZANAM, nessa época, vem a ser o encontro com seus primeiros companheiros, com os quais iria fundar a SSVP.

                  Desígnios insondáveis da Providência! Quem sabe, se não fora o curso de Direito, OZANAM não acharia seus diletos colegas, e, assim, o advento da SSVP seria retardado? Pois ali mesmo, aos pés da Igreja de “Saint-Etienne-Du-Mont” que ele conheceu seus dois primeiros amigos, LALLIER e DE GOY, seus dois primeiros lugares tenentes no exercito da caridade, depois que ele se ligou a BAILLY.

                  Por outro lado, o temperamento de OZANAM favorecia-o nas lutas intelectuais e o resultado delas, principalmente de seus estudos, impelia-o para a Universidade.

                Alicerçado pela sólida cultura adquirida no Colégio de Lyon, e graças à sua invulgar capacidade de apreensão, pode OZANAM desde muito cedo mostrar sua competência.

                 Iniciava-se, assim, sua luminosa trajetória intelectual, que culminaria na Universidade. Lembra-nos LEPETIT(9): “Não se deve esquecer, com a idade de 20 anos somente, criou a primeira Conferência. Tinha apenas 22 anos quando conseguiu fazer subir ao púlpito de Notre Dame o Rev.Pe. LACORDAIRE; contava apenas 28 anos quando deu o primeiro curso na Sorbona e com 35 anos, acompanhou o Arcebispo de Paris, Dom AFFRE, nas barricadas de 1848”.

                 Não foi fácil o acesso à Universidade. Chamado a substituir FAURIEL teve como condição apresentar-se a um concurso duríssimo, com sérios concorrentes sobre literatura estrangeira e com um prazo reduzidíssimo para preparação.

                 Conhecidas de todos as peripécias desse concurso e como OZANAM conseguiu o primeiro lugar. Os maiorais da Sorbona exigiam dele a participação no concurso da literatura estrangeira.

         OZANAM estudante, OZANAM  professor universitário, constituem exemplos dignos de reparo ainda nos dias de hoje. Consciência reta no cumprimento do dever, não media sacrifícios. Seu trabalho intelectual não era fácil. Estudava intensamente para preparar as lições e também se desdobrava nas pesquisas, procurando, sempre ler os textos originais. FUSTEL DE COULANGE(4), caracterizava esse período com a frase significativa: “Um ano de análise por uma hora de síntese”. E seu amigo J.J. AMPERE¹  a ele se refere: “Preparações laboriosas, pesquisas de opiniões nos textos, ciência acumulada com grandes esforços, e mais improvisação brilhante e colorida, tal era o ensino de OZANAM. É raro reunir no mesmo grau os dois méritos do professor, o fundo e a forma, o saber e a eloqüência. Ele preparava suas lições como um beneditino e as pronunciava como orador”.

                 Mas não era somente com o exemplo que OZANAM pregava seu apostolado intelectual. Foi ele também pioneiro ao romper as barreiras julgadas então inexpugnáveis, ao levar para a Sorbona agnóstica o seu credo. Aqui um dos pontos mais elevados de seu apostolado intelectual pouco conhecido.

                Poder-se-à imaginar o ambiente da grande Universidade na época de OZANAM. Ele ali apareceu como um facho luminoso para dissipar as trevas.

             Logo aliciou seus companheiros e passou de imediato à defesa da Igreja. Cumpria assim sua promessa feita nos tempos do Liceu Real de Lyon.

                 A finalidade de FREDERICO OZANAM, vindo a Paris, não era somente prosseguir nos seus estudos jurídicos e literários. No prefácio da “Civilização no V século” ele mesmo havia dito: “Tocado por um benefício tão raro – a fé – prometi a Deus devotar meus dias ao serviço da verdade". E sua correspondência revela-nos por que meios ele entendia tornar frutífero este serviço. Seu sonho era agrupar “jovens pensadores e sentir com eles...trabalhando em conjunto no edifício da ciência, sob o estandarte do pensamento católico”.

                FREDERICO OZANAM conquistou muito depressa, neste meio, uma superioridade indiscutível, não por que ele exercesse ao seu redor uma sedução física: de porte medíocre, e sem elegância, de ar tímido e antes embaraçado, um tanto negligente, olhos cinzentos, doces, antes tristes, em repouso, não atraia, logo de início, a atenção. Não possuía nenhuma destas vantagens exteriores preciosas ao orador. Mas quando sob uma impressão viva, ela tomava a palavra para a defesa das idéias que lhe eram caras, então, ultrapassando o embaraço inicial, definido por LACORDAIRE(8): 

“este mal de eloquência que toma qualquer um que expõe sua alma diante de um auditório, ele revelava todo o brilho de suas faculdades: erudição notável, adquirida por um trabalho intenso, e servida por uma memória prodigiosa; maturidade de espírito surpreendente em um homem tão jovem; imaginação viva e no entretanto disciplinada; palavra elegante, colorida, persuasiva, revelando a sensibilidade encantadora de uma alma empolgada por convicções ardentes, realizando o ideal de uma eloquência tal como FÉNELON a concebeu: a manifestação forte e persuasiva devido à sua superioridade intelectual e reconhecida voluntariamente por seus camaradas, que seu caráter atraia todas as simpatias por uma perfeita modéstia”.

