4.
Carta de Frederico Ozanam a Teófilo Foisset.
Paris,
4 de JULHO de 1842
Eis-me
aqui, entre os últimos talvez mas não o menos triste de todos, a fim de tomar
parte em vosso sofrimento. Dele participam todos os cristãos que se interessam
pelas conquistas e perdas da Igreja, que amam o nobre clero da França e têm
esperanças em seus esforços presentes e sucessos futuros.
O
padre Foisset era um desses sacerdotes com o qual era consolador contar-se
quando necessário se tornava tranquilizar-se a respeito dos perigos do século
dezenove. Reconhecia-se nela o consórcio da ciência e da piedade, glória antiga
de nosso sacerdócio em melhores tempos.
Olhávamos
para ele como uma das luzes da Igreja, que a não deixavam ocultar-se. Seria inconsolável
tal perda se a própria Igreja militante sobre a terra não o fosse no céu. Não a
deixam os que morrem, apenas mudando de posição. Amice ascende superíus.
A
dor do público constitui uma primeira homenagem ao vosso pesar fraterno. Bem
sei, entretanto, que ela o não diminuiu.
Faz
alguns anos permitiu a providência Divina passasse eu pela dolorosa experiência
desses lutos de família.
Ainda este ano retomou-me dois parentes que eu amava. Nesses momentos de aflição em
que as palavras se quedam impotentes, apenas três pensamentos nos podem trazer
algum lenitivo. A lembrança, em primeiro lugar, dessa vontade divina, sempre
santa, justa e que só nos quer o bem. A esperança, em seguida, de nos
encontrarmos com aqueles que choramos, e de, não somente os encontrar após esta
vida passageira, mas na santa e caridosa assistência que, sem dúvida, permite
Deus às almas bem-aventuradas para com os amigos que aqui ficaram. A fé, melhor
do que a ninguém, vos proporciona esta consolação. E a ternura da Senhora
Foisset e de vossos filhos (1) novas consolações vos proporcionarão. Vossa casa
constitui um desses lares abençoados que pode a tribulação visitar, porque aí
deixa a paz e a resignação. E se mais ainda for preciso, amizades não vos faltam
que, de toda parte, se associam ao vosso pesar. Muitas mãos às vossas carinhosamente
se hão de prender, e amigos não faltarão a orar por vosso irmão, esperando que
por eles há de ele interceder.
Permiti-me
que vos exprima um último voto, qual o da confiança e da sinceridade. Jamais me
acerquei de vós, bem o sabeis, sem certa respeitosa reserva. Percebia em vós,
em grau eminente, estes dons de fôrça e de justiça que formam o homem de bem em
tempos difíceis. Já que sofreis, e que pelo sofrimento vos alçais em méritos,
estendei-os perante Deus sobre aqueles que sabeis fracos e vacilantes, sobre
mim cujas enfermidades são graves e frequentes os perigos. Assim, encontrareis
algo de doçura nas amarguras que se tornam salutares, e uma semelhança a mais
com Aquele que todas as nossas provações quis conhecer e que lágrimas derramou
sobre a morte de Lázaro que êle amava. Quem poderá avaliar quantas almas cada
uma dessas lágrimas resgatou? Minha esposa participa comigo dos sentimentos que
vos exprimo.
Com
a mais profunda afeição vosso dedicado
(1)
Foisset tinha um filho e três filhas, uma das qual religiosa do Bom Pastor.
A
nova série do "Correspondant" surgiu em janeiro de 1843. Longo e
laborioso foi o seu ressurgimento. Desde a viagem de Foisset a Paris, em
princípios de 1842, sucederam-se reuniões sem atingir outro resultado senão
vagos projetos.
Ao
aproximar-se o mês de novembro já não havia mais esperanças. Ao encontrar-se
Wilson com Louis Veuillot, disse-lhe aquele que o caminho tomado era o mais
certo e não o melhor: o "Correspondant" não deveria mais contemplar
"a luz dos nossos tristes dias".
