1º DOMNGO DO ADVENTO

Marcos 13,33 – 37

Ficai de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando será o tempo. Será como um homem que, partindo de uma viagem, deixa a sua casa e delega sua autoridade aos seus servos, indicando o trabalho de cada um, e manda ao porteiro que vigie. Vigiai, pois, visto que não sabeis quando o senhor da casa voltará, se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã, para que vindo de repente, não vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: vigiai!

Comentário

Já é hora de acordar! Eis o apelo de Jesus no Evangelho que inaugura este tempo do Advento. Uma nova aurora surge no horizonte da humanidade, trazendo a esperança de um novo tempo de um mundo renovado pela força do Evangelho. Neste tempo de graça, somos convocados a sair do torpor de uma prática religiosa inócua, a acordar do sono dos nossos projetos pessoais vazios e egoístas. Despertos e vigilantes, somos convidados a abraçar o projeto de Deus que vem ao nosso encontro, na espera fecunda do Tempo do Advento, temos a chance de reanimarmos em nós e os compromissos assumidos em favor da construção do Reino, reavivando as forças adormecidas, para a construção de uma humanidade nova, livre das trevas do sofrimento, da marginalização e da morte.

Frei Sandro Roberto da Costa, OFM - Petrópolis/RJ

2º DOMINGO DO ADVENTO

Marcos 1,1 – 8

Conforme está escrito no Profeta Isaias: Eis que envio meu anjo diante de ti: Ele preparará teu caminho. Uma voz clama no deserto: Traçai o caminho do Senhor, aplainai suas veredas (Mt 3,1); Is 40,3). João Batista apareceu no deserto e pregava um batismo de conversão para a remissão dos pecados. E saiam para ir ter com ele toda a Judéia, toda Jerusalém, confessando os seus pecados. João andava vestido de pelo de carneiro e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel Sivestre. Ele pôs-se a proclamar: “depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; ele, porém, vos batizará no Espírito Santo”.

Comentário

“Preparai o caminho do Senhor, aplainai as suas veredas”. Clamando pelo deserto, João Batista nos indica que procurar viver conforme a Boa-Nova que Jesus nos trouxe não se trata, simplesmente, de viver dentro de um sistema religioso com certas práticas que nos identificam com tais. Talvez ele queira nos indicar que a fé, antes de tudo é um percurso, uma caminhada, onde podemos encontrar momentos fáceis e difíceis, dúvidas e interrogações, avanços e retrocessos, entusiasmo e disposição, mas também cansaço e fadiga. No entanto, o mais importante é que nunca deixemos de caminhar, pois o caminho se faz caminhando. Boa caminhada de Advento e preparação!

Frei Diego Atalino de Melo

quarta-feira, 31 de julho de 2019

17.NO ANIVERSÁRIO DA MORTE DE ANTÔNIO FREDERICO OZANAM








No aniversário da morte de Antônio Frederico Ozanam


O grande mestre da oratória Sacra, Padre Lacordaire, ao concluir seu panegírico sobre Ozanam, proferiu as seguintes palavras:

"Meu caro senhor Ozanam! nenhum de nós deixará o vácuo que nos deixou, nenhum de nós tirará do coração dos homens o que tirastes do nosso. Vós nos precedestes na morte porque nos havíeis precedido na virtude: os pobres rogaram por vós e nos arrebataram vossa alma.

Aceitai estas páginas onde eu quis delinear alguma sombra do que éreis para nós. Eu as escrevi para vós, para vós que tostes durante vinte anos, senão o mais forte, pelo menos o mais puro objeto de nossos cuidados, e cujas fraquezas, se alguma existiu em vós escondida porque éreis homem, não fizeram mais que tornar mais querida a vossa inquebrantável constância nas coisas que amastes e defendestes. Fostes o mestre de muitos, o consolador de todos. Escolhido por Deus, após muitos anos de humilhação, para invocar a glória nos campos da verdade, cumpristes fielmente até o vosso último dia essa missão de honra e de paz. O pobre vos viu à sua cabeceira, a tribuna literária de pé ante uma geração, e a imprensa, esse outro instrumento do bem e do mal, teve na vossa pessoa um honesto e religioso artífice. Não deixastes mágoa em ninguém, a não ser essa mágoa que sara com a morte porque foi a caridade que a provocou. Tendo ficado atrás de vós, não temos mais a alegria de vos ver e de vos ouvir; mas resta-nos ainda a de vos louvar e, quaisquer que sejam os destinos que nos esperam no limiar extremo de nossa carreira, a alegria maior ainda de vos imitar de longe, se Deus o permitir."

Não foram menos eloquentes as conclusões de outros estudiosos da vida e obra de Ozanam.

O padre François Méjecaze, por exemplo, assim termina o seu estudo intitulado "A alma de um santo leigo:

“Omne quodcumque facitis in verbo aut in opere, omnia in nomine Domini Jesu Christi gratias agentes Deo..."
("Faça o que fizer por palavras ou por obras, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando graças a Deus ...").

Tal é a linha de conduta que São Paulo fixa aos fiéis de Colosso, que ele deseja ver progredir no caminho da salvação: tudo fazer por Deus.

Ozanam bem entendeu a senha do Apóstolo das Nações e esforçou-se por observá-la fielmente em todos os dias da sua vida; suas ações ultrapassam, com efeito, o mundo da matéria e do pensamento para inscrever-se em pleno sobrenatural.

Ele se humilha diante de Deus pelas suas deficiências e fraquezas, e em troca O agradece pelos dons naturais que lhe dispensou.

Ele ama seus pais, seus irmãos, seus amigos, sua esposa, sua filha, em Deus e por Deus.

Seu pensamento está sempre orientado para a glorificação e a defesa da Igreja católica, visando a assegurar o reino de Deus neste mundo.

A natureza e as artes não são para ele senão o reflexo da imagem divina.

A exemplo dos santos ele cumpre a vontade de Deus pondo em prática todas as virtudes cristãs.

Sua ação política e social não tem outro objetivo que o de fazer conhecer, amar e servir a Deus pelo maior número de almas.

No trabalho e nos lazeres, diante de seus familiares e alunos, na prosperidade e na adversidade, nos sorrisos e nas lágrimas, frente à vida e frente à morte, a alma de Ozanam canta sem cessar à Deus um cântico de fé, de esperança e de amor.

Carranza, no seu livro "Ozanam e seus contemporâneos" assim se manifesta:

“Um dos historiadores da vida de Ozanam disse que se sua obra literária e apologética se assemelha a uma dessas esplêndidas catedrais góticas cujo coroamento ficou incompleto, sua obra caritativa pode ser comparada a uma árvore que traz em si germes permanentes de vida, e que por isso as Conferências Vicentinas não cessaram de aumentar, como não deixa de crescer a árvore ainda que haja falecido quem a plantou”.

