Ozanam
O
Apóstolo da Caridade
()()()()()()()
Bem
antes da fundação da Sociedade de São Vicente de Paulo, um dos aspectos mais
atraentes de OZANAM é o sentimento inato para o exercício do apostolado da
caridade.
Apenas
saído do Colégio Real de Lyon, já dizia de sua intenção de reunir alguns
companheiros para o estudo da religião.
Em
1831, ainda em Lyon escrevia a FORTOUL que o
Padre NOIROT lhe assegurara que “certamente, encontraria jovens
estudiosos, aptos a auxilia-lo com sua cooperação e conselho” (8).
Assim
que ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Paris, fez-se amigo de
outros jovens católicos, com os quais conviveu intimamente. As questões
religiosas os uniam.
Para
OZANAM, particularmente, “Ciência e Catolicismo constituíam seu único consolo”,
conforme confidenciava a FALCONNET em carta de 18 de dezembro de 1831 (9). E na
mesma carta dizia: “Você não faz ideia do quanto que eu desejaria de estar
rodeado de jovens que possuem os mesmos sentimentos e pensamentos que eu tenho.
Sei muito bem que eles existem e, em grande quantidade, mas eles estão diluídos
como ouro em uma montanha de terra. É uma tarefa muito difícil para quem deseja
reuni-los em torno de um único objetivo”. (9).
Os
tempos mudaram, mas neste particular, não muito. Não é hoje idêntica a situação
de nossa juventude, principalmente a universitária? Mas inúmeras Faculdades de
ensino superior, espalhadas por todo este país, existem, sem dúvida, numerosos
jovens estudiosos, interessados no estudo da religião, dispostos mesmos a se
aliciarem sob uma bandeira. Mas faltam os OZANAMS para reuni-los, para
entusiasmá-los, para convence-los a colocar-se sob o amparo da caridade! Como
encontra-los? Primeiro é preciso formá-los e isto, pelo menos nos tempos
atuais, somente será possível dentro das Conferências Vicentinas.
Multipliquemo-las e transformemo-las em centros dinâmicos de estudo. É
indispensável dar uma nova dimensão à vida das Conferências Vicentinas. A sua
tônica não poderá ser mais a de meros centros de distribuição de socorros, mas
estender-se muito além, para atender ao ideal intelectual de OZANAM, que
abrangia todos os pobres, tanto indigentes, como não indigentes. Por que não
dinamizarmos nossas Conferências Vicentinas, introduzindo nelas círculos
vicentinos de estudo para tratar da religião, das vidas de SÃO VICENTE e de
OZANAM, das modernas modalidades de promoção do socorrido, dos problemas de
justiça social e como resolve-los, procurando nelas, diretrizes para nossas próprias
vidas? Voltaríamos então aos tempos de OZANAM, i. é., as origens da Sociedade
de São Vicente de Paulo.
Este
é um ponto importante para meditação dos nossos vicentinos, jovens e adultos. O
exemplo de OZANAM é magnífico!
A
personalidade forte de OZANAM atraia seus companheiros. Entre os estudantes que
se agrupavam ao redor de OZANAM na Conferência de História havia dois: LAMACHE
e LALIER, que formavam com ele uma espécie de diretório chamado “comissão de
estudos”.
É
conhecida esta passagem da vida de OZANAM. Não obstante, recordemo-la.
Ao
receber o desafio do participante da Conferência de História, (Broet) OZANAM retirou-se
pensativo, refletindo na justeza da crítica que seus adversários lhes haviam
lançado. Encontrou no limiar de sua porta, LE TAILLANDIER profundamente
afetado, ele também pelo que acabava de ouvir. Que será necessário para fazer
para sermos verdadeiramente católicos, perguntava-se?... “Não falemos tanto de
caridade... antes, façamos e socorramos os pobres! Na mesma noite, com vergonha
de ter compreendido tão tarde a caridade prática, ambos levaram por suas
próprias mãos a um pobre de seu conhecimento um pouco de lenha que lhes restava
para se aquecerem durante os últimos dias do inverno”. (8). Eis já realizada,
antes mesmo de ter sido formulada a ideia mãe de onde iria nascer, algumas
semanas mais tarde, a Sociedade de São Vicente de Paulo. Viver a Caridade, sim,
e vive-la intensamente, evangelicamente!