Queixou-se
Veuillot com veemência de tal fracasso em carta dirigida a Foisset: "Um
tipógrafo, Buloz, conseguiu, sem mesmo conhecer a ortografia, sem possuir um
níquel e sem conhecer ninguém, fundar a "Revue des Deux Mondes" e conduzi-la
aonde hoje a encontramos, deixando-se por ela levar ao ponto em que ele mesmo
se encontra. A massa católica inteligente vê as necessidades da época. Formada
por pessoas instruídas, de posição elevada e ricas, agita-se, entretanto
durante dois anos, para afinal produzir aquilo que sabeis. Se o mundo ímpio,
meu amigo, conhecesse esta história teria de que rir. Deixemos, porém, o juízo
do mundo e olhemos para mais alto. Julgais que não teria Deus algo a dizer
sobre tal assunto?”.
Era
muito cedo para desesperar. Recomeçaram os trabalhos. Graças a Vogüe,
Saint-Seine, Brosses e Alain de Kergolay, de modo especial, a nova revista
estava em condições de reaparecer sob a direção de Wilson, como era previsto.
Outras
dificuldades, porém, surgiram além das de ordem material.
Era
necessário tomar partido na importante questão da luta pela liberdade do
ensino. E a resolução foi tomada. Qual a tática, porém, a seguir?
A
liberdade do ensino havia sido prometida pela Carta de 1830, mas ninguém se
apressava em codificá.la. A Lacordaire, de Coux e Montalembert, que haviam
aberto uma escola em 1831, opuseram a necessidade de uma lei que aplicasse tal
principio, e que jamais havia sido votada. Apenas o ensino primário fora
declarado livre em 1833. Quanto ao ensino secundário, sucediam-se os projetos,
os quais se chocavam sem cessar com novos obstáculos. O mais recente era o de
Villemain, o qual antes tendia para a organização do monopólio que para a
liberdade. A ele se opuseram vivamente os católicos, e numerosos bispos
lançaram os seus protestos. Não prosseguiu tal projeto, mas continuava pendente
a questão. Desta feita, lançaram-se os católicos ao ataque.
A
fim de reclamar a abolição do monopólio, não apenas se baseavam sbre as promessas
da Carta, mas também sobre o que o ensino dos liceus e dos colégios tinha de
insuficiente, e o perigo proveniente da presença de numerosos professores incrédulos.
Em
tal fase de ataque, chegou-se até à própria universidade e aos homens que dela
faziam parte.
Ozanam
que era universitário e bem conhecia o interior da instituição atacada, julgava
essa tática injusta e perigosa.
O
“Correspondant” multo embora se esquivando dos excessos que eram julgados
reprováveis, teve que situar com vigor sua posição na luta desencadeada.
O
número 2 (de fevereiro de 1843) estampava um artigo do diretor, E. Wilson,
intitulado "A Liberdade do Ensino" acompanhado da seguinte nota:
"A Redação do "Correspondant" apenas tem de comum a ortodoxia.
Aceita os artigos em que reina um pensamento católico, não importa a corrente
de opinião a que se filiem. Cada um guarda a liberdade de suas idéias. Aquele
que assina o trabalho a ser lido guarda para si a responsabilidade. Publicamos,
em nossos dois primeiros números, artigos de dois membros da Universidade, e
nossas páginas estarão sempre abertas para os numerosos membros desse corpo que
servem do seu lado a causa cristã. (Nota do Diretor)".
Os
dois membros da Universidade, cujos artigos haviam sido publicados, eram o
próprio Ozanam e Lenormant. Não impedia tal declaração que o estudo de Wilson
fosse, por pleitear a liberdade do ensino, uma critica à Universidade.
Em
março, era o próprio Foisset que se indispunha com Cousin a propósito do seu
livro "Pensées" de Pascal. O bom humor deste artigo não impedia que
contivesse alfinetadas das mais sensíveis à vaidade do grande mestre da
Universidade. Contestava-se a sua descoberta do manuscrito dos "Pensamentos",
ridicularizando-o sem piedade a propósito de sua leveza de erudição.
O
conjunto destes ataques, dos quais cada um poderia ser justificado, decidiu
Ozanam a intervir.
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