"Por nossa vez”, acrescenta Carranza, se a obra de Ozanam dá abundantes frutos desde há um século, seu plano social, esquecido durante muitos anos, volta hoje a ser conhecido em muitas nações, e é adotado e posto em prática ali onde triunfa e se impõe a doutrina da democracia cristã. E parece-nos que de novo faz-se ouvir na terra a voz de Ozanam, que vem do além para dizer-nos com sua eloquência de então:

“O fim de toda a sociedade não é estabelecer o poder do maior número, mas a liberdade de todos. Lutai, pois, em prol de uma democracia que vós liberte das tiranias da direita e da esquerda. O chauvinismo conduz à guerra. A força só obtém soluções transitórias. O absolutismo estatal acaba semeando ódios e revoluções. A luta de classes divide a humanidade em dois campos antagônicos que se aniquilam mutuamente. Tão somente a Caridade, a Justiça e a Liberdade - agindo em consonância - podem cimentar o progresso do gênero humano. Se sois cristãos de verdade, deveis interpor-vos entre a burguesia e o proletariado - como se interpôs Monsenhor Affre - e até deveis dar vossa vida - como ele deu a sua - para que pobres e ricos, operários e patrões, governantes e governados possam voltar a olhar-se como irmãos, pois morrendo e não matando é que se consegue a paz social. E com toda a segurança conseguireis essa paz social de modo estável se selardes uma aliança, forte e sincera, entre um cristianismo integral e uma autêntica democracia que estabeleça na terra, como lei fundamental das nações, os princípios universais e eternos do Evangelho de Cristo Nosso Senhor".

Tal é a mensagem de Ozanam que, conforme escreveu o Santo Padre Leão XIII "ainda que morto, ainda nos fala através dos seus escritos, produzindo os mesmos bons frutos que produzia em vida com seus discursos e seu exemplo."

O bispo Monsenhor D'Andrea referindo-se a Ozanam disse: "Ozanam continua vivo ... vive no coração de todo cristão que conhece e admira sua obra caritativa... vive na doutrina social da Igreja que tomou de seus escritos muitos de seus ensinamentos... vive no espírito de milhares de vicentinos que trabalham nos cinco continentes para aliviar a miséria dos necessitados ... e vive em todo homem que procura recristianizar  nossa sociedade paganizada!"

Por isso, continua Carranza, o Cardeal Manning pedia a Deus que fizesse nascer em todas as nações homens semelhantes a Ozanam e SS. São Pio X manifestava que, no século XX "todos aqueles que trabalham para dar à sociedade civil uma orientação cristã, devem ter Ozanam como chefe, mestre e guia."

Destaca ainda o padre Méjecaze alguns aspectos da mensagem social de Ozanam, muito oportunos para o momento crítico porque passa a humanidade, por que passa a nossa Pátria: Ozanam, dá menos importância à forma de governo que ao desejo de ser evitado que, por preguiça, os católicos procurem uma que os liberte de seus deveres encarregando-a de uma missão que Deus não lhe deu.

"Nós não temos suficiente fé, dizia Ozanam, desejamos sempre o restabelecimento da religião pelas vias políticas, sonhamos, sempre com um Constantino que de um golpe e um só esforço reconduza os povos ao redil". É uma tentação má de desânimo fazer assim apelo ao proselitismo legal. Não, e não, as conversões, pelas consciências, que é preciso procurar uma por uma". Os acontecimentos externos, as crises políticas, as crises industriais, as crises domésticas têm certamente influência sobre a moralidade. É possível temperar o que há de imprevisto na condição humana pela previdência das instituições. A sociedade é suscetível de aperfeiçoamento e de progresso. Mas é o homem que faz o seu destino, que é senhor, sob muitos aspectos, da sua felicidade e de sua desgraça no tempo: "Nós declaramos que nada se terá feito que não se tenha procurado, não no exterior, mas no interior, as causas da felicidade do homem e os princípios inimigos de sua paz, enquanto não se tenha levado a luz e a reforma nessas desordens interiores que o tempo não repara".

Essa é a diretriz de Ozanam aos cristãos que não querem desesperar de uma situação crítica e procuram assegurar o lugar da Igreja no triunfo da democracia.

Atividade caritativa, progresso social, paz entre as classes, era a preocupação permanente de Ozanam: Utopia, dirão alguns. Sim, utopia em uma sociedade que não é cristã. Mas um programa possível de desenvolver e realizar, em uma sociedade, como a nossa, que tem dentro de si, apesar das aparências contrárias, um fermento de cristianismo. Não serão as barricadas, como pensava Ozanam, que em uma nação em que os batizados são maioria, o sinal exterior das relações entre classes, mas a Cruz, penhor de reconciliação e de paz.

Na sua pregação sobre o apostolado da caridade traçou Ozanam o verdadeiro sentido do papel a ser representado pelas Conferências Vicentinas:

"Nós não desejamos crer na ingratidão dos povos: nós cremos somente na importância das palavras para salvação dos povos se elas não estão alicerçadas nas instituições. Acreditamos em duas espécies de assistências, uma que humilha os assistidos, outra que os honra. Não é o governo somente, são os homens votados pela religião ou por humanidade ao serviço dos pobres nos tempos difíceis que devem escolher entre essas duas maneiras de socorrer os homens”.

"Sim, a assistência humilha, quando ela toma o homem por baixo, pelas necessidades terrenas tão somente, quando ela não olha senão para os sofrimentos do corpo, ao grito de fome e de frio, ao que causa piedade, ao que cuidamos até nos animais. A assistência humilha, se ela nada tem de reciprocidade, se não levardes a vossos irmãos a não ser um pedaço de pão, uma roupa, um punhado de palha que nunca tereis talvez a pedir-lhe, se o colocais na condição dolorosa para um coração bem formado de receber sem dar; se, alimentando os que sofrem, vos mostrardes somente preocupados em abafar as queixas que entristecem a estada em uma grande cidade, ou de conjurar os perigos que lhe ameaçam a tranquilidade."

"Mas a assistência honra quando ela toma o homem pelo alto, quando ela se ocupa, primeiro de sua alma, de sua educação religiosa, moral, política, de tudo, o que o afaste de suas paixões e de uma parte de suas necessidades, de tudo o que O torna livre, de tudo o que possa torná-lo grande. A assistência honra quando ela junta ao pão que alimenta, a visita que consola, o conselho que esclarece, o aperto de mão que levanta a coragem abatida; quando ela trata o pobre com respeito, não somente como a um igual, mas como um superior, porque ele sofre o que nós talvez não sofrêssemos, porque ele está entre nós como um enviado de Deus para experimentar nossa justiça e nossa caridade, e salvar-nos por nossas obras".

