A VIRGEM MARIA NA VIDA DE OZANAM
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"Homens, homens de alma imortal, mas homens
de carne e de sangue, nossa vida toda consiste,
conscientemente ou não,
na procura apaixonada
da beleza e do amor".
LOUIS CHAIGNE, em seu livro primoroso sobre "A
Vida de Maria", estabelece essas primícias sobre as quais vai, na
suavidade de sua dissertação e na sublimidade de seus conceitos, erguendo um
hino de glória à Virgem Maria.Se analisarmos o íntimo de nós mesmos, nas
profundezas dos segredos de
nosso ser, sem preconceitos que
deturpem a clareza de nosso ser,
sem preconceitos que deturpem a clareza
de nosso raciocínio, nem subtilezas que procurem toldar a limpidez da mente,
clara se nos depara toda a acuidade e profundeza do conceito de quem com
tanta delicadeza acercou-se da vida de Maria, ainda que muito de humano
pareça talvez colocar na base de suas
reflexões sobre Aquela que do humano tanto se distanciou pelo cunho divino que
lhe foi impresso.
E nesse exame, feito no silêncio de nossa consciência,
quando penetrando a sós em nós mesmos
nos descobrimos tal
como somos, sem preocupação de nos mostrarmos sob prisma
diverso da nossa própria realidade, o que encontramos? Não é o encanto do que é
belo que nos fascina? Não é a
beleza que amamos? Mesmo que, toldado
pela maldade, se afaste do belo o que amamos, é sempre o que supomos pleno de
beleza aquilo a que se nos prende o coração, aquilo que o seduz e o arrasta com
fôrça incoercível, superior mesmo aos ditames da vontade.
A beleza
sob todas as
suas formas, foi e será sempre
o imã que atrai o ser humano e
que o torna o seu eterno enamorado.
A obra divina que é o mundo, pelo que encerra de grandioso e
belo, prendeu em sua teia recamada de maravilhas o olhar eternamente
atônito da humanidade: o azul do céu, que se afigura infinito, a contrastar com o verde oscilante do mar que beija, sem se esfalfar de lhe prodigalizar carícias, a
areia alva das praias e o cinzento dos penhascos. E quando no firmamento se poem a
brilhar miríades de estrelas, no cintilar de sua beleza, não se sente
a mirá-las embevecido o olhar humano?
E o homem, à imitação do Criador, põe-se a criar também o
que se lhe afigura concretizar o belo: os grandes monumentos que ornam
nossas cidades, os templos que as enriquecem, as pinturas que hes realçam
os encantos. E a magia da música que embala os ouvidos e que nas catedrais
ressoa, erguendo da terra aqueles que em suas lages se prosternam? O olhar
meigo e límpido do ser pequenino que o volve para nós, o encanto que dimana
daquela que Deus criou para ser o complemento da vida humana na terra, a
fôrça que é o apanágio do homem, a inteligência que desponta desse arcabouço,
maravilha da criação, que é o cérebro humano, tudo isso é um sonho de beleza
em que se compraz o homem e que ele ama viver.
Ozanam foi um amante do belo e, pela beleza, de tanto
amá-la, lutou desde os primórdios de sua vida, e essa mesma sacrificou por tão
nobre ideal.
Achava bela a ciência, e a ela se entregou com amor,
reservando-lhe as horas do dia e muitas que pela noite se alongavam.
Bela se lhe afigurava a virtude e por ela sacrificou o ardor
de sua juventude; e, sem um momento de desfalecimento até seus últimos dias,
por ela pautou a vida, vida que hoje ainda perdura no coração daqueles que
lhe procuram seguir a trajetória luminosa deixada na terra a mostrar aos
pósteros como se caminha para atingir o Céu.
Para ele era belo esse sentido que irmana as almas: a
amizade. Que car-
tas lindas escreveu aos que lhe achavam unidos pelas fibras
do coração! E como os sabia agrupar em torno de si para que juntos
amorosamente galgassem a senda áspera, por vezes, da virtude! A igreja, pela sua
sublimidade e beleza o atraía com irresistível enlevo. E ele a amou e por ela se
bateu com incoercível denodo, não permitindo que a irreverência a apoucasse, que
teorias menos ortodoxas a mandassem, pesquisando no passado, com paciente
labor, tudo quanto a pudesse engradecer no presente.
E nos pobres, cobertos de andrajos, foi a beleza de Cristo
que êle soube
descobrir. Amando os pobres, amava a seu Deus. Era a forma
humana de demonstrar ao Cristo, incarnação da própria beleza, que ele O
amava. Ele via nesses seres, que o mundo relegava e a miséria amesquinhava,
uma beleza que se encobria sob a aparência triste e sórdida dos seus corpos: a
beleza de uma alma que Deus criara para Si e que destinara a tornar ainda
mais belo o encanto do Paraíso.
