FREDERICO
OZANAM
E
A POESIA
Não se sentia OZanam muito atraído pelo exercício da
profissão de advogado que abraçara para atender, humilde- mente, com respeitoso
amor filial, à vontade paterna.
Duas paixões dominavam sua alma de eleito: a literatura e a
caridade. Através da literatura e da caridade, fazer a apologia do
cristianismo, reconduzir a Deus os homens sem fé e lutar pela paz social. É
que, escreveu seu irmão Carlos, o propósito dos seus estudos, de seus
ensinamentos, das manifestações do seu talento e da sua sensibilidade, visavam
unicamente ao esclarecimento das inteligências onde as sombras da dúvida haviam
penetrado e de preservar dessa desgraça aqueles cuja fé não havia, sido
abalada", e que, "a sua paixão pelas letras era um meio para
desenvolver a inteligência e por consequência despertar e firmar a fé nas
almas, como sua paixão pelos pobres um meio para conjurar a guerra entre o rico
e o indigente.
Seus estudos não deixaram, porém, de ser brilhantes e neles
se notabilizou. Voltando, já Doutor em Direito, a Lyon, ali logo depois
assumia, como seu primeiro titular, a cátedra de Direito Comercial. As suas
lições, sobre o trabalho, por exemplo, são ainda um repositório de magníficos
ensinamentos, impregnados dos mais cristãos preceitos de Ação Social de que foi
grande precursor e paladino.
Antes de entregar-se à cátedra, ainda estudante, receava não
poder dar ampla expansão à sua verdadeira vocação. A Insegurança na escolha do
caminho que deveria trilhar o fazia sofrer.
Quando procurou obter, de seu amado progenitor, permissão
para continuar em Paris visando ao Doutorado em Direito, escreveu ao seu
amigo Lallier:
"Mais do que nunca volveram-me à mente todas as
incertezas, as ambições literárias, o desejo de praticar o bem".
Receava ele que a necessidade que viria sentir de trabalhar
para poder viver, limitaria a possibilidade da realização plena da sua vocação.
Pouco antes de terminar seus estudos, escreveu ao seu bom
amigo lionês, o poeta Dufieux: "É certo que vou deixar Paris para sempre
dentro de cinco ou seis meses. Mas, que farei em Lyon? Eis o ponto para o qual
convergem todas as minhas Incertezas. Serei obrigado a advogar com afinco e no
entanto, pressinto que me será bem penoso ficar confinado no ambiente estreito
do foro." (carta de 8-12-1836).
"Como resolver-me a dar um eterno adeus às letras, essas
amigas tão severas que me fazem pagar tão caro sua familiaridade?" (idem).
Era mesmo irresistível a sua vocação literária. Resignado
pedia ao Deus que lhe revelasse o caminho a seguir. Suas orações foram ouvidas
e sua obra literária, já então iniciada com um brilho que provocava a admiração
de seus amigos, de seus contemporâneos e até de seus adversários na fé, pode
desenvolver-se em toda a sua plenitude ao voltar ele a Paris para assumir na
Sorbonne a cátedra de literatura estrangeira.
Sua imensa obra veio a constituir um monumento imperecível.
Mereceu por isso Ozanam que a Academia Francesa, três anos após a sua morte,
lhe conferisse o prêmio de alta literatura. Homenagem póstuma, mas justificada
pela palavra do acadêmico Villemain pelo motivo de que "A coroa do talento
não se une somente à pessoa viva do autor, mas acompanha sua memória, protege
sua família." E, continua Villemain: "línguas antigas, línguas
modernas, do Sul e do Norte, história de todos os tempos, literatura clássica
ou bárbara, nos seus variados graus, ciência do direito religioso e civil, estudo
das artes, tudo ele abraçava com um trabalho metódico e inspirado".
