A IMACULADA CONCEIÇÃO E A ASSISTÊNCIA SOCIAL
Existe na língua portuguesa uma palavra pequenina que,
apesar de se constituir de apenas três letras, traduz o que o homem possui na
sua vida terrena, de mais grandioso, de mais nobre e de mais divino.
A lembrança desse nome tão pequenino desperta em nossos corações sentimentos os mais puros e os mais profundos. Sentimentos de emoção e de felicidade. Sentimento de gratidão e de saudades.
E esta palavra, que muitas e muitas vezes os homens, com a
alma de joelho pronunciam com ternura e devoção, é MÃE: pedaço do
paraíso por sobre a terra, presente de Deus às criaturas. MÃE, dizem os homens
de todas as idades, invocando nas suas dores e sofrimentos aquela que um dia lhe
deu o ser. MÃE, dizem os cristãos nas grandes crises do espírito, pedindo e
implorando em linguagem dorida e lacrimosa, amparo e proteção.
A relação do filho para com a sua mãe é, no gênero humano,
algo de substancial e necessário. Para o cristão e para o vicentino que
se dedica às obras de Assistência Social, é um atributo essencial na vida, sua
devoção à Mãe Santíssima e à Imaculada Conceição.
Foi, por certo, compreendendo essa grande verdade que, sob o
manto maternal da Virgem, se acolheram os grandes iluminados pela
Igreja Católica, São Vicente de Paulo - o patrono de todas as obras de
Assistência Social que existem e florescem por sobre a terra à sombra do evangelho,
e ANTÔNIO FREDERICO OZANAM - o fundador das Conferências Vicentinas, esta
instituição tão simples, como simples é a caridade, que se espalha pelo
mundo para praticar o bem, buscando antes de tudo a santificação de seus membros.
A proteção da Excelsa Mãe de Deus sempre se manifestou de maneira
eloquente para com a Sociedade de São Vicente de Paulo, muitos séculos antes de
sua fundação. Já nos seus mais tenros anos, Vicente de Paulo sentia nos
refolhos d'alma a voz misteriosa da Virgem Santíssima que o convocava para ser o
grande benfeitor da humanidade sofredora. Era ainda criança e já aparece no
seio da família, qual santuário doméstico, como filho dileto e carinhoso de
Maria. Todas as manhãs, Vicente de Paulo, aquela criança pobre que desde
pequeno aprendera, por necessidade a lutar para ganhar o pão de cada dia, antes
de partir para pastorear as ovelhas de seu pai, ajoelhava-se diante de uma
pequenina imagem da Imaculada Conceição que ele mesmo entronizara no tronco
de um velho carvalho, em nicho preparado pelas: suas próprias mãos, para
implorar as suas bênçãos e proteção. Depois da oração matinal, em contacto com a
natureza, Vicente de Paulo partia para o trabalho, levando n'alma os
influxos sublimes de fôrça sobrenatural que o levaria mais tarde às alturas
luminosas da graça santificante. Eram os primeiros lampejos da sua vocação para o
apostolado do bem e da verdade. Era o prenúncio do grande discípulo da
Imaculada Conceição que deveria assombrar o século em que viveu. E o menino
apóstolo, sob o influxo do amor filial, formou o seu coração, qual anel de ouro,
onde Deus encastoara, como diamante do Céu, o amor à excelsa Rainha do Céu, da
terra e do mar. Eram os golpes da graça a acutilá-lo. As culminâncias da
santidade não se alcançam jamais de um só voo d'alma. São passos lentos, dolorosos, constantes, os
que costumam dar que pretendem dominar os cimos da
virtude e se
entrincheirar ali de modo e inexpugnável. A visão dos santos no
esplendor da glória é sempre admirável. Mas é de mais proveito para o espírito a
análise dos meios pelos quais se atinge a própria glória. Já o universo no
fundo do espaço se abre como imensa Bíblia, onde os astros escrevem com letras
de ouro o nome de Maria.
Leitor assíduo desse grande livro da natureza deve
ser o homem, supremo Rei da criação, que do trono da terra estende o seu
reinado por todo o mundo. Se todo o coração sensível, se toda a alma que sabe
sentir as maravilhas do universo, não pode deixar de amar a natureza, eis
que ela é a síntese mais perfeita de todas as artes: arquitetura -- escultura -
pintura .- música e poesia, que tem por autor DEUS, gênio incomparável artista
extraordinário, que gravou indelevelmente nos homens, todas as formas do
pensamento.