Aqui vemos
a justeza do conceito que muito mais tarde seria expendido por DODIN (4). “A
Sociedade de São Vicente de Paulo não surgiu do nada, como um cogumelo depois
de uma tempestade. Primeiro nasceu de uma experiência religiosa,
singularmente contagiante: a de
FREDERICO OZANAM; segundo, foi progressivamente formulando e esclarecendo sua
finalidade; terceiro, diversificou suas formas de ação utilizando métodos e técnicas
novas e, especialmente nos países em vias de desenvolvimento, manifestou uma
vontade de progresso e crescimento, que provoca a reflexão e até confusão no
velho continente europeu”.
Vale
a pena, a meu ver, nos deter um pouco mais nesta informação do Pe. DODIN.
Lembremo-nos que aquela primeira visita de OZANAM e LE TAILLANDIER à casa do
pobre, se realizou como disse, antes de ser fundada a 1ª. Conferência
Vicentina. Foi, sem dúvida, o fruto da experiência religiosa de OZANAM. Ele não
foi sozinho, mas reuniu-se a um de seus diletos companheiros. O espírito da
futura Sociedade de São Vicente de Paulo achava-se implícito nesse simples ato
de atendimento às necessidades de um pobre. O ideal de caridade já se
desenvolvia na alma de OZANAM. Foi necessário um estímulo, um desafio para que
de imediato pusesse em prática esse mesmo ideal. A situação da Igreja impunha
uma atitude decidida dos católicos.
Naqueles
tempos, o ambiente sob certo ponto era mais favorável, pois a Igreja era
atacada. Ela era diretamente visada pelos adversários. Combatiam-na de frente.
Hoje isso não mais acontece. Não vemos ataques diretos à Igreja. Ela não é
ofendida, mas simplesmente desconsiderada. Para muitos, a Igreja não existe.
Mas por outro lado ela ainda, como instituição divina que é, constitui para
muitos uma dificuldade a ser contornada. Fingem desconhece-la, mas, com ela se
preocupam. Parece mesmo, que nunca se falou tanto na Igreja quanto agora! Os grandes
jornais, diariamente, trazem algo que com ela se relaciona. Para tornar pouco
transparente o ambiente dos dias atuais, vieram as divergências de opiniões e
interesses, gerando desconfiança entre os próprios católicos. E a imprensa
acolhe com certa astúcia, esse desentendimento entre eles. É dentro dessa
atmosfera de tensão que teremos de promover, cada vez mais acentuadamente, o
ideal de OZANAM: “Votar nossos dias ao serviço da verdade”.
Somente
a nossa fidelidade a esse ideal é que poderá dar resposta à pergunta do Revdo.
Pe. DODIN: “Como explicar esta continuidade de desenvolvimento que se
caracteriza por uma surpreendente e inesperada capacidade de adaptação?”
Adotamos a própria resposta dada pelo Pe. DODIN: “Este pequeno prodígio de
conservação e de desenvolvimento contínuo, só se pode explicar pela presença de
uma realidade viva, dotada de um permanente poder de criação. Esta realidade é
o que chamamos espírito das Conferências de São Vicente de Paulo”.
E
continua o ilustre Padre da Missão: “Qual é a originalidade deste espírito? De
onde vem sua força regeneradora? Todo grupo humano se define exatamente a
partir da síntese ou mistura que se obtém entre seus variados elementos
constituídos:
• entre seu
ideal e sua finalidade concreta;
• sua função
e o ritmo de sua atividade;
• sua coesão
hierárquica e a interdependência entre seus membros”.