"Quando a assistência torna-se honrosa porque pode tornar-se mútua, porque todo o homem que deve uma palavra, um conselho, uma consolação hoje, pode precisar de uma palavra, de um conselho, de uma consolação amanhã, porque a, mão que apertais aperta por sua vez a vossa, porque essa, família indigente que amastes vos amará, e que ela estará mais que desobrigada quando aquele ancião, essa piedosa mãe de família, aquelas crianças, houverem rezado por vós".

"Eis porque a Igreja deu à assistência tal como ela o desejou, esse doce nome de caridade, que não é preciso repelir como tantas vezes se fez, que significará mais que esse nome popular de fraternidade: porque todos os homens não se amam e caridade significa amor!"

"Eis um exemplo. Em muitos arrabaldes de Paris, a distribuição de socorros aos operários faz-se por portadores assalariados, quase como essas pessoas opulentas que distribuem suas esmolas pelas mãos de seus lacaios. Como poderiam as famílias assistidas comover-se diante de um benefício que tem sua justificativa mas também a aridez de uma medida policial? Já se viu gente reconhecida e comovida até as lágrimas diante da regularidade com que começam a funcionar os chafarizes pela manhã, ou em cada noite se iluminam as ruas? O governo salvou da miséria doze mil cidadãos cedendo-lhes terras na Algéria. Providenciou ele com um louvável cuidado à solenidade da partida, ao conforto do transporte, às necessidades materiais da primeira instalação. Mas o que fez ele para as necessidades do espírito? No dia marcado para a partida, geralmente um domingo, porque uma missa celebrada no próprio local de embarque não distribuiria as consolações da fé a essas famílias itinerantes cujos corações perturbados pedem uma proteção mais poderosa que a dos homens? Onde estão os assistentes que acompanharão a nossa colônia nessas terras perigosas, sob esse céu de fogo: cujos ardores são talvez menos abrasadores que as paixões? onde estão os asilos, as escolas, onde o ensino que formará não só as crianças mas os adultos numa condição nova, nas lições de higiene que salvará suas vidas, na agricultura em que irão dedicar-se?"

"Ides abrir novos postos de aquecimento. É uma medida benéfica. Mas pensastes no emprego dessas longas noites? Abandonareis esse repouso à propaganda do vício e do motim?, ou aproveitareis essa oportunidade privilegiada de reunir homens para re-encaminhá-los a seus lares mais esclarecidos e melhores?” (Melanges 291).

"A caridade, é o pensamento dominante de Ozanam, deve ser empregada antes de tudo para instruir e moralizar, a formar homens que possam dispensar a assistência material. Ela estende até os setores dos deserdados o campo dos conhecimentos úteis. Esse o papel, insistentemente defendido por Ozanam, do apostolado intelectual da caridade. E por isso, pode ele ser considerado como o iniciador, pelo menos em ideia, do que depois passou a ser feito: círculos de estudos, bibliotecas, conferências, universidades populares. Despertar a inteligência é um bem; fortificar a necessidade não é menos necessário. O papel da verdadeira caridade é, não tornar-se indispensável, mas preparar o pobre a dispensar o socorro, como a prevenir a miséria por uma ação oportuna sobre os que ainda não mendigam, mas que a indigência espreita. Ozanam quer que se cuide com solidariedade do operário que vive normalmente do seu salário, mas que uma infelicidade pode privá-lo momentaneamente do seu ganha-pão" (L. Cent. 369)

É a uma espécie de cruzada caritativa que Ozanam convidava sacerdotes, ricos, representantes do povo: a uma cruzada que não visasse somente ao alivio das misérias individuais, mas ao progresso como uma consequência lógica, necessária do cristianismo, "que contem, dizia ele, todas as verdades dos reformadores modernos e nenhuma de suas ilusões, único capaz de realizar a fraternidade sem imolar a liberdade." (L. Cent. 369).

Um dos mais belos sonhos de Ozanam era o da fundação de Universidades Católicas.

Sobre o túmulo de Ozanam desabrochou uma dessas Universidades. Foi ele sepultado, conforme seu desejo, em um desses santuários no distrito de Paris que foi campo de seus estudos e de seu apostolado. Seus amigos escolheram a cripta da histórica igreja dos carmelitas. Essa igreja tornou-se em 1877, a do Instituto Católico.

Cumpria-se uma afirmativa de Ozanam, comentou Claude Peyroux: "Parece, havia ele escrito, que nas idades de fé bastava enterrar um santo para ali fazer germinar todas as virtudes". O nosso século, embora incrédulo, viu realizar-se esse mesmo milagre. As obras que Ozanam tanto havia amado se desenvolvem em redor do seu túmulo e uma juventude ardente vem se inclinar com veneração diante do modesto monumento. E pede a Deus que faça reviver nela os exemplos nobres do seu heroico modelo e se compraz em repetir com Lacordaire :  "Senhor, fazei com que sejamos Ozanam."

Sobre o mármore do túmulo onde repousam os despojos de Ozanam, foram gravadas as seguintes palavras: "Quid quaeritis víventem inter mortuos?" Porque procurais entre os mortos aquele que vive? É a palavra dos anjos às piedosas mulheres junto ao sepulcro do Cristo.

Deve-se esperar, comenta o padre Labelle, que esse versículo do Evangelho, em dia que não é possível precisar, será verdadeiro para Frederico Ozanam e que seu nome, de novo, viverá entre os vivos? Inscrito no rol dos Santos ... Ozanam foi um santo... As palavras afloram espontâneas no espírito e nos lábios. É necessário declarar que dizemos isso somente no sentido e na medida autorizada pelos decretos de Urbano VIII? Pode, entretanto, ser desde já recitada uma oração que assim termina:

Oh Deus, se é da Vossa vontade que o Vosso piedoso servo, Frederico Ozanam, seja glorificado pela Igreja, nós vos suplicamos que manifesteis por meio de favores celestes o seu valimento junto ele Vós. Por Jesus Cristo Senhor Nosso. Assim seja.
                                                                                 Cfd. José Amadei


sexta-feira, 19 de julho de 2019

16. A EDUCAÇÃO CRISTÃ





A Educação Cristã




Caros amigos e irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo.

Antes de mais nada quero participar aos senhores, para que depois não saiam daqui decepcionados, que vou apenas tecer algumas considerações sobre a educação cristã, as quais não vão, em absoluto, esgotar o assunto, ficando sem dúvida ainda muita coisa por ser focalizada; será talvez antes uma meditação que farei junto aos senhores sobre a responsabilidade dos pais cristãos.

Faço assim este aviso prévio porque, por ser eu filha de quem sou, pode ser que estejam esperando alguma conferencista, com grandes rasgos de oratória. Infelizmente não herdei esta qualidade de meus pais mas eles me legaram, isto sim, coisa muito mais preciosa, coisa de que me orgulho e que somente lhes poderei retribuir legando-a também aos meus filhos, e que Deus me ajude neste mister: uma Educação Cristã.

