Cântico: "A treze de maio..."
A IMACULADA CONCEIÇÃO
E A PIEDADE VICENTINA
O florão mais fulgente da coroa esplendida posta por
Deus em Maria Santíssima - foi, inquestionavelmente, o de "Concebida Sem
Pecado", privilégio este que A colocou, sozinha, junto de Seu Divino
Filho, como que a eximi-la da natureza humana decaída. Porque, Nossa Senhora,
como Nosso Senhor Jesus Cristo, se foi humana em Seu Corpo material e nele, e
por ele, sofreu todas as nossas
deficiências e limitações menos o pecado, não recebeu nele, nem por ele, o jugo
de Satanás, nem por um átimo sequer.
Foi a IMACULADA CONCEIÇÃO, por certo, uma exigência da
Maternidade Divina, pois os teólogos ensinam, com segurança, que a Mãe de Deus
não poderia nunca ser escrava do Demônio; mas esse privilégio da Maternidade
brilha menos porque nunca se despede das Dores imensas de Maria.
É a Virgindade perene, milagroso privilégio de Nossa
Senhora, única Virgem Mãe, única Virgem Puríssima, dentre quantas filhas de Eva
pretenderam e viveram na terra o mesmo voto de dedicação inteira a Deus, mas em
Maria a virtude da pureza tanto se exaltou porque Deus mesmo, querendo-a para
mãe e corredentora dos homens, fez dela sobretudo, o tipo ideal da virtude da
castidade, que avulta ao olhar menos apercebido.
Veio juntar-se a tanta glória, pela definição augusta do
Santo Pontífice, que ilumina o nosso tempo tão escurecido longe dele, a certeza
da Assunção ao Céu, pelas teorias dos Anjos e dos Arcanjos; mas este novo
privilégio é consequência necessária da Conceição lmaculada, porque o corpo que
não participará de nenhuma nódoa, que fora isento da mancha original até,
deveria não se decompor, conservando desde logo sua plena integridade nas luzes
do Céu e participante imediatamente da beatitude dos eleitos.
De tudo sobressai, assim, a preeminência de esplendor
da Imaculada Conceição da Virgem Santíssima, na coroa das glórias de Maria: é
natural, pois, que os mais chegados a Maria o sejam, principalmente, pelo amor
a sua excelsa singularidade como isenta do pecado original.
Os confrades vicentinos, por sua própria vocação, não
podem deixar de ver na Conceição Imaculada de Maria esse brilho singular.
Desde nossos primórdios, como sodalício, fomos
orientados nessa devoção particular, pela oração da "Ave Maria" com
que se abrem nossas reuniões, e é logo seguida da jaculatória: "o Maria, concebida sem pecado; rogai
por nós que recorremos a Vós!"; pela escolha da festa de 8 ele
Dezembro, à Virgem Imaculada, com que, iniciamos as assembleias gerais do nosso
ano litúrgico, pelas recomendações reiteradas do nosso benemérito fundador,
ANTÔNIO FREDERICO OZANAM, que tanto encareceu sempre o carinho filial que nos
deve aproximar de Nossa Senhora, principalmente sob a invocação de "Concebida sem pecado".
Em nossa vida social, para mantermos a ordem
sobrenatural de nossas Conferências, para conseguirmos a paciência, a justiça,
a ciência do bem que devemos levar às famílias que nos forem entregues, para nós
não tornarmos indignos da tarefa augusta de instrumentos, embora mesquinhos,
dos desígnios de Deus para salvação de tantos infelizes que não tem outro
apostolado a seu dispor, para nossa própria melhoria, que é base para qualquer
outra a melhor ação, é MARIA que está mais ao nosso alcance, é MARIA que nos
faz chegar a JESUS, é MARIA, nossa Mãe, que sentimos mais capaz de nos ouvir, compreender
e ajudar, é MARIA, que invocamos com a maior liberdade que os filhos usam com
suas mães da terra. E, entre todas as invocações da Mãe Celeste, parece-nos
mais próxima de nós, a da Sua Imaculada Conceição, talvez, paradoxalmente,
porque este seu privilégio A torna mais sobre excelente à miséria de nossa indignidade.
Mais uma vez o contraste aproxima, porque não é contraste que amedronte, mas
que é toda bondade, toda misericórdia, toda caridade, toda redenção.
Na faina diurna dos confrades vicentinos, em contato
direto com as necessidades de toda a espécie de que padecem nossos pobres,
sentimos imediatamente a sede de bondade, de segurança, de perfeição, de
confiança que caracterizam o que tem chamado "a nostalgia de Deus".