Realmente,
foi esse mesmo ideal que OZANAM cultivou desde os tempos do Liceu. Ideal desinteressado, que o levava, sem mesmo sentir, a admitir que eram
sublimadas em São Vicente de Paulo; foi esse
mesmo ideal que o norteou a, juntamente com seus companheiros, que por ele se
achavam de há muito
influenciados a fundar a Sociedade de São Vicente de Paulo.
HUMILDADE
DE OZANAM
Mas
estes primórdios da Sociedade de São Vicente de Paulo oferecem-nos outros
pontos importantes para meditação. Na célebre reunião da Conferência de
História, foi manifesta a humildade de OZANAM, quando não revidou como era do seu
temperamento, o desafio de seu colega de faculdade de nome Broet.
Reconheceu que lhe faltavam elementos para uma
justificativa plena. Outro ponto, talvez o mais importante: “não falar tanto de
caridade... mas vivê-la”. E como soube ele viver a sua caridade! Apenas seguiu
a São Vicente de Paulo que nos mostrou, pelas obras, a extensão de sua
caridade!. E nós que nos julgamos seguidores de São Vicente de Paulo e de
OZANAM, que temos feito, mesmo em nossas Conferências, para viver realmente a caridade? Que temos feito para imitar
esse homem, OZANAM, que no dizer do papa Pio XII (10), foi notável por sua
doutrina e sua piedade, cuja memória estimula cada vez mais e cada dia mais
entre os cristãos, o zelo e a caridade.
Queremos ver no nosso socorrido o
próprio Cristo, mas fazemos isto lhe dando apenas o suficiente para subsistir e
dispensando-lhe alguns momentos de nossa companhia um dia da semana? E nos
outros seis dias, que fará o necessitado? Sejamos mais realistas. Julgamos ter
cumprido o nosso dever visitando o socorrido, levando-lhe o auxílio material,
apenas suficiente para um dia. Nos seis dias restantes da semana... o pobre que
se arranje! E como ele se mantém? Ficando na porta das igrejas com a mão
estendida para receber alguns centavos, e depois ser caçado pela polícia e ser
preso? Ou se disso não for capaz, mandará suas filhas e quem sabe a própria
esposa, vender seu corpo? Ou ainda, transformando, ele e os filhos pequenos nos
trombadinhas que irão roubar para sobreviver? São questões que OZANAM também
deve ter posto aos seus companheiros. Na sua época acho que não havia
trombadinha, mas era terrível a exploração dos menores nas fábricas, para
apenas citar um exemplo cruel. E como ele lutou, reivindicando a justiça social
até que a lei viesse regularizar esse aspecto mórbido da sociedade de então.
E
se julgarmos pelo que se passa hoje em nossas Conferências, se verá com
profunda tristeza como OZANAM é desconhecido dos próprios confrades e
consocias! Ainda atual é a frase marcante de LEPETIT(5): “Mas, admitamos pois é
a pura verdade, entre a geração atual, muitos ignoram OZANAM e, perdoai-me ao
dizer aqui, mesmo entre os confrades de vossa Sociedade; ou mesmo, muitos o
desconhecem completamente. Uma grande revista parisiense, em 1953, escrevia
sobre o assunto: “Não é absolutamente o que tantos entre nós imaginam, um velho
professor de porte modesto e burguês, votado às boas obras e autor de livros
sábios que não se leem mais(6)”. Isto foi escrito por ocasião das comemorações
do centenário da morte de OZANAM. Sejamos honesto: a situação de hoje é
diferente? Como vemos, é importante que conheçamos mais OZANAM, que foi
“primeiramente o apóstolo, apóstolo da caridade e da justiça social”. Mártir:
nas suas cartas vê-se muitas vezes que ele desejava o martírio e, se ele não
foi mártir desta justiça social nas barricadas de 1848, foi somente por
obediência ao seu Arcebispo que, diante da evidência do perigo imediato e
sangrento, teimou em apresentar-se sozinho diante dos que se rebelaram contra o
regime. Confessor da fé, ele foi diante de todos, cristãos e incrédulos, ricos
e pobres, sábios da Sorbona e deserdados do Quartier Mouffetard. Ele pode ser
