No aniversário da morte de Antônio Frederico Ozanam
O
grande mestre da oratória Sacra, Padre Lacordaire, ao concluir seu panegírico
sobre Ozanam, proferiu as seguintes palavras:
"Meu
caro senhor Ozanam! nenhum de nós deixará o vácuo que nos deixou, nenhum de nós
tirará do coração dos homens o que tirastes do nosso. Vós nos precedestes na
morte porque nos havíeis precedido na virtude: os pobres rogaram por vós e nos
arrebataram vossa alma.
Aceitai
estas páginas onde eu quis delinear alguma sombra do que éreis para nós. Eu as
escrevi para vós, para vós que tostes durante vinte anos, senão o mais forte,
pelo menos o mais puro objeto de nossos cuidados, e cujas fraquezas, se alguma
existiu em vós escondida porque éreis homem, não fizeram mais que tornar mais
querida a vossa inquebrantável constância nas coisas que amastes e defendestes.
Fostes o mestre de muitos, o consolador de todos. Escolhido por Deus, após
muitos anos de humilhação, para invocar a glória nos campos da verdade,
cumpristes fielmente até o vosso último dia essa missão de honra e de paz. O
pobre vos viu à sua cabeceira, a tribuna literária de pé ante uma geração, e a
imprensa, esse outro instrumento do bem e do mal, teve na vossa pessoa um honesto
e religioso artífice. Não deixastes mágoa em ninguém, a não ser essa mágoa que
sara com a morte porque foi a caridade que a provocou. Tendo ficado atrás de
vós, não temos mais a alegria de vos ver e de vos ouvir; mas resta-nos ainda a
de vos louvar e, quaisquer que sejam os destinos que nos esperam no limiar
extremo de nossa carreira, a alegria maior ainda de vos imitar de longe, se
Deus o permitir."
Não
foram menos eloquentes as conclusões de outros estudiosos da vida e obra de
Ozanam.
O
padre François Méjecaze, por exemplo, assim termina o seu estudo intitulado
"A alma de um santo leigo:
“Omne
quodcumque facitis in verbo aut in opere, omnia in nomine Domini Jesu Christi
gratias agentes Deo..."
("Faça o que fizer por palavras ou por
obras, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus ...").
Tal
é a linha de conduta que São Paulo fixa aos fiéis de Colosso, que ele deseja ver
progredir no caminho da salvação: tudo fazer por Deus.
Ozanam
bem entendeu a senha do Apóstolo das Nações e esforçou-se por observá-la
fielmente em todos os dias da sua vida; suas ações ultrapassam, com efeito, o
mundo da matéria e do pensamento para inscrever-se em pleno sobrenatural.
Ele
se humilha diante de Deus pelas suas deficiências e fraquezas, e em troca O
agradece pelos dons naturais que lhe dispensou.
Ele
ama seus pais, seus irmãos, seus amigos, sua esposa, sua filha, em Deus e por
Deus.
Seu
pensamento está sempre orientado para a glorificação e a defesa da Igreja
católica, visando a assegurar o reino de Deus neste mundo.
A
natureza e as artes não são para ele senão o reflexo da imagem divina.
A
exemplo dos santos ele cumpre a vontade de Deus pondo em prática todas as
virtudes cristãs.
Sua
ação política e social não tem outro objetivo que o de fazer conhecer, amar e
servir a Deus pelo maior número de almas.
No
trabalho e nos lazeres, diante de seus familiares e alunos, na prosperidade e
na adversidade, nos sorrisos e nas lágrimas, frente à vida e frente à morte, a
alma de Ozanam canta sem cessar à Deus um cântico de fé, de esperança e de
amor.
Carranza,
no seu livro "Ozanam e seus contemporâneos" assim se manifesta:
“Um
dos historiadores da vida de Ozanam disse que se sua obra literária e
apologética se assemelha a uma dessas esplêndidas catedrais góticas cujo
coroamento ficou incompleto, sua obra caritativa pode ser comparada a uma
árvore que traz em si germes permanentes de vida, e que por isso as
Conferências Vicentinas não cessaram de aumentar, como não deixa de crescer a
árvore ainda que haja falecido quem a plantou”.
