FREDERICO OZANAM E A
MISSÃO ACADÊMICA ENTRE OS INTELECTUAIS (*)
É extraordinário o fato como Frederico
Ozanam, em sua curta existência, conseguiu constituir e nos legar uma vasta
obra. Como mestre foi apologista, historiador e sociólogo. Teve como intuito e
fim primeiro, dedicar toda a sua atividade intelectual à causa da religião, a
causa de Jesus e de sua Igreja, glorificando o Senhor a todo instante. Sua
palavra é sempre um alimento indispensável:
“(...) Ser mártir, é sacrificar a sua vida: ou de um só golpe como o
holocausto, ou lentamente, como os perfumes que dia e noite se vão exalando
sobre o altar. Ser mártir, dar ao céu tudo o que dele se recebeu, os bens, o
sangue, toda a nossa alma. Esta oferta a temos nas mãos; este
sacrifício nos o podemos fazer. Só temos que escolher os altares onde devemos
realiza-lo. A que divindade irá ser oferecida a nossa
juventude e os anos que se lhe seguirem, a que templo nos dirigiremos: aos pés
do ídolo do egoísmo, ou ao santuário de Deus e da humanidade?”(¹)
Jovem
ainda, Frederico Ozanam era decidido e sabia querer. Firme nas atitudes, seus
objetivos eram atingidos com excepcional tenacidade, principalmente os recursos
intelectuais, que necessitou para vencer os inúmeros obstáculos que encontrou
em seu caminho. No plano intelectual era bem informado e atualizado.
Frederico Ozanam constituiu-se em
defensor da Igreja devido aos ataques que sofria por considerarem-na destituída
dos valores dos primeiros tempos da cristandade e que já não possuía a ação
benéfica em prol da humanidade. Em outras palavras, ela não seria mais
necessária, pois novas doutrinas e pensamentos surgiram, confundindo o povo,
principalmente a juventude incauta.
Uma dessas falsas doutrinas foi o "São
Simonismo", criação do conde Enrique de São Simão, espécie de nova
religião que acentuava o social e que pretendia implantar novo cristianismo no
mundo, corrompendo as classes intelectuais da França.
Já em 1830, em Lyon, Frederico Ozanam,
no jornal “O Precursor”, em duas notas, contestara a filosofia do conde de São
Simão que seus adeptos pregavam nas escolas. Posteriormente, em maio de 1831,
aos 16 anos, sob a orientação do Pe. Noirot, Frederico Ozanam publica em
“l’AbeilleFrançaise” um admirável estudo sobre o “São Simonismo”, o qual foi,
também, publicado em forma de brochura denominada “Reflexões sobre a Doutrina
de Saint-Simon”. A obra do conde de São Simão morreu no nascedouro.
Essa publicação despertou a atenção de Lamartine,
o qual, por carta enviada a Frederico Ozanam, demonstrou o prazer da leitura e
fez um lisonjeiro elogio à obra. Alfonso de Lamartine, poeta, romancista,
historiador e político francês, foi um dos personagens que mais angariou
prestígio no seu tempo. Mais tarde Frederico Ozanam faria segura amizade com
Lamartine, que o admirava. A admiração era recíproca.
A época é romântica e libertina e é
de bom-tom ser anticlerical. Grandes escritores, compositores estão em ação:
Balzac, Victor Hugo, Lamartine, George Sand, Musset, Chopin, Liszt, Berlioz,
entre outros.
Como mestre, foi Frederico Ozanam um professor extraordinário e de
dedicação extrema. E seu amigo J. J. Ampére²) a ele se referiu: “Preparações laboriosas, pesquisas de opiniões nos textos, ciência
acumulada com grandes esforços, e mais improvisação brilhante e colorida, tal
era o ensino de Frederico Ozanam. É raro reunir no mesmo grau os dois méritos
do professor, o fundo e a forma, o saber e a eloquência. Ele preparava as suas
lições como um beneditino e as proferia como um orador: duplo e ingente
trabalho que acabou por consumir as suas energias vitais".
O confrade Prof. Paulo Sawaya assim
escreveu sobre Frederico Ozanam:"Todo
o magistério universitário de Ozanam é uma lição contínua, ininterrupta de
magnífico apostolado cristão.
Sábio, pesquisa criteriosamente e em profundidade a verdade histórica. Suas
aulas eram verdadeiras pregações. Professor,
foi um exemplo vivo do mestre católico, que sabia conviver com os colegas e
aproximar-se dos discípulos, os quais não se contentavam em ouvi-lo nas aulas
magistrais, mas acompanhavam-no até sua residência, atravessando o Jardim de
Luxemburgo, esclarecendo dúvidas, distribuindo conselhos, formando consciências.