Criado para conhecer, amar e adorar a Deus, o homem voltou-lhe as costas quando
teve de mostrar-Lhe o acatamento devido, mas sofreu o estímulo da ambição, da
curiosidade, da vanglória, da presunção. Desde então, o castigo prometido
fulminou a espécie inteira e privou-a de seu destino divinal até a vinda do
Messias, que a magnanimidade do Criador assegurou desde então, condicionando-a
logo ao advento da Segunda Eva, d'Aquela que esmagaria a cabeça da Serpente
Infernal.
Sofrendo os trabalhos, as dores, a morte, a privação da
amizade de Deus, nunca mais o homem sentiu a paz dos primeiros dias, em que
Deus descia a conversar com ele e o enlevava de perfeição, porque, mesmo
realizada a Redenção, abertas de novo as portas do Céu, instituídos os
sacramentos para canais da Graça, a natureza decaída permaneceu como sofrera o
golpe do pecado, embora amparada pela esperança de um Paraíso a conquistar. É
esta a razão profunda da "Nostalgia de Deus", a certeza de que só Ele
é o bem que aspiramos e devemos ter, mas de que estamos privados e distanciados
pelas misérias que nos enfermam.
Ora, MARIA IMACULADA, nossa Mãe Celeste, Puríssima e
Toda Amor, é como que a projeção da humanidade em direção de Deus, é o gênero
humano redimido, é o remédio àquele anseio de perfeição que nos assoberba, é o modelo
inatingível, mas menos distanciado da nossa contingência porque é moderado por
um amor de mãe sobrenatural. É, pois, Nossa Senhora da Conceição, aquela
invocação que melhor corresponde às necessidades que sentimos por nossos
socorridos, quando parece que a humanidade chegou ao cúmulo das privações naturais
que julgamos ter atingido neles. E é a Ela, que recorremos com mais
oportunidade, é d'Ela que nos servimos com maior facilidade para remédio, é por
Ela que mais comumente encaminhamos os pobres ao Céu, pois é tão fácil, tão doce,
tão familiar, tão promissora a jaculatória que todos repetimos com tanta
confiança e amor: "Ó Maria, concebida
sem pecado: rogai
por nós que recorremos a Vós!"
Nem é por menos que a confiança n'Ela nos ampara. Já no
Paraíso, quando Deus castigou nossos primeiros pais, mas paternalmente lhes
prometeu a Salvação, esta foi assegurada mediante a intervenção da Mulher
Imaculada, "que esmagaria a cabeça da Serpente"; em Nazaré, Maria é
saudada pelo arcanjo "Cheia de Graça", plenitude esta que não haveria
se algum dia houvesse Ela estada sujeita ao domínio do Demônio; no Cenáculo,
após a Ascensão, é sobre sua cabeça, só, que o esplendor do Espírito Santo,
pousa, porque só Ela era "O bom pecado", só Ela capaz de receber, em
si Todo o Espírito Divino; e pela Assunção gloriosa Seu Corpo Imaculado deveria
ser afinal glorificado, como era mister.
Por tudo isso a predileção manifesta de Nossa Senhora
pela invocação de "Concebida Sem Pecado", é irrecusável. Seja em
Lourdes ou em Fátima, é como "A Imaculada Conceição que Maria Santíssima
se apresenta aos videntes privilegiados; seja em Lujan (na Argentina) ou em
nossa Aparecida, é como "A Imaculada Conceição" que Ela é venerada,
suplicada, e proclamada Rainha e Mãe; seja pela palavra infalível de PIO IX, em
1854, pela adesão calorosa de São Pio X, em 1904, ou pela exortação às glorias
da "Concebida sem Pecado", "Assunta em Corpo e Alma aos
Céus", do Pontífice Reinante, Pio XII, de ilustríssima quão gloriosíssima
memória, ou seja enfim, nas súplicas humilíssimas e confiantes quando podem ser
as dos nossos pobres e dos nossos confrades, num coro que sobe de cada reunião,
de cada visita, de cada necessidade sentida, de cada graça alcançada, é qual
Nossa Senhora da Conceição, é qual Maria Concebida Sem Pecado, é qual Nossa
Senhora Imaculada, que o Orbe Católico invoca a Mãe de Deus e Nossa como
"Medianeira de todas as Graças", como degrau que nos aproxima do
Senhor.
Cfd. CARLOS DE MORAES ANDRADE
Artigo publicado na Circular Periódica do Conselho Metropolitano de São Paulo, por ocasião do 1º CENTENÁRIO DA PROCLAMAÇÃO DO DOGMA DA IMACULADA CONCEIÇÃO!
1854 - 1954.
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