escolhido como modelo acabado para todos os jovens da atualidade. Mas quando
ele entra nos 38 anos de vida, na via do purgatório da moléstia, torna-se o
exemplo das almas elevadas que sabem o preço inestimável de todo sofrimento
unido ao do Calvário. (JANVIER)(7)
Não
devemos esquecer que “se a obra de caridade que OZANAM fundou com alguns amigos
em 1833, no começo alguma coisa de muito humilde, se seu fundador é despojado
de toda a ambição pessoal, todavia, mesmo no seu princípio sem brilho, ela nada
tem de mirrado, nem de fraco, porque a ideia que OZANAM tem da caridade, não é
bem a da caridade comum, no sentido pleno da palavra; a caridade para ele não
se reduz à esmola nem mesmo ao que os textos tradicionais designam pelo termo
mais geral de misericórdia corporal; a elevação dos espíritos, e ascensão das
almas está sempre, mesmo implicitamente, no primeiro plano de suas
preocupações, e eis o que explica que, ultrapassando a esfera dos pequenos aos
quais ia sua solicitude de visitador dos pobres da Sociedade de São Vicente de
Paulo, teve a preocupação da indigência ou dos bens espirituais de muitos de
seus contemporâneos para os quais a caridade do apostolado cristão não se podia
exercer senão pela via intelectual e era para eles que ele concebeu esta
fundação, toda diferente, mas pelo espírito semelhante ao das Conferências da
Sociedade de São Vicente de Paulo; as Conferências de Notre Dame, das quais ele
não é evidentemente o fundador pois que elas não podiam ser e não o foram
efetivamente instituídas senão pela hierarquia da Igreja, mas das quais bem se
pode dizer e se deve dizer que ele foi o primeiro chefe iniciador”. ( ZEILLER, J.)(11).
Por
outro lado, se a caridade não foi, jamais, para OZANAM, restrita à esmola
material e nem ao socorro à vida corporal, ele não reduziu seu ideal de
servidor dos que sofrem com a miséria, com o auxílio, que ele podia com seus amigos, levar-lhes pela
sua vontade, mesmo a mais engenhosa, mas que permanecia, pelo tratamento do mal
social, no domínio dos paliativos. Foi, no seu tempo, um dos homens, um dos
primeiros, talvez o primeiro, que viu e ousou dizer que havia na sociedade
civil, tal como era transformada sob a influência do movimento industrial e de
causas ligadas à indústria, um mal profundo, que não seria curado pelas manifestações da solicitude,
mesmo a mais sincera e a mais testemunhada pelas vítimas deste mal e que
necessitaria de remédios maiores (LEPETIT) (8).
No
jornal “Ère Nouvelle” (Nova Era), batalhava por uma ordem social justa. Chamava
os cristãos ao que ele denominava de “cruzada da caridade” e ao mesmo tempo
animava-os a ter uma concepção mais justa das relações sociais. Como dizia
LACORDAIRE, ele e OZANAM saudavam as transformações em vias de se elaborarem
com e após a Revolução de 1848, um encaminhamento “para uma melhor distribuição
dos elementos sociais, arrancando de uma classe que muito tendia a dominar com
exclusividade os interesses, a idéias e os costumes”.
Tanto
assim que 10 anos antes, no seu curso de Direito Comercial professado em Lyon
em 1840, OZANAM havia já dito: “A caridade é o samaritano que verte o óleo nas
chagas do viajante atacado. Compete à justiça prevenir os ataques”. E ele não
hesita em declarar nos artigos na “Ère Nouvelle” que “os cristãos se enganam
acreditando-se quites com o próximo quando cuidaram dos indigentes como se não
houvesse uma classe imensa de indigentes, mas pobres que não querem esmolas nas
instituições”. (ZEILLER, J.) (11)
O
movimento social atraia as idéias de OZANAM. Em seu curso de Lyon havia já
preconizado o salário familiar, o seguro contra a invalidez e a aposentadoria
para a velhice. Não parece um profeta dos tempos novos e um precursor das
Encíclicas de Leão XIII e de um Pio XI?
