1º DOMNGO DO ADVENTO

Marcos 13,33 – 37

Ficai de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando será o tempo. Será como um homem que, partindo de uma viagem, deixa a sua casa e delega sua autoridade aos seus servos, indicando o trabalho de cada um, e manda ao porteiro que vigie. Vigiai, pois, visto que não sabeis quando o senhor da casa voltará, se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã, para que vindo de repente, não vos encontre dormindo. O que vos digo, digo a todos: vigiai!

Comentário

Já é hora de acordar! Eis o apelo de Jesus no Evangelho que inaugura este tempo do Advento. Uma nova aurora surge no horizonte da humanidade, trazendo a esperança de um novo tempo de um mundo renovado pela força do Evangelho. Neste tempo de graça, somos convocados a sair do torpor de uma prática religiosa inócua, a acordar do sono dos nossos projetos pessoais vazios e egoístas. Despertos e vigilantes, somos convidados a abraçar o projeto de Deus que vem ao nosso encontro, na espera fecunda do Tempo do Advento, temos a chance de reanimarmos em nós e os compromissos assumidos em favor da construção do Reino, reavivando as forças adormecidas, para a construção de uma humanidade nova, livre das trevas do sofrimento, da marginalização e da morte.

Frei Sandro Roberto da Costa, OFM - Petrópolis/RJ

2º DOMINGO DO ADVENTO

Marcos 1,1 – 8

Conforme está escrito no Profeta Isaias: Eis que envio meu anjo diante de ti: Ele preparará teu caminho. Uma voz clama no deserto: Traçai o caminho do Senhor, aplainai suas veredas (Mt 3,1); Is 40,3). João Batista apareceu no deserto e pregava um batismo de conversão para a remissão dos pecados. E saiam para ir ter com ele toda a Judéia, toda Jerusalém, confessando os seus pecados. João andava vestido de pelo de carneiro e trazia um cinto de couro em volta dos rins, e alimentava-se de gafanhotos e mel Sivestre. Ele pôs-se a proclamar: “depois de mim vem outro mais poderoso do que eu, ante o qual não sou digno de me prostrar para desatar-lhe a correia do calçado. Eu vos batizei com água; ele, porém, vos batizará no Espírito Santo”.

Comentário

“Preparai o caminho do Senhor, aplainai as suas veredas”. Clamando pelo deserto, João Batista nos indica que procurar viver conforme a Boa-Nova que Jesus nos trouxe não se trata, simplesmente, de viver dentro de um sistema religioso com certas práticas que nos identificam com tais. Talvez ele queira nos indicar que a fé, antes de tudo é um percurso, uma caminhada, onde podemos encontrar momentos fáceis e difíceis, dúvidas e interrogações, avanços e retrocessos, entusiasmo e disposição, mas também cansaço e fadiga. No entanto, o mais importante é que nunca deixemos de caminhar, pois o caminho se faz caminhando. Boa caminhada de Advento e preparação!

Frei Diego Atalino de Melo

sexta-feira, 25 de maio de 2018

3. A MISSÃO DO DISCÍPULO DE OZANAM


A MISSÃO DO DISCÍPULO DE OZANAM


Meus caros confrades,                   

Se for sempre doce e consolador falar de Antônio Frederico Ozanam, crescem e se dilatam consolo e doçura, ao proferir o que nos dita o coração, quando algo do que ele sonhou ante o nosso olhar se concretiza.

Lançou aqui Ozanam uma semente, e terreno fértil se lhe deparou. E o coração que a deitou, outro encontrou, moldado pelo dele, que a recebeu. A semente medrou. A planta, a princípio pequenina, regou-a o zelo de um vicentino. Cresceu, e flores e frutos foi espargindo, dia a dia mais belos, na fragrância e no sabor da bondade. A Assistência Vicentina aqui está, oriunda daquela semente, banhada pelas mãos benfazejas de mais um vicentino, nesse despertar perene da caridade, cujo manancial soube Ozanam tão bem avivar com os exemplos de outrora, e com as bênçãos que agora colhe a mãos cheias dos tesouros do Cristo.

Outro melhor não poderia ser que este templo de caridade, ao qual voz amiga, como se fora o soar de um sino, tocou-nos a  reunir, agrupando-nos em torno do pensamento de Ozanam, a fim de que a alma se nos enrije e mais ao nosso modelo se amolde.  

Hoje, motivo especial aqui nos congrega. Se já era do Cristo esta mansão da caridade, mais dele ainda se tornou.

Passou ele a residir aqui no milagre da Eucaristia.