A esmola é preceito dos livros santos. O seu valor é por
isso mesmo inestimável. Quando atendemos de boa vontade, com espírito
cristão, a um pobre, praticamos a verdadeira esmola; se o socorremos, mas não de
coração, exercitamos a simples esmola; se, porém, o auxiliarmos com
manifesto desamor, deixamos de exercer a esmola, mesmo imperfeita, porquanto ela
mais se caracteriza por ato de sensibilidade que se transforma em comiseração e
grandeza d'alma. A primeira é a esmola sincera que infunde satisfação ao pobre
- é acompanhada de um gesto, de uma palavra ou de olhar compassivo. A segunda
é inexpressi-va, e a ela o pobre agradece simplesmente; o esmoler procura
livrar-se do esmolado sem lhe prestar maior atenção; a terceira escandaliza
o pobre, amargurando o benefício verifica-se quando à esmola se segue um
ato descaridoso de quem a deu.
"Fazer o bem de má vontade, não é na realidade fazer o
bem", diz Santo
Agostinho.
Alves Mendes, o grande orador português, exaltou a caridade,
comparando-a à realeza mais adorável da terra e à joia mais benquista de
Deus:
"Porque a caridade é assim. Ela não se revela apenas numa generosa
ação simpática, no pão material, numa moeda qualquer, num dom; manifesta-se e
traduz em todo o auxilio moral, no bom verbo e no porte, na prece, no
carinho, num simples gesto, num sorriso, numa lágrima. Forte como diamante, atraente
como o ímã, modesta como a violeta, meiga como a pomba, ela penetra e
enleia e perfuma e abrandece os ânimos mais rudes e os desamparos mais
duros. Sempre maviosa e humilde, sempre benigna e prolifera, sempre tolerante
e paciente, sempre nascente e recrescente, infatigável até a heroicidade e
heroica até o martírio, ela voa através dos mares da opulência, prevenindo-lhe as voragens, rompe através das sarças da pobreza, despontando-lhe os espinhos.
Prova-se, prima-se, guia-se, desnuda-se, desentranha-se, sacrifica-se, ri e
chora; perdoa e cala, implora e canta; vai ao cárcere, ao hospital, ao asilo, ao
albergue, à escola, à oficina, à creche, aos recessos do tugúrio e aos campos da
batalha, ao perto, e ao
longe, e alenta e acaricia e cura e dá - dá do muito e dá do
pouco, dá tudo quanto tem; faz tudo para todos, para salvar a todos".
E Vicente de Paulo observa que, é na caridade que se encontra o paraíso da terra
assim como o do Céu.
Cumpre não esquecer: pedir, importa sempre em algum sacrifício. Lembremo-nos da verdade proferida pelo grande Padre Vieira:
"A palavra mais dura de pronunciar e que para sair da boca uma vez se engole
e afoga é "PEÇO". Por isso, quem pode dar, seja generoso e
não espere pela insistência da rogativa. A felicidade consiste em dar. Ditosos os
que sabem dar, pois Deus, na sua infinita sabedoria julga como se dá e não o
que se dá.
São Vicente de Paulo - o Santo da Caridade - nos ensina que, todos
aqueles que se dedicam ao trabalho espinhoso e divino, nobre
e patriótico de servir o pobre, através das Obras de Assistência Social,
que, antes de visitá-lo, se prostrem diante do Altíssimo para reanimar e fortalecer o
espírito de fé e de sacrifício. Para socorrer os desvalidos é preciso
revestir-se de paciência, de ternura e de docilidade.
Diante do quadro doloroso e profundamente desolador que se
apresentar ante nossos olhos, no século estonteante em que vivemos, é
imprescindível e necessário que os vicentinos que queiram seguir os
ensinamentos da fraternidade humana, deixados pelo patrono São Vicente de Paulo, e,
praticados em toda a sua pujança por Frederico Ozanam, busquem sempre e antes de
tudo, na proteção e no amparo da Imaculada Conceição, fôrça, coragem,
paciência, energia e tolerância, para bem cumprir a sua missão de apóstolos da caridade.
Para alcançar um mundo melhor e bem servir à sagrada causa
de
proteção ao pobre, é sumamente reconfortante para os vicentinos
que se dedicam às Obras de Assistência Social, agasalhar-se sempre sob o manto
azul e maternal da Imaculada Conceição, excelsa Rainha e protetora da
Sociedade de São Vicente de Paulo. Sob as bênçãos da Virgem Santíssima, as
instituições beneficentes que se alicerçam sob o sentimento do amor e da
fraternidade humana, nascem e florescem por sobre a terra, alcançarão o seu
grande e nobre ideal .-
Cfd. Antônio Luiz Traina
Artigo publicado na Circular Periódica do Conselho Metropolitano de São Paulo, por ocasião do 1º CENTENÁRIO DA PROCLAMAÇÃO DO DOGMA DA IMACULADA CONCEIÇÃO!
1854 - 1954.
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