Devido
às suas idéias avançadas OZANAM sofreu muito. E ao sofrimento do espírito não
tardaria a ajuntar-se o sofrimento de um corpo que a moléstia ia logo arruinar,
com a tristeza de sentir sua saúde gravemente atingida e finalmente perdida e
de dever abandonar progressivamente as atividades que lhe eram mais queridas.
O
terceiro aspecto da grandeza de OZANAM e o terceiro dos testemunhos que ele
prestou foram o testemunho votado à verdade por seu ensino e sua obra
intelectual, testemunho da caridade por sua vida de devotamente agindo junto ao
próximo, como por seus combates pela justiça social e sua cruzada da caridade,
testemunho enfim do sofrimento da maturidade. É por aí, talvez, que um cristão
pode mostrar-se maior, pois que ele avança por sua vez na vida que o Cristo
quis seguir para salvar o mundo. (ZEILLER, J.) (13).
APRENDENDO COM OZANAM
Quantos
ensinamentos a tirar da vida de um homem cuja profissão consistiu, com efeito,
em ensinar, mas que ensinou tanto por sua ação como por sua paciência, quando a
ação lhe foi impedida ou restrita! Recolhamos, pois, para lição nossa e
formação, esse triplo testemunho.
O
testemunho do sofrimento aceito, depois transfigurado, para todos aqueles
dentre nós a quem ele pode ser imposto, para uns, somente penoso, para outros, desumano.
O
testemunho da verdade, mesmo sobre o plano da ação caritativa que é o nosso,
como confrades e consócias de São Vicente de Paulo, nos impõe um dever de
guardar nessa mesma ação uma visão objetiva, de saber reconhecer as práticas
que não são corretas, para substituí-las por outras melhores e de
qualidade e, principalmente, ver e
dizer, como fez OZANAM, o que, na evolução dos acontecimentos do mundo, é não
somente doloroso, mas condenável, como os egoísmos que recuam diante de um
sacrifício material que lhes custa muito ou que levam à exploração do próximo,
por exemplo, em matéria de habitação, a
excessos que clamam vingança ao céu.
Admite-se
que o testemunho da caridade é hoje de primeira ordem. Certamente, será preciso
dizê-lo, que a ação caritativa de um membro da Sociedade de São Vicente de
Paulo é infinitamente modesta; mas devemos nos esforças para que ela não o seja
demasiado, e por exemplo, não se deveria contentar, nas coletas durante as
reuniões das Conferências, de uma oferta irrisória. É também preciso usar no atendimento ao próximo de um zelo e uma
engenhosidade incessantemente alertas, susceptíveis de chegar a alguns
resultados positivos.
Mas
existe mais e a outra coisa a dizer aqui: o que mais faz falta ao mundo de hoje
é um clima de caridade, uma vez que não somente o ódio nele é praticado, mas é,
também, pregado; muitos fazem dele uma virtude, o que sem dúvida é suficiente
para julgar sua doutrina. Se opusermos o amor ao ódio, ou antes, se, sem
proclamar essa oposição, procurarmos, em face do ódio, praticar o amor,
espalha-lo pelo exemplo, fazer-lhe sentir o benefício, nós faremos, mesmo nessa
esfera muito limitada que é a nossa, pela nossa parte muito pequena, o que é
melhor para o mundo presente. (ZEILLER, J.) (14)
OZANAM
era essencialmente, na sua vida profissional, um teórico. Professor de
Literatura, habituou-se a pesquisar nos textos originais os elementos
essenciais para fundamentar suas aulas magistrais. Mesmo na investigação
científica, a que devotou grande parte de sua vida, como seja o estudo de
Dante, OZANAM procurou não se afastar da realidade. Assim, ao nosso ver, se
poderia explicar a adoção imediata, repentina quase, de concretizar a idéia
extraordinária de mostrar aos adversários as realizações da Igreja. Não se
tratava, por certo, de apenas atender a um desafio, mas muito mais, foi
estabelecer uma ponte entre seu ideal e sua finalidade concreta. Por outro
lado, a ocasião era, por demais, propícia para colocar-se inteiramente, ao
serviço da humanidade sofredora. Era atender os pobres que se achavam relegado
ao abandono.
