CURSO BÁSICO DE FORMAÇÃO VICENTINA
VÍDEO AULA Nº 9
Apresentação
São Vicente de Paulo, quatro séculos depois
HÉLIO
DAMANTE
Há
quatro séculos, às vésperas de entrar em vigor o calendário gregoriano, nascia
em Pouy, na França, S. Vicente de Paulo,
chamado pelos seus discípulos de "o Pai da Caridade". De origem
camponesa, um paysan, (camponês), por esforço próprio chegou ao sacerdócio,
para ser um dos grandes homens de seu tempo, rico deles.
Embora
nascido no século XVI, no mesmo ano em que Montaigne publicava Os Ensaios
(1581), Vicente de Paulo será um homem do século XVII. O século que se despedia
do mundo medieval e renascentista, para ingressar naquele do nacionalismo, do
mercantilismo, da burguesia e da cidade, com seus violentos contrastes entre o
poder e miséria. Prólogo do século das luzes e daquele outro que viu culminar a
Revolução Industrial. Todas essas forças já estavam em ebulição no tempo de São
Vicente.
Também
para a Igreja Católica uma revolução se iniciava, a partir da Reforma, para culminar
com o fim do poder temporal dos papas (1870) e com ele chegar à modernidade do
pontificado romano e à sua real universalidade. O catolicismo chegara, já no
século o anterior, com S. Francisco Xavier, ao extremo Oriente.
À
Igreja abriam-se, em compensação ao dilaceramento da Reforma, traduzido em
sangrentas guerras religiosas, "os mares nunca dantes navegados" os
novos mundos - as Índias - neles, contidos. Terceiros mundos, quase sempre.
A
Vicente de Paulo coube, no clima do absolutismo monárquico da época dos luíses
- L'Etat c'est moí,¹ diria Luiz XIV, o Rei Sol - abrir o capítulo da presença
da Igreja no mundo moderno na "cidade secular" da definição de Thomaz
Merton.
Era
um clímax, uma ruptura, uma nova sociedade. Os homens voltavam-se para o
Estado, não para Deus. Já não mais existia, no Ocidente europeu, uma
instituição religiosa única. As nações entregavam seus destinos a um papa leigo,
que outro não era, ou é, senão o príncipe, de Maquiavel.
No
próprio estabelecimento católico romano surgiram movimentos radicais que acompanhavam
o pêndulo, como o galicanismo, ou aventavam uma piedade autônoma, como o
jansenismo. Seu grande advogado, Pascal.
A
América começava a pesar na balança da política internacional, como o demonstraria
o Tratado de Utrecht, de 1713.
Era
puritana ao Norte, enquanto ao sul,
fechada a sete chaves às heresias, intentavam, os jesuítas notadamente, criar a
nova Civitas Dei, modelada pela Contra-Reforma. Diz-se que foi essa época, diante
dos estragos - e do escândalo - das guerras religiosas, que se criou a fórmula "todas
as religiões são boas", para não atrapalhar os negócios.
S.
Vicente sentirá como poucos, do fundo das galés ou na Mesa da Consciência
(espécie de conselho real para questões religiosas), o rumorejar do povo, agora
cidadão, a força decisória emergente, em nome da qual à custa de quem se
fariam, daí por diante, todas as revoluções.
De
Vicente de Paulo menos que se pode dizer é que foi homem à altura do seu tempo.
Enquanto Lutero havia pro- clamado que "a fé, por si só, sem obras, justifica,
liberta e salva” (justificação pela fé), Vicente pôs em prática o princípio de
que “a fé sem obras é morta" ou, segundo o Evangelho, "pelos frutos
os conhecereis". Foi também reformador, mas ao contrário de Lutero, que
até ao antissemitismo pagou tributo, um conciliador.
De
sua privilegiada posição na corte em Paris, sem prejuízo de ser sempre um simples
padre, a ombrear com Richellieus e Mazarinos, vai ter papel decisivo na reconstrução
da Igreja devastada. Começou pela reforma do clero e instituiu os seminários,
no espírito do Concílio de Trento. Fundou a Congregação da Missão ou Lazaristas,
contemporânea da Propaganda Fidei. Retirou a mulher consagrada da clausura pela
clausura, para faze-la ativa participante do apostolado. É o fundador das Irmãs de Caridade,
esvoaçando com suas toucas de camponesas pelos hospitais, prisões, abrigos de
crianças e velhos, salas de aula e pátios de recreio. Quem não as conhece,
mesmo desfiguradas hoje?
ÀS
suas religiosas dizia: "Vossa ocupação primordial é ter grande cuidado com
os pobres, que são nossos senhores. Ó, sim, irmãs minhas, eles são nossos
senhores". (citado por Daniel Rops) . Como se verifica, é um trágico
equívoco atribuir tão só a Puebla a "opção pelos pobres".