E deixo aqui hoje, de público, o meu reconhecimento por este legado inestimável a este querido Paizinho que aqui está e à minha santa Mãezinha ... que aqui está também na pessoa dele; tanto ela está aqui como ele, com ela, no seu leito de dor ...

Parece, a princípio, estranho alguém falar sobre a educação cristã numa Conferência de São Vicente. Mas se o caso fosse de se falar sobre Ozanam, os pobres ou São Vicente de Paulo, milhares de pessoas estariam mais indicadas a tomar o meu lugar hoje.

Não, que neste assunto seja eu então muito competente mas, pelo menos, é o mister de que me devo desincumbir, na situação presente, já que tenho sete filhos pequenos e dos quais lhes posso trazer algum testemunho.

Por outro lado, há uma analogia entre a família, cristã e a grande Família Vicentina. As grandes almas, voltadas ao próximo por amor de Deus, devem necessariamente provir - salvo raras exceções, - de famílias onde se ensina a caridade fraterna, onde o amor a Deus é cultivado desde o berço, enfim, de famílias essencialmente cristãs como foi a de Ozanam.

De fato, nas famílias e, principalmente nas famílias numerosas, as crianças fazem como que um estágio para a vida futura. Que melhor meio para desenvolverem-se virtudes como a Justiça, a Obediência, a Temperança, a Fortaleza? (e como é necessário desenvolver, principalmente nos meninos, esta virtude da Fortaleza!)

Na família a criança precisa dividir seus brinquedos e suas guloseimas; que melhor coisa para lhes incutir a ideia da prioridade do bem comum sobre o individual?

Quando uma criança se entristece e reza por seu irmãozinho doente, está preparando-se para mais tarde saber olhar ao redor e procurar sanar os males do mundo, como o faz os beneméritos vicentinos.

Já que justifiquei,  - penso – convido-os agora a fazerem comigo esta meditação. Ela começa com um trecho da “Casti Conubii” de Pio XI que diz assim:

“Os pais cristão compreenderão que não são destinados só a propagar e conservar na terra o gênero humano e não só também a formar quaisquer adoradores do verdadeiro Deus, mas a dar filhos à Igreja, a procriar concidadãos dos santos e familiares de Deus, a fim de que o povo, dedicado ao culto do nosso Deus e Salvador, cresça cada vez mais de dia para dia."

Quanto a esta última parte do trecho citado, tenho uma pequena estatística a lhes dar: Se um casal cristão tiver apenas cinco filhos e estes, por sua vez, casando-se derem origem a cinco cristãos cada um, e assim sucessivamente, na décima geração teremos perto de dez milhões de cristãos. Se partirmos de cinco famílias apenas, teremos 50 milhões de cristãos e supondo que cada cristão converta apenas um seu semelhante, teremos CEM MILHÕES de católicos integrais a formar um povo de Deus.

Portanto, nós poderemos modificar o mundo. Essa desculpa que se ouve muito por aí: "É, muita coisa está errada mas quem sou eu para mudar o mundo?” é uma argumentação falsa. Nós somos uma força em virtude da Comunhão dos Santos, do Corpo Místico de Cristo. "Uma alma que se eleva, eleva o mundo", já nos dizia o Pe. Demarais.

Mas voltemos à nossa meditação: Assim como não se pode dizer que um soldado ganhou uma guerra somente porque realizou um ato de bravura, assim não é com pôr no mundo uma ou mais crianças que se pode dizer que os pais cumpriram sua missão; eles têm grande tarefa a realizar, trabalhar dia a dia para o bom desenvolvimento desses pequenos seres, já no terreno físico, já no intelectual e, sobretudo, no sobrenatural, que é o de que nos vamos ocupar agora.

A vida sobrenatural da graça não é outorgada à criança pela ação direta dos pais, mas sim indiretamente, quando a levam para receber o Batismo. Ficam desde então os pais, depositários de um "segredo" de Deus, pois têm uma alma a zelar, uma alma que deverá crescer, desenvolvendo principalmente as três virtudes teologais que lhe foram infusas. (Lembremo-nos da parábola dos "talentos”). Mas de que modo poderão os pais influir neste crescimento?

Em primeiro lugar, não lhes sendo empecilho tornando-se transparentes à ação de Deus, ou antes, canais que favorecem esta ação. Em segundo lugar, sendo eles próprios modelos de vivência cristã.

De fato, não se pode, em sã consciência, educar uma criança dizendo: "faça o que eu digo e não o que faço" porque a criança tem uma tendência muito pronunciada para imitar o adulto; é uma verdadeira lei de mimetismo  que nela  se processa. E aqui está a nossa responsabilidade. Que modelo de adulto nós lhes oferecemos?

Quando Ozanam tornou-se pai da pequenina Maria escreveu assim a seu amigo Foisset: "Não posso pensar nessa alma imperecível da qual terei que dar contas, sem que me sinta compenetrado de meus deveres. Como poderei dar-lhe lições, se não as pratico? Poderia Deus lançar mão de um meio mais amável para instruir-me, para corrigir-me e me pôr no caminho do Céu?" (Cartas de Frederico Ozanam, 2º vol., pgs. 59-60).

Lendo o Pe. Caffarel no seu livro "Propos sur l'amour et la grace”, deparei com um artigo dedicado aos pais e no qual ele pergunta abruptamente: "Pais! Vocês amam, verdadeiramente, seus filhos?" E continua mais ou menos nestas palavras: "Estou a ver a estupefação, o escândalo que esta minha pergunta está causando. É lógico que os pais amam seus filhos, pois não fazem tudo por eles? Até parece que este amor foi o único que não sofreu influência nefasta, de maneira alguma, do pecado original! Pois eu não estou assim tão seguro desta afirmação e muitas vezes esse propalado amor nada mais é que egoísmo."

De fato, muitas vezes os pais querem que seus filhos sejam educados e façam uma boa figura porque seus nomes estão em jogo; amam neles o prolongamento de si mesmos, esquecendo-se de que eles têm uma personalidade a desabrochar, uma resposta precisa a dar a Deus quando ouvirem o Seu chamado. Não lhes ensinaram, principalmente, a fazer bom uso de sua liberdade futura, condicionando-a às leis de Deus.

Com efeito, observemos a conversa de adultos à mesa num domingo, por exemplo: em primeiro lugar, critica-se o sermão do padre e suas atividades; dali passa-se para o Bispo: não se está de acordo com suas ordens. O país? Muito mal governado; as leis precisavam ser revogadas... E assim  por diante. O princípio da Autoridade é enxovalhado... e a criança ali está, olhos muito abertos, bebendo aquelas "lições". Em sua mente se forma a ideia de que ser adulto é poder dizer o que se pensa, é poder rebelar-se contra os princípios estabelecidos e nisto consiste a LIBERDADE, tão ambicionada.