E
aqui aparece, ao lado de OZANAM e de seus companheiros a admirável, IRMÃ
ROSALIA.
Foi
a conselho de BAILLY que OZANAM procurou esta alma apostólica, que passou a
constituir na realidade, a mestre dos noviços dos novos missionários da
caridade. De coração largamente aberto a todos os sofrimentos, recebia a todos,
principalmente, a estudantes em dificuldades que iam até seu pequeno escritório
da rua Monffetard para pedir orientação, recomendação e mesmo auxílios
materiais.
De
DESMET (1), seu biógrafo, retiramos as seguintes notas: “OZANAM conhecia o
caminho. Ela lhe havia dito um dia, conhecendo as delicadezas de sua bela alma
sensível, que o expunham a uma excessiva liberalidade: “Meu filho, o que digo
aos seus amigos, não tenho necessidade de dizer a você. Graças a Deus, você
compreende o Pobre, como se deve. Mas temo pelos excessos de seu bom coração.
Escute esta história: e Irmã ROSALIA lhe contou a história pouco comum de um
jovem que tinha, ele também, demasiado bom coração e que na véspera havia dado
tudo que possuía. Ora, na mesma manhã, um visitante o havia surpreendido ainda
na cama. Era um pobre desgraçado, seminu, maltrapilho, em estado lastimável;
não escutando senão seu bom coração deu-lhe a única coisa que lhe restava, seu
hábito, que vestiu completamente. SÃO MARTINHO teria feito melhor? Mas, então,
ele precisou enviar a Irmã ROSALIA uma mensagem e implorar seu socorro para
sair do embaraço. E logo Irmã ROSALIA se pôs, sem demora, a socorrer o
infortunado. Mas enviando-lhe um pacote com as roupas, acrescentou este
bilhete: “Meu pobre amigo, se um dia você vier a ser bispo, você dará a sua
cruz e a sua mitra!”. Realmente, tratava-se de M. DUPUCH que se tornou mais
tarde bispo de Alger.
A
lição era para OZANAM e a Irmã ROSALIA disse-lhe isso com um sorriso malicioso.
Ela tinha o dom da profecia. O jovem, realmente, tornou-se bispo e conservando
em seu episcopado o hábito de dar sem calcular, aconteceu, à força de
generosidade, ter de esposar a santa pobreza e dar sua cruz e sua mitra.
OZANAM
vinha voluntariamente à Epée-de-Bois, ao santuário da caridade. Saindo de casa
de BAILLY sob a emoção das últimas discussões da Conferência de História, foi
procurar junto da Irmã ROSALIA os conselhos que comportavam as circunstâncias.
Veio com LE TAILLANDIER e, então, se decidiu que, para responder ao desafio da
Conferência de História, iniciaria qualquer obra, das que dão mais alegria a
Nosso Senhor, uma obra de caridade. Levariam os socorros aos pobres; e aos
socorros materiais ajuntariam uma simpatia cordial, nas visitas pessoais,
amigas e fraternas.
O
caminho entre a Sorbona e a rua da Epée-de-Bois foi mais que nunca conhecido e
frequentado. Irmã ROSALIA teve a alegria de ver reunirem-se, as vezes, na sua casa, os primeiros
Confrades de São Vicente de Paulo, de
encontrar entre eles um jovem que tinha o nome dos
Rendu e de presenciar que o belo fogo da caridade se avivava e se propagava. Os
jovens vinham até ela em grupo; vinham, também, individualmente, procurar
recomendações e reconforto. Levavam ensinamentos e ordens de serviço e
espalhavam-se pelas rua do distrito.