              Quando alguns dentre eles se encontravam feridos em suas convicções religiosas pelos propósitos agressivos dos professores da Sorbona LETRONNE e JOUFFROY, é a OZANAM que eles encarregavam de formular seus protestos, e ele os fez com tal insistência que JOUFFROY, especialmente, se viu obrigado a se desculpar e a prometer para o futuro uma grande reserva, cobrindo sua retirada desta reflexão melancólica, mas agressiva: “Senhores, há 5 anos, eu não recebia objeções senão ditadas pelo materialismo... hoje os espíritos mudaram muito: a oposição é toda católica”.

                Outro aspecto que caracterizava a vida apostólica intelectual de OZANAM, vem a ser a firmeza de suas convicções, decorrente de um estudo sério e profundo. Não se limitava a discorrer sobre as literaturas estrangeiras, mas porfiou em conhecer pessoalmente os lugares em que ocorreram os fatos descritos pelos autores que deveria estudar. Exemplo extraordinário do verdadeiro cientista que ia procurar provas concretas para fundamentar suas afirmações. Ao mesmo tempo que defendia a ciência, defendia a Igreja que ele tanto amava.

                  Neste labutar intenso procurava ele ganhar as almas. Com idéias próprias e quase sempre originais OZANAM, no dizer do Reverendo Padre JANVIER (7) “as gravava na alma de seus contemporâneos, por sua eloquência persuasiva e sobrenatural. Sobe à cátedra pálido, desfeito, os traços alterados pela moléstia que o esgota. No começo sua frase se arrasta, seu olhar se perturba, sua ação é hesitante. Depois, pouco a pouco é arrancado pela palavra, de sua timidez natural. Então sua cabeça se eleva, seus olhos lançam faíscas, sua voz primeiramente sem vibração, sufocada, tornar-se sonora, ampla, viva e seu gesto domina ao mesmo tempo suave e imperioso. O pensamento desembaraçado se desdobra, abre-se à meditação de perspectivas luminosas e largas, exprime-se em uma língua quente, abundante, onde não se pode deixar de admirar a magnificência das imagens, o fogo do entusiasmo, o esplendor da poesia. Os textos se despojam de sua casca e liberam seu segredo, as velhas crônicas se rejuvenescem, os episódios tocantes animam os assuntos áridos, as lendas graciosas temperam as autoridades dos silogismos, os acontecimentos se encadeiam, as figuras revivem, os séculos apagados se erguem. Então, como sobre uma cerca imensa, os grandes personagens da história, papas, bispos, monges, reis, imperadores, povos, poetas, filósofos, heróis, santos, reaparecem para trazer ao presente as lições do passado e para render homenagem à Providência soberana que plana acima de todas as coisas humanas e dirige misericordiosamente seu curso". “Logo, o orador esquece-se de si mesmo, arrebatado por sua emoção, eleva-se aos cimos onde a verdade se serve do homem como de um instrumento dócil para vibrar com mais liberdade, para fazer ressoar seus oráculos com mais potência”.

              “Mas a alma cega pelas paixões, endurecida pelo hábito, resiste vitoriosamente à luz, à razão, à eloquência. Para vence-la é preciso dispor de uma força infinita e meter em seu verbo qualquer coisa de divino. A palavra de OZANAM é sobrenatural, é o grito de um ser estranho aos espetáculos do mundo, às festas profanas, devorado pelo desejo de glorificar seu Deus, de arrancar seus semelhantes do erro e do mal. A oração prepara as lições do professor, a fé penetra-as de seu resplendor e comunica à ciência acentos que a ciência não conhecia, a caridade espalha sobre os lábios do apóstolo a unção evangélica, esta unção que, por um perpétuo milagre, permite ao homem tratar seus irmãos com ternura, descobrir suas chagas sem os exasperar, sublinhar as fraquezas sem abater os fracos, proclamar a verdade sem desencorajar os que gravemente o ofenderam. Não é mais uma criatura que pressiona seus semelhantes para mudar suas idéias, seus costumes; é Deus que, por uma boca mortal, interpela e exorta as almas, que, com a luz deslumbrante de seu espírito e com a força invencível de seu amor, esclarece as inteligências mais tenebrosas e, subjuga as vontades mais recalcitrantes, tanquam Deo exhortante per nos.” (Como se Deus estivesse apelando através de nós).  