Como poderão pais assim espantar-se diante da rebeldia dos adolescentes? Eles estão agindo com lógica. Nós é que estamos completamente errados quando lhes dizemos: "Procurai antes o reino de Deus e tudo o mais virá por acréscimo", ao mesmo tempo que empenhamos todos os nossos esforços e nos preocupamos e fazemos violências para adquirir coisas materiais - um lugar na política, um bom emprego, um casamento vantajoso para o filho, - deixando que o "reino de Deus" é que venha por acréscimo.

As crianças são muito espertas e concluirão: tudo isto que nos pregam é muito bonito, mas na ordem prática das coisas, o que vale é o reverso da medalha.

... E tínhamos o exemplo de Cristo que ao ensinar seus discípulos sempre dizia: "Não digo isto por Mim mas CUMPRO a vontade do Pai que me enviou". De quantas mil maneiras proclamou Cristo a Sua dependência do alto, Ele, o adulto por excelência ...

O Pe. Caffarel citava três exemplos tristes de adolescentes transviados, provindos de famílias ditas cristãs - e nós, infelizmente, teríamos tantos outros a juntar - e concluía afirmando que, se eles não tinham imitado as virtudes cristãs daquelas famílias é que os exemplos contrários ali teriam sido maiores e mais fortes ...

Tenho falado aqui no Pe. Caffarel e não sei se o conhecem ou já ouviram falar no "seu" movimento. Ele é o fundador das Equipes de Nossa Senhora, movimento de espiritualidade conjugal que visa a santificação da família, num sistema de colaboração mútua entre casais, não só no terreno espiritual como até no material.

Vejo, aliás, um paralelo muito chegado entre o Rvmo. Pe. Caffarel e o grande Frederico Ozanam: ambos franceses, ambos fundando movimentos a responder às necessidades do tempo, grandes idealistas e batalhadores todos os dois, tendo ainda ambos consagrado suas realizações à proteção de Maria Santíssima.  

E, coisa mais interessante ainda: fui encontrar em Ozanam uma frase que resume uma ideia explanada pelo Pe. Caffarel naquele artigo. Diz este último que o meio familiar deve ser um ambiente próprio para que as grandes virtudes teologais infundidas no Batismo cresçam e desenvolvam-se. Muito bem, Ozanam, em sua carta a Falconnet, diz, falando das mães: "Benditas sejam as nossas santas mães que foram as primeiras a nos ensinar esse caminho! (o do céu) Quando, pequeninos ainda, nos levavam a CRER, a ESPERAR e AMAR, colocavam, sem pensar, os degraus que galgaríamos para chegar até elas, agora que as perdemos." (Op. cito pág. 237).

De fato, quando os pais respondem às dúvidas de seus filhos com toda a veracidade; quando não dizem, em hipótese alguma, uma mentira a seus filhos ... - e aqui, quanta meditação se tem a fazer! (não há nada que mais mal faça às crianças que dizer-lhes mentira a todo e qualquer propósito!)   - mas quando os pais são essencialmente verdadeiros diante de seus filhos, estão preparando o terreno para que se desenvolva dentro deles a grande virtude teologal da FÉ.

A virtude da ESPERANÇA será cultivada cada vez que o filho se sinta de novo confiante depois de uma derrota, pelo auxilio que lhe prestarem seus pais; cada vez que lhe for apontada a bondade de Deus nos acontecimentos quotidianos; cada vez que se lhes abrirem os olhos para os desígnios insondáveis de Deus nas almas, para o Seu perdão, para a Sua misericórdia...

E a CARIDADE? De quantas mil maneiras se podem regar a semente da caridade até que ela cresça pujante como um enorme carvalho, carvalho esse que talvez venha, um dia a encobrir uma multidão de pecados... "Quem tem caridade tem tudo e de nada valem ao homem todas as outras virtudes se não tiver a Caridade", diz São Paulo.

E como estão certos os Vicentinos, e como estava certo Ozanam, ao fundar este movimento todo dedicado à Caridade!

Mas eu dizia que de mil modos se pode levar as crianças a amar a Deus e ao próximo por amor d'Ele: quando ela percebe e sente que é amada; quando se lhe faz algum pequeno elogio por uma boa ação praticada; quando ela descobre que o próprio castigo que lhe dão é para seu bem - e para isso o próprio castigo deveria ser dado com Amor; em todas estas ocasiões a criança cresce na Caridade.

O modo como tratamos a nossa empregada, - a pessoa de nossa empregada - a maneira pela qual recebemos um pobre que nos bata à porta em horas impróprias ... (será que vemos nele a pessoa de Cristo?); os comentários que fazemos das atitudes alheias... Tudo isto são como espadas de dois gumes que podem ou salvar ou matar a planta da Caridade na alma infantil ...

* * *
A criança, atingindo certa idade de compreensão, que não precisa ser, necessariamente, a dos sete anos, deve-se fazê-la beber as graças na sua própria fonte, isto é, deve-se fazê-la receber os sacramentos.

Lá em casa, nossos filhos têm feito sua Primeira Comunhão aos quatro anos. Muitos acham idade um tanto prematura - e respeito esta opinião - mas, a nosso ver, e não estamos sós, mas com São Pio X, nesta idade a criança já pode preencher os dois requisitos indispensáveis à recepção do Sacramento, e que são: SABER QUEM vai receber e QUERÊ-LO. Ora, quero crer que uma criança de 7 ou 8 anos poderá ter decorado mais fórmulas de orações que uma de 4 mas não acrescentado muita coisa àqueles requisitos.

Quanto ao Sacramento do Crisma, no entanto, - e isto foi objeto de estudos em nossa Equipe - pensamos que deva ser ministrado na adolescência (para as meninas, aos 14-15 anos e para os meninos aos 17-18) porque é nesta época que eles vão usar de sua liberdade, escolhendo então, por convicção e não mais simples tradições, a religião de seus pais; e também porque é este o tempo das tentações mais fortes, quando as almas necessitam de um jorro de graças e dos sete dons do Espírito Santo, pois têm que enfrentar o mundo e "marchar contra a maré, invertendo a ordem dos "valores" vigente.

Sim, nesta ocasião são necessárias muitas luzes e, portanto, é a mais indicada para a recepção do Santo Crisma.