"Por
nossa vez”, acrescenta Carranza, se a obra de Ozanam dá abundantes frutos desde
há um século, seu plano social, esquecido durante muitos anos, volta hoje a ser
conhecido em muitas nações, e é adotado e posto em prática ali onde triunfa e
se impõe a doutrina da democracia cristã. E parece-nos que de novo faz-se ouvir
na terra a voz de Ozanam, que vem do além para dizer-nos com sua eloquência de
então:
“O fim de toda a sociedade
não é estabelecer o poder do maior número, mas a liberdade de todos. Lutai, pois,
em prol de uma democracia que vós liberte das tiranias da direita e da
esquerda. O chauvinismo conduz à guerra. A força só obtém soluções
transitórias. O absolutismo estatal acaba semeando ódios e revoluções. A luta
de classes divide a humanidade em dois campos antagônicos que se aniquilam
mutuamente. Tão somente a Caridade, a Justiça e a Liberdade - agindo em
consonância - podem cimentar o progresso do gênero humano. Se sois cristãos de
verdade, deveis interpor-vos entre a burguesia e o proletariado - como se
interpôs Monsenhor Affre - e até deveis dar vossa vida - como ele deu a sua -
para que pobres e ricos, operários e patrões, governantes e governados possam
voltar a olhar-se como irmãos, pois morrendo e não matando é que se consegue a
paz social. E com toda a segurança conseguireis essa paz social de modo estável
se selardes uma aliança, forte e sincera, entre um cristianismo integral e uma
autêntica democracia que estabeleça na terra, como lei fundamental das nações,
os princípios universais e eternos do Evangelho de Cristo Nosso Senhor".
Tal
é a mensagem de Ozanam que, conforme escreveu o Santo Padre Leão XIII
"ainda que morto, ainda nos fala através dos seus escritos, produzindo os mesmos
bons frutos que produzia em vida com seus discursos e seu exemplo."
O
bispo Monsenhor D'Andrea referindo-se a Ozanam disse: "Ozanam continua
vivo ... vive no coração de todo cristão que conhece e admira sua obra
caritativa... vive na doutrina social da Igreja que tomou de seus escritos
muitos de seus ensinamentos... vive no espírito de milhares de vicentinos que
trabalham nos cinco continentes para aliviar a miséria dos necessitados ... e
vive em todo homem que procura recristianizar nossa sociedade paganizada!"
Por
isso, continua Carranza, o Cardeal Manning pedia a Deus que fizesse nascer em
todas as nações homens semelhantes a Ozanam e SS. São Pio X manifestava que, no
século XX "todos aqueles que trabalham para dar à sociedade civil uma
orientação cristã, devem ter Ozanam como chefe, mestre e guia."
Destaca
ainda o padre Méjecaze alguns aspectos da mensagem social de Ozanam, muito
oportunos para o momento crítico porque passa a humanidade, por que passa a
nossa Pátria: Ozanam, dá menos importância à forma de governo que ao
desejo de ser evitado que, por preguiça, os católicos procurem uma que os
liberte de seus deveres encarregando-a de uma missão que Deus não lhe deu.
"Nós não temos
suficiente fé, dizia Ozanam, desejamos sempre o restabelecimento da religião
pelas vias políticas, sonhamos, sempre com um Constantino que de um golpe e um
só esforço reconduza os povos ao redil". É uma tentação má de desânimo
fazer assim apelo ao proselitismo legal. Não, e não, as conversões, pelas
consciências, que é preciso procurar uma por uma". Os acontecimentos
externos, as crises políticas, as crises industriais, as crises domésticas têm
certamente influência sobre a moralidade. É possível temperar o que há de
imprevisto na condição humana pela previdência das instituições. A sociedade é
suscetível de aperfeiçoamento e de progresso. Mas é o homem que faz o seu
destino, que é senhor, sob muitos aspectos, da sua felicidade e de sua desgraça
no tempo: "Nós declaramos que nada se terá feito que não se tenha
procurado, não no exterior, mas no interior, as causas da felicidade do homem e
os princípios inimigos de sua paz, enquanto não se tenha levado a luz e a
reforma nessas desordens interiores que o tempo não repara".
Essa
é a diretriz de Ozanam aos cristãos que não querem desesperar de uma situação
crítica e procuram assegurar o lugar da Igreja no triunfo da democracia.