            Poder-se-ia argumentar que o estilo eloquente de OZANAM está hoje ultrapassado. É possível, pois mesmo confrades altamente categorizados esposam essa opinião.

             Já foi dito (JANVIER) (7)  "que às vezes as conclusões de OZANAM ultrapassam as premissas, que aqui ou ali sua erudição é defeituosa, sua exegese inexata, sua filosofia incompleta. Se dirá que sua condescendência é excessiva, que ele acreditou demasiado nos adversários mais hábeis que sinceros, que mostrou demasiada indulgência pelas quimeras e pelos princípios incompatíveis com a verdade integral, que ele pendeu enfim para um liberalismo enganador do qual a Igreja sempre desconfiou com razão”. Tudo isto talvez contenha algo de verdade, mas não se pode negar que a apologia de OZANAM  seja plena de verdades claras, idéias gerais, exposição profunda, ciência seria e imparcial, na qual os apóstolos do século XIX e XX não cessarão de beber para defender a honra do Cristianismo. Por esta apologia ver-se-ão os preconceitos confundidos, os sofismas refutados, os erros humilhados, a fé desagravada de mil acusações que lançam a ignorância e os preconceitos.

                  Pela apologia que OZANAM fazia do Cristianismo, uma manhã, foi fixada na Faculdade uma nota com esta inscrição: Curso de teologia. OZANAM limitou-se a sorrir, mas ao descer da cátedra, lança esta réplica altiva ao autor desta impertinência anônima: “Senhores, não tenho a honra de ser um teólogo, mas tenho a felicidade de ser cristão, de crer, com a ambição de por toda minha alma, todo meu coração e todas as minhas forças a serviço da verdade”.

                  Finalmente, como se vê, o apostolado intelectual de OZANAM completa o da caridade. Ambos formam uma unidade adorável. Ele sofria tanto com as dificuldades da vida de seus próximos menos favorecidos, e talvez mais ainda por aquele que sem necessitarem tanto, eram verdadeiros mendigos da fé. Esse apostolado intelectual é tão grande quanto o da caridade, pois, nele OZANAM colocou todas as forças do seu intelecto até a exaustão.

                  Aprendamos. Portanto, como OZANAM, a nos dedicarmos ao estudo intenso e perseverante, a termos a mesma tenacidade para podermos vencer as dificuldades inúmeras; e a agir, em todas as ocasiões propícias, em defesa da Igreja. Em tudo isto tenhamos sempre presentes o sentido elevado de OZANAM sobre a CARIDADE e a JUSTIÇA.

 Bibliografia:

 1 – AMPÈRE,  J. J. – ap. CELIER, L. 1956²
 2 – CELIER, L. – 1956 – Frédéric Ozanam, XII+149 pp. P. Lethielleux, ed. Paris, p.13.
 3 – DODIN, A. – 1960 – St. Vincent de Paul, 188 pp. Ed. Senil, Paris
 4 – FOUSTEL DE COULANGE – ap. CELIER, L. 1956², p.VI.
 5 – GIRARD, H. – 1950 – Un catholique romantique – Frédéric Ozanam. Ap. CELIER           loc.cit.
 6 – GOYAU, G. – 1913 – Ozanam collegian, Ozanam étudian, son apostolate                       intellectual. Em: GOYAU, G.        et al – Ozanam livre du Centenaire. 4º milheiro,           XV+481 pp. G. Reauchesne, Paris, p.9.
 7 – JANVIER, Elogie fúnebre de Frédéric Ozanam prononcé à Notre Dame de Paris.             Em: Le Centenaire de       Frédéric Ozanam, 1813-1913. 413 pp. Ed. SSVP. Paris,           p. 79 – 109, pp.88, 90, 91.
 8 – LEPETIT – 1953 – Ozanam et Etienne-du-Mont. Em: Centenaire de la mort de               Frédéric Ozanam. 172       pp. Ed. do Conselho Geral de Paris, pp. 20, 24.
 9 – OZANAM, C.A. – 1889 – Vie de Frédéric Ozanam. 64 pp. Libr. Poursielgue Fr.,               Paris, p. 63.
10 – OZANAM, A.F. – 1839 – A Reverdy. Em: Lettres 1, p. 315


SUGESTÕES PARA DISCUSSÃO:
                 
I – APOSTOLADO INTELECTUAL

a.       O exemplo de Ozanam:  interesse
                                               tenacidade   
                                                                       perseverança
                                                                              
b.      Atitude de Ozanam em relação:
        - aos companheiros do Liceu
        - aos universitários: condiscípulos
                                          professores

c.       Ozanam e a Conferência de História

d.      Atividade política de Ozanam

e.       Objetivo principal do apostolado intelectual

      OUTRAS SUGESTÕES.


* Palestra proferida durante as comemorações do 1º. Centenário da Fundação do Conselho Superior do Brasil da SSVP.

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