Uma coisa que aprendemos nas Equipes e que está surtindo muito efeito lá em casa, é fazermos a oração todas as noites, em conjunto com as crianças. O pai faz uma pequena introdução, com palavras próprias, agradecendo o dia a Deus e pedindo por alguma intenção especial (um aniversariante, um doente, um acidentado, etc.). Depois, damos a palavra a cada um de nossos filhos e é interessante ver como sabem pedir as coisas, inclusive o pequenino de 2 anos! As vezes temos vontade de rir pela inocência de seus pedidos... mas quem sabe se Deus também não "se ri" de nossos pedidos, tão pueris a Seus olhos?

Acompanhar o ano-litúrgico é outra coisa muito interessante a se fazer, e pela qual as crianças se entusiasmam.

(Estou trazendo estes testemunhos aqui, não para me vangloriar mas, com toda a simplicidade, oferecendo sugestões que poderão ser aproveitadas e melhoradas, ocasionando alegrias também em outros lares).

Preparamos, por exemplo, o Natal passado, propondo às crianças que fizessem pequenos sacrifícios e boas ações durante o Advento. Para incentivá-las, dissemos-lhes que cada bola ou enfeite colorido da árvore de Natal teria que significar alguma mortificação, alguma coisa de bom que fosse feita por eles e por nós; e todas as noites, depois da oração, havia a sessão do enfeite da árvore. Cada qual dizia o que tinha feito, e lá ia uma bola para o galho. Demos também um sentido mais cristão à árvore, dizendo que o tronco era Cristo e nós os raminhos que nós "enfeitávamos" para Ele. Nos últimos dias precisamos estipular que cada bola significaria cinco sacrifícios, pois nem lugar mais havia na árvore e nem mais dinheiro no bolso!

Na quaresma, estipulamos um sacrifício mais positivo e geral: a ORDEM em casa, distribuindo tarefas bem determinadas para cada um. Foi uma beleza! Nossa casa esteve mesmo um "brinco".

Na Páscoa houve um episódio muito interessante, que não me posso furtar à tentação de narra-lo. Nosso filhinho de sete anos fez questão de ir à Missa da meia noite conosco, no São Bento. Explicamos-lhe que na ocasião do "Glória" é que se comemorava mesmo, de modo especial, a Ressurreição do Senhor.

Ele estava todo excitado, os olhinhos muito vivos e atentos. Quando o órgão irrompeu, na mais alta potência e todas as luzes se acenderam, os panos roxos caíram e os sinos repicaram, ele, ficando de pé no banco, também gritou: VIVA!. JESUS NASCEU DE NOVO!

No Pentecostes sorteamos entre os nossos sete filhos, os sete dons do Espírito Santo ... e todos eles se lembravam do dom que lhes coubera o ano anterior ... , exceção feita ao caçulinha.

Muitas outras coisas poderão ser feitas com as crianças para que vivam conosco a Religião: comemorações do Batismo de cada um, dos onomásticos; aulas de catecismo, em que se dê também a palavra a elas afim de que exponham suas dúvidas. E este ponto é muito importante, não só pelo fato de se esclarecer as dúvidas, como é óbvio, como pelo fato de a criança constatar, palpavelmente, que não há contradição entre o que ela aprende no catecismo e o que acreditam seus pais.

Agora, um lar assim, deve ser aberto, tudo isso deve transbordar, deve haver o contacto com outras famílias boas e deve também haver uma influência nos meios não cristãos, tomadas que sejam as necessárias medidas para que não haja uma influência reversa em nossos filhos.

Devemos mostrar às crianças a infelicidade dos outros, fazendo seus coraçãozinhos se enternecerem; devemos fazê-las sofrer, sim sofrer, a inquietação do mundo e fazê-las rezar pelos pecadores. Devemos fugir de ser famílias enquistadas na sociedade ... Existe uma frase que não me canso de repetir, mas cujo autor, infelizmente, esqueci:

"Nosso lar deve ser encarado em função da porta que se abre e nunca em função do muro que o isola”. 
E sobre este assunto encontrei em Ozanam, como não podia deixar de encontrar, um trecho lapidar, constante de uma carta ao Revmo. Pe. Pendola: “Muitas vezes falamos sobre a fraqueza, a frivolidade e a pequenez dos homens, mesmo cristãos, entre a nobreza da França e da Itália. Estou convencido porém, de que são assim porque algo lhes faltou à educação. Alguma coisa não lhes foi ensinada, alguma coisa que apenas conhecem de nome, e que é preciso ter contemplado o sofrimento alheio para aprender a suportá-lo quando um dia ele surgir. Esta coisa é a dor, é a privação, a necessidade. É preciso que esses jovens senhores saibam o que é a fome, a sede, a nudez de uma água-furtada. É necessário que eles vejam esses miseráveis, essas crianças enfermas, crianças em lágrimas. É preciso que as vejam e as amem. Ou essa visão fará pulsar seus corações ou esta geração estará perdida." (op. cit. pág. 387).

* * *

Mas existe ainda uma coisa que os pais cristãos devem fazer por seus filhos e que é a mais importante de todas e que, sem dúvida, estarão estranhando que eu ainda não tenha mencionado.

Sim, é REZAR pelos filhos, e é rezar insistentemente por eles porque às vezes, apesar de todos os esforços despendidos no cultivo dessas almas, sementes de joio das más companhias são atiradas por mãos maldosas, entre o trigo bom das virtudes. Então, teremos que rezar e fazer violência junto a Deus para que não os deixe conspurcar na lama deste mundo.

Rezar por eles, fazer penitência por eles e, se necessário, MORRER POR ELES como fez o Cristo.

Isto será AMAR OS FILHOS.

* * *

E aí está a meditação que lhes propus. É um programa para a vida inteira e é um programa de heroísmo e de santidade. Mas é a nossa missão, e temos que segui-la.

Nosso consolo é que temos uma auxiliadora, uma conselheira para as horas difíceis, um elo entre o céu e a terra: Maria Santíssima.

Quando sentirmos que o barquinho de nossa vida soçobra diante das águas tempestuosas das tentações e dos sofrimentos, peçamos o seu auxílio. Ela saberá alcançar de seu Divino Filho, que estas águas malsãs se transformem no vinho bom das graças divinas que fortificam a alma e alegram o coração. Amem.

 PEROLA MELILLO DE MAGALHÃES
                                                                  15 de maio de 1959.



quinta-feira, 11 de julho de 2019

15. FREDERICO OZANAM E A POESIA
























FREDERICO OZANAM
E A POESIA




Não se sentia OZanam muito atraído pelo exercício da profissão de advogado que abraçara para atender, humilde- mente, com respeitoso amor filial, à vontade paterna.

Duas paixões dominavam sua alma de eleito: a literatura e a caridade. Através da literatura e da caridade, fazer a apologia do cristianismo, reconduzir a Deus os homens sem fé e lutar pela paz social. É que, escreveu seu irmão Carlos, o propósito dos seus estudos, de seus ensinamentos, das manifestações do seu talento e da sua sensibilidade, visavam unicamente ao esclarecimento das inteligências onde as sombras da dúvida haviam penetrado e de preservar dessa desgraça aqueles cuja fé não havia, sido abalada", e que, "a sua paixão pelas letras era um meio para desenvolver a inteligência e por consequência despertar e firmar a fé nas almas, como sua paixão pelos pobres um meio para conjurar a guerra entre o rico e o indigente.