Atividade
caritativa, progresso social, paz entre as classes, era a preocupação
permanente de Ozanam: Utopia, dirão alguns. Sim, utopia em uma sociedade que
não é cristã. Mas um programa possível de desenvolver e realizar, em uma
sociedade, como a nossa, que tem dentro de si, apesar das aparências
contrárias, um fermento de cristianismo. Não serão as barricadas, como pensava
Ozanam, que em uma nação em que os batizados são maioria, o sinal exterior das
relações entre classes, mas a Cruz, penhor de reconciliação e de paz.
Na
sua pregação sobre o apostolado da caridade traçou Ozanam o verdadeiro sentido
do papel a ser representado pelas Conferências Vicentinas:
"Nós não desejamos
crer na ingratidão dos povos: nós cremos somente na importância das palavras para
salvação dos povos se elas não estão alicerçadas nas instituições. Acreditamos
em duas espécies de assistências, uma que humilha os assistidos, outra que os
honra. Não é o governo somente, são os homens votados pela religião ou por
humanidade ao serviço dos pobres nos tempos difíceis que devem escolher entre
essas duas maneiras de socorrer os homens”.
"Sim, a assistência
humilha, quando ela toma o homem por baixo, pelas necessidades terrenas tão
somente, quando ela não olha senão para os sofrimentos do corpo, ao grito de
fome e de frio, ao que causa piedade, ao que cuidamos até nos animais. A
assistência humilha, se ela nada tem de reciprocidade, se não levardes a vossos
irmãos a não ser um pedaço de pão, uma roupa, um punhado de palha que nunca tereis
talvez a pedir-lhe, se o colocais na condição dolorosa para um coração bem
formado de receber sem dar; se, alimentando os que sofrem, vos mostrardes
somente preocupados em abafar as queixas que entristecem a estada em uma grande
cidade, ou de conjurar os perigos que lhe ameaçam a tranquilidade."
"Mas a assistência
honra quando ela toma o homem pelo alto, quando ela se ocupa, primeiro de sua
alma, de sua educação religiosa, moral, política, de tudo, o que o afaste de
suas paixões e de uma parte de suas necessidades, de tudo o que O torna livre,
de tudo o que possa torná-lo grande. A assistência honra quando ela junta ao
pão que alimenta, a visita que consola, o conselho que esclarece, o aperto de
mão que levanta a coragem abatida; quando ela trata o pobre com respeito, não
somente como a um igual, mas como um superior, porque ele sofre o que nós
talvez não sofrêssemos, porque ele está entre nós como um enviado de Deus para
experimentar nossa justiça e nossa caridade, e salvar-nos por nossas
obras".
"Quando a assistência
torna-se honrosa porque pode tornar-se mútua, porque todo o homem que deve uma
palavra, um conselho, uma consolação hoje, pode precisar de uma palavra, de um
conselho, de uma consolação amanhã, porque a, mão que apertais aperta por sua vez
a vossa, porque essa, família indigente que amastes vos amará, e que ela estará
mais que desobrigada quando aquele ancião, essa piedosa mãe de família, aquelas
crianças, houverem rezado por vós".
"Eis porque a Igreja
deu à assistência tal como ela o desejou, esse doce nome de caridade, que não é
preciso repelir como tantas vezes se fez, que significará mais que esse nome
popular de fraternidade: porque todos os homens não se amam e caridade
significa amor!"
"Eis um exemplo. Em
muitos arrabaldes de Paris, a distribuição de socorros aos operários faz-se por
portadores assalariados, quase como essas pessoas opulentas que distribuem suas
esmolas pelas mãos de seus lacaios. Como poderiam as famílias assistidas
comover-se diante de um benefício que tem sua justificativa mas também a aridez
de uma medida policial? Já se viu gente reconhecida e comovida até as lágrimas
diante da regularidade com que começam a funcionar os chafarizes pela manhã, ou
em cada noite se iluminam as ruas? O governo salvou da miséria doze mil
cidadãos cedendo-lhes terras na Algéria. Providenciou ele com um louvável
cuidado à solenidade da partida, ao conforto do transporte, às necessidades
materiais da primeira instalação. Mas o que fez ele para as necessidades do
espírito? No dia marcado para a partida, geralmente um domingo, porque uma
missa celebrada no próprio local de embarque não distribuiria as consolações da
fé a essas famílias itinerantes cujos corações perturbados pedem uma proteção
mais poderosa que a dos homens? Onde estão os assistentes que acompanharão a
nossa colônia nessas terras perigosas, sob esse céu de fogo: cujos ardores são
talvez menos abrasadores que as paixões? onde estão os asilos, as escolas, onde
o ensino que formará não só as crianças mas os adultos numa condição nova, nas
lições de higiene que salvará suas vidas, na agricultura em que irão
dedicar-se?"
