2.
Carta de Frederico Ozanam a Teófilo
Foisset.
Lião,
14 de setembro de 1841
Senhor
e caro amigo,
Este
primeiro êxtase do coração que o casamento desperta não consegue apagar os
direitos da amizade. Parece-me até que a sensibilidade assim avivada mais ainda
se toma imprescindível e que demasiada felicidade se possui para não sentir
necessidade de vê-la partilhada em torno de si. E fica-se, então, pressuroso e
mesmo impaciente por receber, em tal ocasião, as felicitações daqueles que de
longa data nos são queridos. Redobra-se a alegria que se experimenta cercado
por tão sinceras simpatias.
Entre as demonstrações preciosas de afeto cristão,
bem diversas dos frívolos cumprimentos com que se compraz o mundo, vossa carta
é uma daquelas que mais me sensibilizaram. Há em vossas palavras, com a
expressão de uma benevolência, os traços também de um julgamento elevado e
seguro, de uma filosofia da vida que a muitos dos nossos infelizmente falta,
atirados pelas circunstâncias para fora do caminho.
Já, por feliz experiência,
eu conheço que dizeis a verdade: o caminho comum é o menos perigoso, e nada
perde o espírito em estar determinado. E grande vitória ser dado à existência
passageira deste mundo o terreno sólido da família. A companheira que por Deus
me foi escolhida, reunindo às mais doces virtudes uma educação séria e elevada,
não pode ser para mim senão uma nova aspiração e não um obstáculo. Se me
detiver em minha carreira, somente poderão ser acusadas minha insuficiência e
fraqueza.
Tão
grande foi o bem que me fez vossa bondosa lembrança que difícil se torna
justificar a demora de minha resposta.
O
pedido que me enviastes para o Senhor Ponsot (1) agrava, aparentemente, minha
culpabilidade. No entanto, é ela que justifica minha escusa. Não obstante a
completa inutilidade dos meus cadernos, nos quais são apenas tratadas bem
poucas questões, e estas mesmo de maneira muito superficial, seria muito indelicado
de minha parte recusá-los. Assim tê-los-ia enviado sem demora, não estivessem eles em mãos de um amigo encarregado, em minha ausência, do curso de direito
comercial. Deveria estar terminado este curso em 10 de agosto, e nessa época
teria desempenhado meu compromisso, quando uma persistente afecção na garganta,
que a medicina em vão combateu, obrigou-me a procurar uma estação de águas, (2)
antes do encerramento do curso e da restituição de meus manuscritos.
Ao
regressar, havia-se ausentado o meu suplente. Forçado eu também a partir
amanhã, apenas pude escrever-lhe pedindo que vô-los envie, assim que chegasse a
Lyon, isto é, nestes quinze dias. Resta-me apenas repetir-vos quanto me sinto
envergonhado com essa demora de coisa de tão pouco valor e à qual tão pouco
direito assiste de se fazer esperar.
Minha
esposa encarrega-me de, em seu nome, agradecer-vos o lugar que a ambos nos
prometeis em vossos pensamentos e preces. Podeis crer que muito vos somos
agradecidos e em uma reciprocidade tão completa quanto pode permitir a diferença
de mérito. Se os negócios por vezes vos conduzirem a Lyon ou a Paris, e se
nossas frequentes viagens de uma a outra dessas duas cidades nos permitirem
passar alguns momentos em Beaune, será para nós felicidade imensa poder melhor
privar da companhia de vossa admirável família.
Aceite,
Senhor, a segurança de minha respeitosa dedicação.
Vosso
dedicado servo e amigo
A. F. Ozanam
(1)
Queria Foisset difundir as notas do "Curso de Direito Comercial"
ministrado em Lyon, e que mais tarde publicou, como vimos. (Obras Completas de
Ozanam, t. VIII).
(2)
Estação de águas de Allevard, na Savoia, para onde se dirigiu Ozanam no decurso
do verão de 1841.
Comentário
Em
outubro e novembro de 1841, viajou Ozanam pela Itália com a sua jovem esposa.
Teve ensejo em Roma de ser recebido em audiência pelo Papa Gregório XVI e de
"explorar o Vaticano". Retomou, depois, o seu curso, cujo auditório
permanecia "numeroso e atento".
No
decorrer dos primeiros meses de 1842, veio Foisset a Paris, onde se ocupou,
ativamente, em ressuscitar o "Correspondant". Encontrava-se, então, a miúdo com
os amigos, como no-lo indica a seguinte carta, escrita por Ozanam junto ao
leito da esposa que fora vitima de um acidente.
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