Ozanam foi também poeta. Amava a poesia no seu sentido mais
elevado e mais puro. E julgava indispensável a poesia em todas as manifestações
do espírito humano. Na mesma carta a seu amigo Duffieux, poeta, ele escrevia:
"Compreendes admiravelmente a poesia que se torna necessária aos homens de
hoje, e, mais ainda, a sentes. Não são mais cantos íntimos, solitários
colóquios da alma com a natureza e com Deus. Não são mais suspiros estéreis queixumes sem eco. São hinos fraternais,
compreensíveis, populares, impregnados do colorido da história, vivificados
pelo sopro interior da tradição, repleto desses três elementos sublimes: Fé,
Esperança e Caridade. Quando o homem se entrega às seduções do mundo exterior,
o primeiro movimento que a graça lhe inspira é a volta sobre si mesmo. Mas esse
movimento não é o último. Se o homem se detivesse na contemplação do próprio
eu, não passaria de um filosofo, isto é, bem pouca coisa. É preciso que, saindo
de si mesmo, remonte a Deus e que do Criador emane o amor puro e virtuoso das
criaturas. Eis o motivo pelo qual os
próprios religiosos contemplativos, embora exilados da nossa agitada sociedade,
não se sentem sós. Da meditação silenciosa de suas celas saem para orar e, quando
oram, rezam por todos, repetindo as preces que aqui repetimos·. A poesia deve
proceder da mesma forma. No seio das orgias pagãs, às quais se havia entregue,
um raio do alto a atingiu, e ela, envergonhada retirou-se para o deserto. Mas
nesse isolamento ela pôs em si mesma suas complacências e julgou poder
comunicar-se com Deus sem intérprete e sem véus. Tornou-se individualista e racionalista,
e com grande mágoa; a vimos deter-se a meio caminho na senda da verdade. É
preciso, contudo que ela reencete a marcha, que alguém a tome pela mão,
reconduzindo-a à sociedade dos homens e ao convívio dos crentes e que ao
batismo que a tornou cristã se venha juntar a comunhão santa que a transforme
em católica. Enfim, que, apoiando-se sobre a religião, avance à frente das
novas gerações e a guie com seus cânticos para uma gloriosa eternidade!
OUTROS CONCEITOS EXPENDEU OZANAM SOBRE A POESIA
A poesia é
essencialmente religiosa.
"A poesia na sua mais nobre manifestação é uma intuição
do infinito; é Deus perceptível na criação, o imutável destino do homem
apresentado em meio às vicissitudes da história. Por isso ela se apresenta na
viagem revestida de um caráter sacerdotal, misturando-se à, orações e ao ensino
religioso: é porque mesmo nos tempos da decadência, o maravilhoso permanece um
dos preceitos da arte poética”.
“É grande o número daqueles que hoje fazem da poesia, apenas
um negócio de arte e nela só veem uma beleza relativa, resultante da tríplice
harmonia dos pensamentos, dos pensamentos com as palavras, das palavras entre
si. Esses espíritos levianos não fazem conta, nem do valor lógico do
pensamento, nem do alcance moral da palavra. Para eles, a arte não é mais que um
gozo sem finalidade ulterior, porque a vida é um espetáculo sem significação
séria; eles permanecem cativos no mundo visível, cujo sensualismo e ceticismo
lhes fecham as saídas".
"Não é feita a poesia, como frequentemente se
acreditou, para o prazer de um pequeno número de privilegiados, nem mesmo para
o prazer dos povos. Pensais vós que a Providência teria suscitado tantos belos
gênios durante uma longa sequência de séculos sem outro desígnio que o de
divertir o gênero humano? Sem dúvida Deus, como todos os bons governos, cuida
dos prazeres públicos, mas para deles fazer meios de educação. É assim com as
festas religiosas e cívicas; são alegrias mas também ensinamentos. A poesia é
uma festa eterna, é o meio de educação mais poderoso, o ensinamento mais durável
que possa ser dado aos homens. A prosa dissolve-se e esquece-se; o verso se
mantém por sua forma medida e se conserva; ele se propaga por uma harmonia que
apreende o ouvido dos ignorantes; ele resume sob passagens vivas tudo o de que
se ocupou uma época. É por seus poemas que as sociedades sobrevivem."
Sobre a, sensibilidade artística de Ozanam, François Mejecaze,
profundo estudioso da sua obra literária e artística teve a oportunidade de
sintetizá-la nas seguintes palavras:
"A sensibilidade tão delicada e tão rica de Ozanam
encontra uma fonte de infinitos deleites em todos os domínios em que se
praticam as artes e na contemplação dos maravilhosos espetáculos da natureza.
Ozanam considera a arte como um meio de educação e de civilização das nações utilizado
pela Providência visando honrar Aquele que é perfeitamente belo como é bom e
verdadeiro. Do fundo da sua eternidade, ela provê igualmente ao desenvolvimento
das artes pela consolação e o prazer legítimo dos povos. O papel da arte
consiste ainda em receber a verdade ao sair da ciência, de reproduzi-la com o
esplendor do belo, afim de, propagá-la. primeiro e em seguida conservá-la,
porque, as obras excelentes começam pelo pensamento, é pela forma que
permanecem.”
"Quando, disse Ozanam, o pensamento se manifesta de
forma imperfeita, ele confunde-se logo: com essa imensidade de conhecimentos e
de opiniões que circulam como uma moeda corrente cuja efígie se apaga e cujo
peso se altera. O verdadeiro que nela se encontra, não atraindo a atenção dos
homens, acaba por perder-se: a beleza no contrário faz-se respeitar e não
permite que a esqueçam."