Das
mulheres da nobreza e da burguesia não pleiteou recursos, mas trabalho. Com
Luísa de Marillac, como ele canonizada, fundou as Damas de Caridade. Foi assim
que elas descobriram o povo, além de seus criados e camareiras. É o pai da
previdência social. Considerá-lo um bondoso esmoler seria apenas caricaturá-lo.
Morto em 1660, S. Vicente de Paulo continua vivo em suas obras, obras de misericórdia,
a respeito das quais, ainda agora, na encíclica Dives in miserícordia, João
Paulo II teve a ousadia de lembrar que são mais importantes do que a justiça,
consenso humano.
VICENTINOS
A
palavra vicentino tornou-se sinônimo de misericordioso, em seu sentido lato, oposto,
portanto, ao mero paternalismo ou assistencialismo. A imagem do Bom Samaritano
ou do Pai do Filho Pródigo, para voltarmos à encíclica. Frederico Ozanam, jovem
estudante em Paris e depois professor na Sorbonne, contemporâneo de Marx, o
redescobriu no calor das lutas sociais do proletariado nascente, ao fundar as
Conferências de Caridade ou Sociedade de S. Vicente de Paulo. Vamos aos pobres,
era seu lema.
No
Brasil, o regalismo do Império, vindo em linha reta de Pombal (expulsão dos jesuítas),
e tão severo com as ordens religiosas, abriu exceção para os vicentinos.
Vieram
as irmãs de caridade - nome genérico das várias congregações - para os hospitais
e primeiros colégios femininos, como o Patrocínio de Itú. Vieram os Lazaristas e
sua obra pioneira foi o Colégio do Caraça. Melhor que os capuchinhos, vindos
ainda no tempo de dom João V e dedicados à pregação popular preencheram o vazio
intelectual deixado pela expulsão dos jesuítas. E tudo se ampliou com a
Republica leiga, até a atual crise da Igreja, que é uma crise "de
dentro".
Mas,
foram os confrades vicentinos, os discípulos leigos de S. Vicente de Paulo, ao
lado das Damas¹ de Caridade, que exerceram ação duradoura no campo da promoção humana.
Fundada a primeira Conferência, no Rio de Janeiro, no auge da Questão
Religiosa, eles elas estão nas origens da quase totalidade de nossas obras sociais.
Em São Paulo, por exemplo, foram os fundadores, com a construção do Liceu
Coração de Jesus, do ensino profissionalizante, portando da formação da
mão-de-obra qualificada exigida pela industrialização. O seu segredo, o segredo
de S. Vicente de Paulo, e por isso a iconografia o representa conduzindo pela
mão uma criança desvalida, está em ver no pobre uma pessoa - outro Cristo - e
não apenas uma classe social que aspire à socialização da pobreza ...
HÉLIO DAMANTE
Confrade vicentino, foi uma
das mais esclarecidas figuras do
jornalismo contemporâneo.
Homem de Letras, culto, ilustre e
preclaro, membro de várias
entidades literárias.
A sua modéstia, humildade e simplicidade
o conduziram ao
mais alto posto onde são
colocadas as criaturas que cultivam
tais virtudes.
Atuou no jornal o Estado de
São Paulo por mais de 50 anos,
onde durante muitos anos assinou a coluna
Movimento Religi-
oso.
Faleceu em 02/12/2002.
¹) L'etat c'est moi - O Estado sou eu - Rei Luiz XIV
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As delicadezas do amor...
Ao
servir os pobres!
São Vicente de Paulo, com uma delicadeza surpreendente, sugere e insinua para os
membros da primeira Confraria da Caridade, aos 24 de novembro de 1617, como
deveriam servir os Pobres.
"Aquela que estiver de dia, pedirá à tesoureira aquilo que será necessário para a comida dos Pobres naquele dia; preparará a comida e levará aos doentes; aproximar-se-á, saudando-os caridosa e alegremente; arrumará a mesinha na cama, colocando
uma toalha por cima, um copo, uma colher e pão, e fará com que os doentes lavem as mãos; rezará a "Bênção"; colocará a sopa numa tigela e a carne num prato, acomodando tudo na mencionada mesinha; em seguida convidará carinhosamente o doente a comer, por amor a Jesus Cristo e a sua Santa Mãe, tudo isso ,como se estivesse fazendo a seu Filho, ou melhor, que considera. como feito a Ele mesmo, o bem que se faz aos Pobres. Citar-Ihe-á algumas pequenas palavras de Nosso Senhor, com esse sentimento procurará consolar, se o doente estiver por acaso desanimado; às vezes cortar-Ihe-á a carne, dar-Ihe-á de beber, e tendo assim disposto doente a comer, se tiver alguém junto dele, deixá-Io-á e irá atender o outro, tratando-o da mesma maneira, lembrando-se de começar sempre por aqueles que têm companhia em casa e de acabar pelos que vivem sós, a fim de poder ficar junto deles por mais tempo; voltará à tarde, trazendo o jantar com o mesmo preparativo e ordem como acima".
Comentário do C.Metropolitano de São Paulo:
"Vai, e também tu, faze o mesmo" (Lc 10.37)
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