A
experiência de Irmã ROSALIA que conhecia bem sua “Diocese” lhes foi de um preço
inestimável. Ela orientou seu apostolado, guiou suas idas e vindas no distrito,
deu-lhes endereços, bem escolhidos, famílias necessitadas, o “Banco da
Providência” que tinha sua sede na rua da Epée-de-Bois teve, também, de
funcionar nestes começos. Ela teve de reforçar generosamente a caixa da
Conferência, que simplesmente alimentada pela coleta semanal, não era rica. O
“Banco” funcionava, pois, nestes dias.
Onde iam procurar fundos? Não sabiam! Eles vinham de toda a parte. A
Providência recrutava de toda a parte os doadores. E a casa da rua Epée-de-Bois
exercia esta misteriosa atração que fazia nascer sempre uma heróica caridade
ascendente. Os socorros chegavam nos momentos de necessidade. E Irmã ROSALIA
dava, e dava sempre sem medida; isto se diluía na mão dos pobres Os Confrades
da Conferência se beneficiaram no início de um grande crédito e puderam
distribuir no quarteirão, abundantes esmolas.
Com
suas esmolas, era, também, um pouco de sua cultura e de sua distinção que eles
davam. A cultura do Quartier Latin, afinada de toda a distinção de belas almas
de cristãos, ia para o futuro levar sua beleza ao Quartier Mouffetard, na cara
“Diocese” de Irmã ROSALIA. OZANAM leva-lhe sua alma poética e realista ao mesmo
tempo, sua fronte majestosa de pensador profundo e de apóstolo, mas, também,
seu “sorriso irresistível” de jovem piedoso e em intimidade com Deus. Em
compensação, todos estes humildes condutores da Mensagem Cristã fariam, no seio
da miséria do pobre povo, a descoberta de uma riqueza de sentimentos que os
edificaria e os enriqueceria: espontaneidade, nobreza, grandeza de alma, eles
descobriram entre os pobres, toda esta beleza amoral durante suas visitas.
Havia então uma troca feliz de bons serviços, em que os Confrades seriam, talvez,
os que mais lucravam. A prática da caridade desenvolvia neles o espírito da fé,
preservava e elevava suas almas.
A
influência da Irmã ROSALIA foi, não poucas vezes, decisiva sobre o
desenvolvimento da nova Sociedade de São Vicente de Paulo. No momento crucial
em que se debatia o desdobramento da primeira Conferência, como vimos,
preponderou à opinião de OZANAM que assim teve ensejo de manter a unidade entre
as Conferências. O debate que foi “rude, obstinado, prolongado, cessou quando o
autor da proposta, LE PREVOST, afirmou que a ideia não era dele, mas provinha
da Irmã ROSALIA. O efeito foi
fulminante: o nome da Irmã ROSALIA fez cessar todas as oposições. Seu conselho
foi adotado”. DESMET(1).
O
inestimável auxílio da Irmã ROSALIA não se reduziu aos conselhos e mesmo
distribuição de serviços. Havia no seu trabalho verdadeiras lições de
apostolado da caridade que foram guias inestimáveis para os novos Confrades que
frequentavam o escritório da rua Epée-de Bois. Eis apenas um dos muitos
exemplos que colhemos em DESMET²: “Entre seus visitantes distinguiu um que ela
conhecia bem e ao qual havia feita uma promessa. No seu escritório
encontrava-se um pacote pronto que ela lhe devia enviar; esmola preciosa para
um homem honesto, bom burguês, que vivia na miséria. Ergueu a cabeça e fez-lhe
sinal: “Senhor, tenho precisamente um pequeno serviço a pedir-lhe”. “É muito
urgente; uma encomenda para ser levada a alguém que mora perto de sua casa e
que a espera”. “Ei-la e nela encontrará o endereço”. O homem partiu e ficou
muito admirado ao ler seu próprio nome no pacote que ele levava. “Era um pobre
envergonhado, de que a Irmã ROSALIA, por este meio, havia respeitado o amor
próprio”. E acrescenta o referido autor DESMET(³): “A delicadeza da Irmã ROSALIA era
uma de suas formas de caridade”. Foi essa a forma que constituiu a formula
principal de atividade vicentina e que chegou até nós.