"A teoria da arte pela arte, sem outro fim ulterior que
o prazer, não pode ser sustentada. O artista deve, com efeito, visar,
representando a verdade, a um resultado moral e social; é o que torna seu esforço tão penoso e faz considerar
sua obra com desânimo. Um dos caracteres do gênio consiste "em nunca se
satisfazer, em nunca crer que fez o bastante pela expressão da ideia que o
preocupa e o arrebata."
Desde muito jovem Ozanam compôs versos. Entre os primeiros,
muitos em latim, como que para exercitar-se no conhecimento dessa língua afim
de melhor poder estudar as ciências e a história.
O seu professor de retórica, no colégio de Lyon,
orgulhava-se disso e dele, e conservou inúmeros dos seus trabalhos.
"Nessa grande coleção de versos constata-se uma variedade de tons.
Passa-se do idílio à elegia, da elegia ao ditirambo pindárico, quer dizer, a
poesia lírica de Píndaro."
Permitam-me os caros confrades que reproduza, em prosa e em
vernáculo, alguns dos versos de Ozanam, segundo a versão francesa de Legeay.
No tempo pascal sobre a antífona
“Regina Coeli”, laetare (ser feliz).
"O
Rainha coroada de estrelas brilhantes dos céus, põe fim
à tua tristeza, afasta o teu pesar para longe de teu
coração, e enxuga as lágrimas que banharam tua face. Que hoje toda a corte celeste aplauda; que as
mais arrebatadoras harmonias encantem os eleitos, e que
os coros dos anjos façam ouvir suas mais doces melodias.
E tu, ó Virgem, deixa enfim penetrar a alegria
em teu coração
por
tanto tempo dilacerado e não penses na tua dor senão
para melhor apreciar a felicidade de te livrares dela.
O homem
Deus que quis nascer de uma virgem imaculada
venceu
seus inimigos e lançou por terra a morte:
Ele
ressuscitou. Ele está de volta nos tabernáculos eternos
Ele te
precede na mansão de seu Pai, e Aquele a
quem tu
viste com tanta dor pregado numa cruz tinta
com seu
sangue, chama Sua Mãe para o seu lado.
Ele te
precede, ó Virgem; apressa-te em ir até Ele e,
cingida assim com a coroa do triunfo, vai
prodigalizar-lhe
tua
ternura na rutilante morada. Mas,o terna Mãe,
não
esqueças os que amaste aqui na terra;
digna-te
em pensar em nós; sê a interprete de nossos
anseios,
pois que um filho Todo-Poderoso nada pode
Oferecimento à sua
Mãe em louvor à Maria Santíssima.
Eu vi a
Virgem Santa em todo o seu esplendor.
Serafins
carregados dos tesouros do Senhor
sobre
ela espargiam tesouros de alegria;
E sua
fronte irradiava tão doce júbilo
Que
entre todos os santos ali reunidos
Nenhum
havia tão semelhante a Deus.
O
arcanjo que outrora lhe dera a nova,
que
daria a luz a um filho, mantinha-se diante dela,
de pé
e, abrindo suas asas de ouro, cantava.
E o coro
dos eleitos todo se agitava,
e, do
céu encantado enchendo os espaços,
mil
vozes repetiam: Salve, ó cheia de graça.
Sua última poesia, escreveu-a Ozanam em San Jacopo – Itália -
em fins de Julho de 1853. Recebera ele da "Academia
della Crusca" a honra insigne de ser admitido entre seus membros, honra raramente
concedida a escritores estrangeiros, por seus trabalhos sobre Dante.
Ele contemplava o mar, sua saúde parecia reflorescer, e esperava
sua cura para o outono que se aproximava. Eis os versos em tradução livre e que
resumem seus sofrimentos, sua resignação, suas esperanças, suas preocupações
com amigos, esposa e filha para alcançar a saúde.
Sobre
um recife longínquo nossa nau encalhada
Aguarda
a onda salvadora que reconduz ao porto.
E a
Madona, a quem o barco foi dedicado
Parece surda
aos nossos apelos, e o Menino Jesus dorme!
Entretanto
há doze anos, sob esse doce patrocínio,
Partíamos
de esperanças cheios; flores ornavam tua fronte.
E logo,
para encantar, para abençoar a viagem
Na popa
sentou-se um anginho louro.
Desde
então, o céu escureceu-se sobre nossas cabeças,
Os
ventos sacudiram nosso esquife noite e dia;
Mas
nunca vimos tão cruéis tempestades,
Climas
tão rigorosos que extinguissem o amor.
Não,
não, eu não quero temer sob vossa guarda,
Companheira
de exílio que Deus me preparou,
Já um
olhar clemente da Virgem nos acompanha
E logo
o Menino Jesus acordará.
E sua mão
nos tangendo para um mar calmo
Sem
medo e sem esforço alcançaremos enfim
O
litoral onde nossos amigos, multidão ardente e encantada
Avistarão
nossa vela e nos estenderão a mão.
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