Seus estudos não deixaram, porém, de ser brilhantes e neles se notabilizou. Voltando, já Doutor em Direito, a Lyon, ali logo depois assumia, como seu primeiro titular, a cátedra de Direito Comercial. As suas lições, sobre o trabalho, por exemplo, são ainda um repositório de magníficos ensinamentos, impregnados dos mais cristãos preceitos de Ação Social de que foi grande precursor e paladino.

Antes de entregar-se à cátedra, ainda estudante, receava não poder dar ampla expansão à sua verdadeira vocação. A Insegurança na escolha do caminho que deveria trilhar o fazia sofrer.

Quando procurou obter, de seu amado progenitor, permissão para continuar em Paris visando ao Doutorado em Direito, escreveu ao seu amigo Lallier:

"Mais do que nunca volveram-me à mente todas as incertezas, as ambições literárias, o desejo de praticar o bem".

Receava ele que a necessidade que viria sentir de trabalhar para poder viver, limitaria a possibilidade da realização plena da sua vocação.

Pouco antes de terminar seus estudos, escreveu ao seu bom amigo lionês, o poeta Dufieux: "É certo que vou deixar Paris para sempre dentro de cinco ou seis meses. Mas, que farei em Lyon? Eis o ponto para o qual convergem todas as minhas Incertezas. Serei obrigado a advogar com afinco e no entanto, pressinto que me será bem penoso ficar confinado no ambiente estreito do foro." (carta de 8-12-1836).
"Como resolver-me a dar um eterno adeus às letras, essas amigas tão severas que me fazem pagar tão caro sua familiaridade?" (idem).

Era mesmo irresistível a sua vocação literária. Resignado pedia ao Deus que lhe revelasse o caminho a seguir. Suas orações foram ouvidas e sua obra literária, já então iniciada com um brilho que provocava a admiração de seus amigos, de seus contemporâneos e até de seus adversários na fé, pode desenvolver-se em toda a sua plenitude ao voltar ele a Paris para assumir na Sorbonne a cátedra de literatura estrangeira.

Sua imensa obra veio a constituir um monumento imperecível. Mereceu por isso Ozanam que a Academia Francesa, três anos após a sua morte, lhe conferisse o prêmio de alta literatura. Homenagem póstuma, mas justificada pela palavra do acadêmico Villemain pelo motivo de que "A coroa do talento não se une somente à pessoa viva do autor, mas acompanha sua memória, protege sua família." E, continua Villemain: "línguas antigas, línguas modernas, do Sul e do Norte, história de todos os tempos, literatura clássica ou bárbara, nos seus variados graus, ciência do direito religioso e civil, estudo das artes, tudo ele abraçava com um trabalho metódico e inspirado".

Ozanam foi também poeta. Amava a poesia no seu sentido mais elevado e mais puro. E julgava indispensável a poesia em todas as manifestações do espírito humano. Na mesma carta a seu amigo Duffieux, poeta, ele escrevia: 

"Compreendes admiravelmente a poesia que se torna necessária aos homens de hoje, e, mais ainda, a sentes. Não são mais cantos íntimos, solitários colóquios da alma com a natureza e com Deus. Não são mais suspiros estéreis  queixumes sem eco. São hinos fraternais, compreensíveis, populares, impregnados do colorido da história, vivificados pelo sopro interior da tradição, repleto desses três elementos sublimes: Fé, Esperança e Caridade. Quando o homem se entrega às seduções do mundo exterior, o primeiro movimento que a graça lhe inspira é a volta sobre si mesmo. Mas esse movimento não é o último. Se o homem se detivesse na contemplação do próprio eu, não passaria de um filosofo, isto é, bem pouca coisa. É preciso que, saindo de si mesmo, remonte a Deus e que do Criador emane o amor puro e virtuoso das criaturas. Eis o  motivo pelo qual os próprios religiosos contemplativos, embora exilados da nossa agitada sociedade, não se sentem sós. Da meditação silenciosa de suas celas saem para orar e, quando oram, rezam por todos, repetindo as preces que aqui repetimos·. A poesia deve proceder da mesma forma. No seio das orgias pagãs, às quais se havia entregue, um raio do alto a atingiu, e ela, envergonhada retirou-se para o deserto. Mas nesse isolamento ela pôs em si mesma suas complacências e julgou poder comunicar-se com Deus sem intérprete e sem véus. Tornou-se individualista e racionalista, e com grande mágoa; a vimos deter-se a meio caminho na senda da verdade. É preciso, contudo que ela reencete a marcha, que alguém a tome pela mão, reconduzindo-a à sociedade dos homens e ao convívio dos crentes e que ao batismo que a tornou cristã se venha juntar a comunhão santa que a transforme em católica. Enfim, que, apoiando-se sobre a religião, avance à frente das novas gerações e a guie com seus cânticos para uma gloriosa eternidade!

OUTROS CONCEITOS EXPENDEU OZANAM SOBRE A POESIA

A poesia é essencialmente religiosa.

"A poesia na sua mais nobre manifestação é uma intuição do infinito; é Deus perceptível na criação, o imutável destino do homem apresentado em meio às vicissitudes da história. Por isso ela se apresenta na viagem revestida de um caráter sacerdotal, misturando-se à, orações e ao ensino religioso: é porque mesmo nos tempos da decadência, o maravilhoso permanece um dos preceitos da arte poética”.

A seriedade da poesia.

“É grande o número daqueles que hoje fazem da poesia, apenas um negócio de arte e nela só veem uma beleza relativa, resultante da tríplice harmonia dos pensamentos, dos pensamentos com as palavras, das palavras entre si. Esses espíritos levianos não fazem conta, nem do valor lógico do pensamento, nem do alcance moral da palavra. Para eles, a arte não é mais que um gozo sem finalidade ulterior, porque a vida é um espetáculo sem significação séria; eles permanecem cativos no mundo visível, cujo sensualismo e ceticismo lhes fecham as saídas".

A poesia.

"Não é feita a poesia, como frequentemente se acreditou, para o prazer de um pequeno número de privilegiados, nem mesmo para o prazer dos povos. Pensais vós que a Providência teria suscitado tantos belos gênios durante uma longa sequência de séculos sem outro desígnio que o de divertir o gênero humano? Sem dúvida Deus, como todos os bons governos, cuida dos prazeres públicos, mas para deles fazer meios de educação. É assim com as festas religiosas e cívicas; são alegrias mas também ensinamentos. A poesia é uma festa eterna, é o meio de educação mais poderoso, o ensinamento mais durável que possa ser dado aos homens. A prosa dissolve-se e esquece-se; o verso se mantém por sua forma medida e se conserva; ele se propaga por uma harmonia que apreende o ouvido dos ignorantes; ele resume sob passagens vivas tudo o de que se ocupou uma época. É por seus poemas que as sociedades sobrevivem."