Admirável
lição, exemplo magnífico da verdadeira caridade evangélica. Nela se revelam as
virtudes de VICENTE DE PAULO e de OZANAM: a simplicidade e o verdadeiro amor ao
próximo!
Foi
assim que os primeiros confrades aprenderam a viver a caridade.
Pelo
que acabamos de ver, o apostolado da caridade de OZANAM não era restrito aos
indigentes. Estendia-se, talvez, aos não indigentes. Com a visita aos primeiros
entrava em contato direto com a miséria e procurava conhece-la para melhor
combate-la. O resultado era a promoção do socorrido. Mas não é somente isso.
Com esta visão concreta das condições miseráveis de grande parte da população
de Paris, adquiria elementos preciosos para trabalhar na cátedra,
no meio social, na política, em favor de uma justiça social aliada à caridade.
Completava-se
assim o apóstolo. É este exemplo que todos nós vicentinos de hoje deveremos ter
sempre presente.
Cada
um, no meio em que viver, deverá procurar manter vivo esse exemplo, agindo de
modo a tornar-se verdadeiramente vicentino. Foi o que fez OZANAM. É o que todos
nós devemos fazer também.
Bibliografia:
1. DESMET, H
– 1953 – Soeur Rosalie, 365 pp. Paris, p. 151
2. DESMET, H
- loc.cit.., p. 185
3. DESMET, H
- loc. cit.
4. DODIN, A.
– 1978 – Que é uma Conferência? “Voz de Ozanam” 13 (2): 57-59. São Paulo.
5. LEPETIT, loc. cit. p. 23
6. LEPETIT, loc. cit. p. 24
7. LEPETIT,
loc. cit. p. 25
8. OZANAM,
A.F. – 1831 – A Hipólito Fortoul e H...em Cartas de Frederico Ozanam, 1º. Vol.
(1831 – 1842). Trad. Port.de João Pedreira Duprat, vol. 1: 303 pp. 1ª. Ed.
brasileira – 1953, pág. 6.
9. OZANAM,
A.F. – 1831 – A Ernesto Falconnet, em Cartas de Frederico Ozanam, ibidem, pág.
30
10. PIO XII –
1953 - Lettre à notre fils
Maurice Felton. Em Centenaire de la Mort de Frédéric Ozanam. 172 pp. Ed. Senil.
Paris.
11. ZEILLER,
J. 1953 – Lê Temoignage d´Ozanam. Em Centenaire de la Mort de Frédéric Ozanam.
Ibidem. Pg. 42.
12. ZEILLER, J. – Loc. Cit. p. 44.
13. ZEILLER, J. – Loc. cit. p. 45
14. ZEILLER, j. - Loc. cit.
p. 47
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SUGESTÕES PARA DEBATE
II
- APOSTOLADO DA CARIDADE
a. Espírito
comunitário de OZANAM
1 – No
colégio
2 – Na
Universidade
b. Características
de OZANAM
-
simplicidade
-
humildade
-
caridade
- indigentes
- não indigentes
c. OZANAM e
a SSVP
1. Fundação
da SSVP
2. Desdobramento
da 1ª. Conferência
3. Preservação
da unidade de SSVP
d. OZANAM
E BAILLY
1.Influência
da Irmã ROSALIA
2. OZANAM e
os vicentinos hoje
3. Como
torna-lo conhecido dos próprios Confrades
4. E,
principalmente dos Universitários
OUTRAS
SUGESTÕES
<><><><><><>
(* 2ª. Palestra proferida durante as comemorações do 1º.
Centenário da Fundação do Conselho Superior do Brasil da SSVP.)
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