"Ides abrir novos
postos de aquecimento. É uma medida benéfica. Mas pensastes no emprego dessas
longas noites? Abandonareis esse repouso à propaganda do vício e do motim?, ou
aproveitareis essa oportunidade privilegiada de reunir homens para
re-encaminhá-los a seus lares mais esclarecidos e melhores?” (Melanges 291).
"A
caridade, é o pensamento dominante de Ozanam, deve ser empregada antes de tudo
para instruir e moralizar, a formar homens que possam dispensar a assistência
material. Ela estende até os setores dos deserdados o campo dos conhecimentos
úteis. Esse o papel, insistentemente defendido por Ozanam, do apostolado
intelectual da caridade. E por isso, pode ele ser considerado como o iniciador,
pelo menos em ideia, do que depois passou a ser feito: círculos de estudos, bibliotecas,
conferências, universidades populares. Despertar a inteligência é um bem;
fortificar a necessidade não é menos necessário. O papel da verdadeira caridade
é, não tornar-se indispensável, mas preparar o pobre a dispensar o socorro,
como a prevenir a miséria por uma ação oportuna sobre os que ainda não
mendigam, mas que a indigência espreita. Ozanam quer que se cuide com solidariedade
do operário que vive normalmente do seu salário, mas que uma infelicidade pode
privá-lo momentaneamente do seu ganha-pão" (L. Cent. 369)
É
a uma espécie de cruzada caritativa que Ozanam convidava sacerdotes, ricos,
representantes do povo: a uma cruzada que não visasse somente ao alivio das
misérias individuais, mas ao progresso como uma consequência lógica, necessária
do cristianismo, "que contem, dizia ele, todas as verdades dos reformadores
modernos e nenhuma de suas ilusões, único capaz de realizar a fraternidade sem
imolar a liberdade." (L. Cent. 369).
Um
dos mais belos sonhos de Ozanam era o da fundação de Universidades Católicas.
Sobre
o túmulo de Ozanam desabrochou uma dessas Universidades. Foi ele sepultado,
conforme seu desejo, em um desses santuários no distrito de Paris que foi campo
de seus estudos e de seu apostolado. Seus amigos escolheram a cripta da
histórica igreja dos carmelitas. Essa igreja tornou-se em 1877, a do Instituto
Católico.
Cumpria-se
uma afirmativa de Ozanam, comentou Claude Peyroux: "Parece, havia ele
escrito, que nas idades de fé bastava enterrar um santo para ali fazer germinar
todas as virtudes". O nosso século, embora incrédulo, viu realizar-se esse
mesmo milagre. As obras que Ozanam tanto havia amado se desenvolvem em redor do
seu túmulo e uma juventude ardente vem se inclinar com veneração diante do
modesto monumento. E pede a Deus que faça reviver nela os exemplos nobres do
seu heroico modelo e se compraz em repetir com Lacordaire : "Senhor, fazei
com que sejamos Ozanam."
Sobre
o mármore do túmulo onde repousam os despojos de Ozanam, foram gravadas as
seguintes palavras: "Quid quaeritis víventem inter mortuos?" Porque
procurais entre os mortos aquele que vive? É a palavra dos anjos às piedosas mulheres
junto ao sepulcro do Cristo.
Deve-se
esperar, comenta o padre Labelle, que esse versículo do Evangelho, em dia que
não é possível precisar, será verdadeiro para Frederico Ozanam e que seu nome,
de novo, viverá entre os vivos? Inscrito no rol dos Santos ... Ozanam foi um
santo... As palavras afloram espontâneas no espírito e nos lábios. É necessário
declarar que dizemos isso somente no sentido e na medida autorizada pelos
decretos de Urbano VIII? Pode, entretanto, ser desde já recitada uma oração que
assim termina:
Oh
Deus, se é da Vossa vontade que o Vosso piedoso servo, Frederico Ozanam, seja
glorificado pela Igreja, nós vos suplicamos que manifesteis por meio de favores
celestes o seu valimento junto ele Vós. Por Jesus Cristo Senhor Nosso. Assim
seja.
Cfd.
José Amadei
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