Tão grande foi o amor que, em consequência, dedicou ao pobre
que se não contentou em a eles somente consagrar-se. Chamou, empolgou
um grupo de jovens, para que com ele cooperassem na obra de reerguer esses corpos sofredores para que neles melhor pudesse brilhar a beleza de suas
almas. E tal foi o ardor com que lançou sua ideia de bondade que até hoje sua
obra, ao envés de morrer, pelo mundo todo se alarga e se expande,
impulsionada pela fôrça desse ideal que foi a maior ambição de sua vida.
Beleza e amor! Algo que empolga o olhar, que desperta o
sentimento e encadeia o coração! Ozanam amou o que era belo. E uma
criatura, que pela terra passou no desempenho da mais sublime das Missões, seduziu
seu coração. Era bela: "Tota pulchra es! Seu nome? Maria".
Ora a chamam de "Virgem Maria", ora a humanidade
dela em pensamento se acerca, denominando-a "Imaculada Conceição". E
ainda a Rainha do Céu, a Estrela cio Mar, a Mãe dos Homens, o Refúgio dos Pecadores,
a Consolador a dos Aflitos. Tudo quanto de carinhoso lhe pudesse ser atribuído,
consagrou-lhe o amor dos que se orgulham de por ela se haverem irmanado ao
Cristo.
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Beato Papa Pio IX |
Revestia-se de incomparável beleza a alma dessa virgem.
Mancha alguma de pecado a manchou, nem mesmo aquela original, herança terrível
de quantos vêm à luz na terra.
Ela foi imaculada em sua concepção, e ao grande Papa Pio IX
coube a honra insigne de proclamar, como dogma de fé, o que séculos de
crença e multidão de súplicas reclamavam, no anseio mais nobre que pulsou no
coração ela humanidade.
Et macula originalis non est in te!
De todo o seu ser irradiava o mistério divino que nela iria
formar o tabernáculo em que repousaria, até seu nascimento, o Cristo
prometido e que o mundo aguardava.
Tudo nesse ente privilegiado era um desdobrar de milagres.
Ana, sua mãe. bendita, já não mais podia supôr, ante a ordem da natureza,
que daria ao mundo um novo ser, nem dela se aproximaria seu santo esposo,
não o levasse a tanto a ordem expressa de um celeste mensageiro.
É ainda "A Vida de Maria" que nos descreve, em
tons de infinita doçura,
falando da virgem pequenina:
"O encanto ela pureza de seus sonhos, seu respirar
apenas perceptível, sob a guarda constante dos anjos e, por momentos,
do olhar ansioso e atento de Ana, sua mãe. O encanto do seu
despertar matinal desses olhos pequeninos que se abrem e veem
cada dia um mundo novo, desses sorrisos francos e confiantes,
dessas mãozinhas que se agitam com uma tocante incerteza, desses pés
pequeninos que ora se agitam ou se encolhem sob a coberta". E depois ... "os passos que se ensaiam, as primeiras
sílabas articuladas, os beijos inocentes que se trocam, as carícias que se dão e
se recebem". E ... um pouco mais tarde, "a descoberta
das flores e a magia das noites da Palestina, os céus recamados de
estrelas, estrelas que refletem essa filha dos homens cintilante de luz e
de graça. E o encanto das primeiras preces, dos primeiros gestos
de um culto todo feito de espontaneidade".
Maria caminha em idade. Já é uma jovem. "E essa criança
ignorada tudo
sabe, possuindo a integridade da inteligência. Não necessita
do uso dos sentidos para compreender e descobrir. Já reside nela a ciência
da graça. Apenas seu corpo é jovem. Sua alma, visitada por miraculosas
complacências, abre-se sobre horizontes divinos.
Quando de Maria se aproximou o Arcanjo Gabriel, trazendo-lhe
a mensagem divina, assim no-la relata uma visão de Maria d'Agreda
:
"O príncipe São Gabriel desceu do Empíreo acompanhado
de milhares de anjos, qual deles mais belo. Trazia um diadema
de singular esplendor, e suas vestes reluziam de cores
diversas. E desceu em Nazaré onde se encontrava uma pobre morada. A
divina Dama tinha então quatorze anos, seis meses e dezessete
dias.
Seu talhe ultrapassava o das outras jovens de sua idade, sua pessoa era agradável à vista, bem proporcionada, de rara
beleza e perfeição.
Seu rosto era oval, os traços finos e delicados; de cor
clara e algo morena, fronte larga e bem proporcionada, cílios em
arcos, olhos grandes e modestos de colorido entre o negro e o verde
escuro de incrível beleza e de um riso inocente, nariz unido e
perfeito e boca vermelha e pequenina".
Assim em verdade devia ser Aquela que de tantos dons foi ornada por
Quem nela ia formar o corpo humano de seu divino filho.
Que mais belo templo poderia ser erguido a Deus que esse
corpo e essa
Que tabernáculo mais augusto que esse cibório que nenhum
ouro da terra de longe poderia assemelhar-se!