Nós que pertencemos ao magistério não podemos ter melhor exemplo! Fazê-lo
conhecido dos nossos jovens estudantes é nosso dever de católicos, de
vicentinos e de professores”.³)
Como historiador fez Frederico Ozanam a apologia do cristianismo e muitas vezes esse fato acontecia durante
suas aulas. Certa manhã foi fixada na Faculdade um convite à sua aula com a
indicação de “curso de teologia”. Frederico
Ozanam sorriu e só ao término da aula, quando desceu da cátedra, assim se manifestou
ao autor anônimo: "Senhores, não
tenho a honra de ser um teólogo, mas tenho a felicidade de ser cristão, de
crer, com a ambição de por toda minha alma, todo meu coração e todas as minhas
forças a serviço da verdade".³)
Frederico Ozanam desde a mocidade
frequentava reuniões onde adquiria formação e conhecimentos humanísticos que
mais tarde lhe proporcionariam renome no mundo todo. Lê muito, estuda muito e
com muita perseverança, por isso “sua
percepção clarividente da modernidade, sua autêntica erudição, sua moderação e
sua tolerância farão dele um precursor que, apesar da brevidade de sua
carreira, saberá despertar seus contemporâneos para um catolicismo
compromissado e liberal” ⁴)
Em carta a Falconnet de 05/01/1833 esclarece-o
de como está usando o seu tempo: "Três
coisas constituem o objeto de meus estudos: a jurisprudência, as ciências
morais e alguns conhecimentos do mundo, olhados do ponto de vista cristão.
Neste momento, três meios nos são dados pela Providência para nos exercitar-nos
nesta tríplice carreira. São as Conferências de Direito, as de História e as
reuniões na casa de Montalembert. Todos os domingos Montalembert promove serões
para jovens e para isso convida renomados intelectuais: Coux, dÁult du Mesnil,
Mickiewicz, célebre poeta lituano, Félix de Mérode, Saint-Beuve e Victor Hugo
são sucessivamente convidados para essa reunião".
Frederico Ozanam sente-se feliz em
participar destas reuniões. Pode discutir sobre literatura, história, sobre os
interesses das classes pobres, sobre o progresso da civilização. Isso motiva o
desejo de reunir seus amigos para um catolicismo de ação. Uma ideia vem tomando
forma e conteúdo em sua mente: sonha com uma grande associação que teria por
finalidade principal agrupar jovens católicos. Ainda sobre este assunto, em
carta de 21/07/1834 irá dizer à Falconnet: “Quanto
desejaria que todos os jovens de espírito e coração se unissem em torno de alguma
obra de caridade, organizando-se em todo o país uma ampla associação generosa
para alívio das classes populares...”.
Outra personalidade importante desse
tempo foi o visconde François René de Chateaubriand, famoso escritor e político
francês. Sua obra-mestra “o Gênio do Cristianismo”, é uma apologia da religião.
Frederico Ozanam considerava Chateaubriand como o apologista leigo mais
eloquente do século dezenove, porque dele era a glória de haver sido o primeiro
em proclamar e exaltar a obra social da religião católica. Foi um dos ídolos de
Frederico Ozanam.
Com seus companheiros mais próximos
funda a Sociedade de São Vicente de Paulo em 1833 e apesar das muitas
obrigações é fiel à Conferência de Caridade e visita regularmente os pobres. No
plano religioso Frederico Ozanam continua seu apostolado e reza muito.
Diariamente frequenta uma igreja, nem que seja por breves momentos. Em uma de
suas cartas dissera que "num século
cheio de ceticismo, Deus deu-me a graça de nascer na fé". Sentia a
necessidade de atacar de frente a onda enorme de incredulidade que havia
invadido as escolas superiores. As Conferências de História era um começo, mas
necessitava de algo mais contundente. Com ardor sonha com o apostolado através
do púlpito. E porque não o púlpito da Notre-Dame?
Das amizades de Frederico Ozanam,
uma foi de suma importância para ambos: Padre
Enrique Lacordaire.
Frederico Ozanam conhecia-o da
leitura de seus artigos no periódico "l'Avenir", "porém,
conhecia também sua atuação em defesa da liberdade da Igreja e do ensino,
através das conferências que dera no Colégio Stanislas, e confiou no zelo
apostólico daquele jovem sacerdote, apesar de tudo quanto contra ele se dizia
nos círculos eclesiásticos ".⁴)
No começo de janeiro de 1833, Frederico
Ozanam decidiu-se por visitar Lacordaire, que nessa época tinha 31 anos de
idade, enquanto Frederico Ozanam iria completar 20. Desse encontro nasce uma
sólida amizade que os ligará para sempre e que influenciaria Frederico Ozanam
ao longo de sua vida. E é Lacordaire que Frederico Ozanam sonha pregando no
púlpito de Notre-Dame. Depois de mais de dois anos de constantes pedidos,
insistências e abaixo-assinado junto ao Arcebispo de Paris, Frederico Ozanam e
alguns outros companheiros conseguem instituir, em 8 de março de 1835, as conferências apologéticas proferidas pelo Pe. Lacordaire, na
catedral de Notre-Dame.
Este espaço foi pequeno, mesmo para
o mínimo que se poderia dizer sobre Frederico Ozanam e sua atuação como
professor e junto aos intelectuais de seu tempo, seus escritos e trabalhos
elaborados com amor, carinho e como verdadeiro apóstolo que se dá pela salvação
das almas até o martírio.
*Artigo publicado na revista Voz de Ozanam nº 2 de março-abril/2010).
1.“Frederico
Ozanam”, obra de 1944 de Alberto Figueiras Gomes,
pg.58. –
Carta a Curnier de 23/02/1835.
2. Ampère, Jean
Jacques – Prefácio da “Cartas de Frederico Ozanam,
1º vol. –
4ª. Edição francesa.
3. “Ozanam
e a Sociedade de São Vicente de Paulo” – 1978 – Prof.
Paulo Sawaya.
4. “Ozanam,
Um Sábio Entre os Pobres” – Madeleine desRivières–
pg.29
5. “Ozanam
e Seus Contemporâneos” – A.R.Carranza).
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