Sobre a, sensibilidade artística de Ozanam, François Mejecaze, profundo estudioso da sua obra literária e artística teve a oportunidade de sintetizá-la nas seguintes palavras:

"A sensibilidade tão delicada e tão rica de Ozanam encontra uma fonte de infinitos deleites em todos os domínios em que se praticam as artes e na contemplação dos maravilhosos espetáculos da natureza. Ozanam considera a arte como um meio de educação e de civilização das nações utilizado pela Providência visando honrar Aquele que é perfeitamente belo como é bom e verdadeiro. Do fundo da sua eternidade, ela provê igualmente ao desenvolvimento das artes pela consolação e o prazer legítimo dos povos. O papel da arte consiste ainda em receber a verdade ao sair da ciência, de reproduzi-la com o esplendor do belo, afim de, propagá-la. primeiro e em seguida conservá-la, porque, as obras excelentes começam pelo pensamento, é pela forma que permanecem.”

"Quando, disse Ozanam, o pensamento se manifesta de forma imperfeita, ele confunde-se logo: com essa imensidade de conhecimentos e de opiniões que circulam como uma moeda corrente cuja efígie se apaga e cujo peso se altera. O verdadeiro que nela se encontra, não atraindo a atenção dos homens, acaba por perder-se: a beleza no contrário faz-se respeitar e não permite que a esqueçam."

"A teoria da arte pela arte, sem outro fim ulterior que o prazer, não pode ser sustentada. O artista deve, com efeito, visar, representando a verdade, a um resultado moral e social;  é o que torna seu esforço tão penoso e faz considerar sua obra com desânimo. Um dos caracteres do gênio consiste "em nunca se satisfazer, em nunca crer que fez o bastante pela expressão da ideia que o preocupa e o arrebata."

Desde muito jovem Ozanam compôs versos. Entre os primeiros, muitos em latim, como que para exercitar-se no conhecimento dessa língua afim de melhor poder estudar as ciências e a história.

O seu professor de retórica, no colégio de Lyon, orgulhava-se disso e dele, e conservou inúmeros dos seus trabalhos. "Nessa grande coleção de versos constata-se uma variedade de tons. Passa-se do idílio à elegia, da elegia ao ditirambo pindárico, quer dizer, a poesia lírica de Píndaro."

Permitam-me os caros confrades que reproduza, em prosa e em vernáculo, alguns dos versos de Ozanam, segundo a versão francesa de Legeay.
                No tempo pascal sobre a antífona “Regina Coeli”, laetare (ser feliz).
               
      "O Rainha coroada de estrelas brilhantes dos céus, põe fim à tua            tristeza, afasta o teu pesar para longe de teu coração, e enxuga as          lágrimas que banharam tua face. Que hoje toda a corte celeste                aplauda; que as mais arrebatadoras harmonias encantem os eleitos,        e que os coros dos anjos façam ouvir suas mais doces melodias.

      E tu, ó Virgem, deixa enfim penetrar a alegria em teu coração
      por tanto tempo dilacerado e não penses na tua dor senão 
      para melhor apreciar a felicidade de te livrares dela.

      O homem Deus que quis nascer de uma virgem imaculada
      venceu seus inimigos e lançou por terra a morte:
      Ele ressuscitou. Ele está de volta nos tabernáculos eternos
      Ele te precede na mansão de seu Pai, e Aquele a
      quem tu viste com tanta dor pregado numa cruz tinta
      com seu sangue, chama Sua Mãe para o seu lado.

      Ele te precede, ó Virgem; apressa-te em ir até Ele e,
      cingida assim com a coroa do triunfo, vai prodigalizar-lhe
      tua ternura na rutilante morada. Mas,o terna Mãe,
      não esqueças os que amaste aqui na terra;
      digna-te em pensar em nós; sê a interprete de nossos
      anseios, pois que um filho Todo-Poderoso nada pode
      recusar à sua Mãe."

      Oferecimento à sua Mãe em louvor à Maria Santíssima.

                Eu vi a Virgem Santa em todo o seu esplendor.
                Serafins carregados dos tesouros do Senhor
                sobre ela espargiam tesouros de alegria;
                E sua fronte irradiava tão doce júbilo
                Que entre todos os santos ali reunidos
                Nenhum havia tão semelhante a Deus.
                O arcanjo que outrora lhe dera a nova,
                que daria a luz a um filho, mantinha-se diante dela,
                de pé e, abrindo suas asas de ouro, cantava. 
                E o coro dos eleitos todo se agitava,
                e, do céu encantado enchendo os espaços,
                mil vozes repetiam: Salve, ó cheia de graça.

Sua última poesia, escreveu-a Ozanam em San Jacopo – Itália - em fins de Julho de 1853. Recebera ele da "Academia della Crusca" a honra insigne de ser admitido entre seus membros, honra raramente concedida a escritores estrangeiros, por seus trabalhos sobre Dante.

Ele contemplava o mar, sua saúde parecia reflorescer, e esperava sua cura para o outono que se aproximava. Eis os versos em tradução livre e que resumem seus sofrimentos, sua resignação, suas esperanças, suas preocupações com amigos, esposa e filha para alcançar a saúde.

                Sobre um recife longínquo nossa nau encalhada
                Aguarda a onda salvadora que reconduz ao porto.
                E a Madona, a quem o barco foi dedicado
                Parece surda aos nossos apelos, e o Menino Jesus dorme!
                Entretanto há doze anos, sob esse doce patrocínio,
                Partíamos de esperanças cheios; flores ornavam tua fronte.
                E logo, para encantar, para abençoar a viagem
                Na popa sentou-se um anginho louro.
                Desde então, o céu escureceu-se sobre nossas cabeças,
                Os ventos sacudiram nosso esquife noite e dia;
                Mas nunca vimos tão cruéis tempestades,
                Climas tão rigorosos que extinguissem o amor.
                Não, não, eu não quero temer sob vossa guarda,
                Companheira de exílio que Deus me preparou,
                Já um olhar clemente da Virgem nos acompanha
                E logo o Menino Jesus acordará.
                E sua mão nos tangendo para um mar calmo
                Sem medo e sem esforço alcançaremos enfim
                O litoral onde nossos amigos, multidão ardente e encantada
                Avistarão nossa vela e nos estenderão a mão.


                                                                                                                                                                                                   CFD. JOSÉ AMADEI