Ante tanta beleza curvou-se também, como tantos outros no
decurso dos séculos que o precederam, aquele que um dia, em Abril de
1813, foi receber o batismo em Santa Maria de Servi, em Milão, dias após seu
nascimento. Sob o signo de Maria assim se iniciou a vida de Ozanam. Quantas
vezes, certamente, dela lhe falou a mãe que de tanto carinho o embalara e
de quem ele guardou sempre, longe em Paris ou depois que a morte lhe a roubou, tão doce recordação! É certo que assim foi pois que seu enlevo por
Maria, nome que também o era de sua mãe, o levou, adolescente ainda, a
consagrar-lhe os primeiros versos que brotaram de sua alma que a poesia
embelezava.
A seu irmão Carlos Ozanam elevemos o encanto de haver
conservado para transmitir à posteridade esse legado poético em que vibrava
a alma de Frederico. Ainda em 1834 e 1835, em outros versos cantou Ozanam
a beleza e a glória de Maria.
E quando, em Paris reuniu seus amigos para com eles formar
as Conferências de São Vicente de Paulo, foi nas mãos da Virgem que
depositou suas esperanças de que vingasse a obra vicentina.
A data de 8 ele Dezembro, dia consagrado à Imaculada
Conceição, passou a fazer parte das festividades mais caras da Sociedade
incipiente, como penhor de seu futuro.
Mais uma vez revelou ele seu amor à Maria quando, ao abrir
o coração a
seu amigo Dufieux, nessas confidências de que era tão
pródigo quando a amizade lhe descerrava o silêncio dedicado ao estudo, assim se
exprimia:
"Duas coisas de modo especial nos fazem palpitar,
jovens cristãos, de generosa ambição: a ciência e a virtude. Havia
resolvido que esses dois anos que me restam ainda passar em Paris
seriam dedicados a trabalhos mais sérios e a uma reforma moral mais
completa. E meu desejo, eu o coloquei sob os auspícios da Mãe
Celeste".
Depois que seu lar cristão se formou, concedeu-lhe o Céu o
presente de uma filhinha. E de novo se voltou seu pensamento para Maria, e o
dela foi o nome que lhe deu. Esta notícia, tão do agrado de seu coração,
transmitiu-a jubiloso a seu amigo Foisset :
"Que momento aquele em que ouvi o primeiro choro de
minha filha, em que contemplei essa criatura pequenina, mas
criatura imortal, que Deus depositava em minhas mãos! Com que impaciência vi chegar a hora do seu batismo! Damos-lhe, então, o nome de Maria, que também, era o de minha
mãe, e em homenagem à excelsa padroeira a cuja intercessão
atribuímos esse feliz nascimento!"
No seu viajar constante, a que o desejo de saber ou a saúde
combalida o conduziam, extasiava-se sua alma quando lhe era dado
visitar um templo consagrado a Virgem. A Igreja de Milão em que fora batizado, a
Casa de Loreto, a catedral de Burgos, o santuário de Nossa Senhora de
Buglose, nas proximidades do local que tanto também lhe falava de Vicente
de Paulo o santo de suas Conferências: a igreja de Nossa Senhora de
Fourviere, em sua tão querida Lião, todos estes santuários e tantos outros aos
quais ia levar suas homenagens e suas súplicas a Maria, foram marcos que lhe
deixaram traços indeléveis na vida.
Encontrando-se nas vizinhanças de Livorno, quando já as
fôrças lhe faltavam e sentia que seus dias iam findar, quis, mais uma
vez, dirigir-se à igreja dessa localidade. Festejava, então, a Igreja a festa da
Assunção. Insistiu com a esposa, que mandava vir uma carruagem, em ir a pé.
"Será talvez, lhe disse, meu último passeio neste mundo. Quero que ele seja para
visitar o meu Deus e a sua Mãe". E Ozanam conseguiu realizar, não sem
sofrimento para o corpo mas com júbilo imenso a inundar-lhe o coração, o sublime
desejo. Foi assim que assistiu pela última vez o sacrifício da Missa. E
sua alma toda penetrou no mistério augusto de um Deus na renovação perene de
seus sofrimentos para que pudesse a humanidade livrar-se do próprio
sofrimento.
Não lhe foi dado festejar na terra a proclamação do dogma
da Imaculada Conceição feita em 1854 por aquele Papa, que ele tanto
admirou e que tão paternalmente o abençoou: Pio IX. Esta festa ele a assistiria
no Céu.
A 8 de Setembro de 1853 deixou Ozanam o mundo cuja beleza ele amara, trocando-a por outra, infinitamente mais bela.
Veio colher-lhe a Virgem que nesse dia celebrava seu
aniversário. E Ozanarn lhe ofertou o presente que mais precioso lhe era: a
própria vida.
Cfd. JOÃO PEDREIRA DUPRAT
¹) Artigo publicado na Circular Periódica do Conselho Metropolitano de São Paulo, por ocasião do 1º CENTENÁRIO DA PROCLAMAÇÃO DO DOGMA DA IMACULADA CONCEIÇÃO!
1854 - 1954.
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