E as bênçãos esta casa acaba de receber do seu legado, o nosso venerado Cardeal Arcebispo, numa demonstração do quanto lhe merece a obra de Frederico Ozanam.

Meus caros Confrades,

É, em verdade, sublime a missão que um dia esposamos, e que vem sendo a nossa companheira de ideal. Mas, se por vezes, como nesse recinto agora ocorre, não nos acercarmos em torno da vida e do espírito de Ozanam, como os seus companheiros de outrora o faziam, o zelo se nos arrefece, a indolência de nós se apossa e os encargos da vida nos absorvem. Toldam-nos estes, então, a consciência, neles encontrando aparente razão para protelarmos o exercício da caridade vicentina, no aguardo de momentos mais serenos em que a ele nos possamos dedicar.

Erro funesto à alma que fenece; erro de que a pobreza não nos perdoa.

Funesto à alma que assim se definha e se dilui nos embates da vida, o olhar preso e pousado o pensamento naquilo que a nós e aos nossos diz respeito, nessa agitação continua pela conquista, que nunca encontrará limites, dos bens em que depositamos, esgotados, os nossos sonhos de felicidade.

E nessa luta e nesses sonhos, esquecemo-nos de que não só dos bens que diretamente obtivermos, advirá para nós a felicidade. Olvidamos que, outra existe que de outros seres nos provêm. E esses outros, são também os nossos pobres. Qual de nós já não sentiu o encanto de um sorriso, partindo muitas vezes dentre lágrimas incontidas dos olhos macilentos daquele que sofre, por uma palavra amiga que lhe dirigimos, um presente que lhe ofertamos, transformando-lhe o abatimento em ânimo que renasce, ou que a dor lhe arrefece por um agasalho que lhe irá minorar o frio, um alimento a reerguer-lhe o corpo que a fome debilitara.

É dessa felicidade que se não pode esquecer o vicentino, pois que de sua missão lhe é própria; felicidade que não a possuem senão aqueles que a foram buscar no sofrimento que mitigaram.

Será, porém, de acusar-nos de egoísmo se assim a procuramos; se, como vicentinos, a encontramos no desempenho de nossa missão, partilhando da que ao pobre proporcionamos?

Não o creio! Antes esse anseio é digno de ser alentado, pois se digno o não fosse, como admitir que o Cristo o tivesse inoculado no melhor do coração humano?

Lembro-me, com a nitidez das coisas e dos fatos que a velhice aviva, de algo que na mocidade me ocorreu. Estava eu internado em um colégio bem longe da pátria; edifício imenso em centro de frondoso parque. Não era, então, o corpo que me doía; tinha-o bem moço ainda. Era o coração que o mantinha em prantos, tão distante vivia do carinho de minha gente. Certo dia ao penetrar em meu quarto de estudante encontrei sobre a mesa um favo de mel, encimado por um bilhete que dizia: "Terei seis graus de prazer em saborear, eu mesmo, este favo de mel; terei quarenta se o comeres". Quão feliz então eu me senti! A doçura do mel adoçou-me também o coração. Guardei o bilhetinho. E, coisa singular: Os quarenta graus de prazer que ele teria, quarenta anos depois lhe proporcionei. Fui visitar o meu colégio de outrora. Sabia que o amigo que então me consolara, lá ainda morava, não como aluno, mas como professor, filho de Vicente de Paulo. Bati à porta do colégio. E, o bilhetinho lhe enviei pelo porteiro, qual cartão de visita. Feliz veio abraçar-me, e feliz eu me senti, revivendo o conforto de outrora. Não fora ele vicentino, e eu o pobre,  o pobre que tinha lágrimas no coração?

Sim, meus caros confrades. Inútil seria querer afastar de nós a ânsia da felicidade. E não é justo que um vicentino a procure na felicidade que aos outros ele mesmo proporcione? Ai de nós se esse desejo não nos impulsionasse na vida! Para conquistá-la, até o próprio sofrimento e o sacrifício aceitamos, desde que a ela nos conduza.

E assim não agiu o nosso Ozanam? Não se cingiria, certamente, a com tanto ardor conquistá-la na terra se, tal conquista de outra maior o privasse, daquela que se não finda e que em Deus se eterniza. Era infindo o seu sonho de felicidade. Não a queria limitada ao que outros, errôneos e cegos, por ela aspiram e lutam.

Era a verdadeira, a única desejável, a que ele ambicionava: aquela que é a precursora de outra que paira no infinito, aliando-se e, por assim dizer, fundindo-se com a própria felicidade divina.

Tudo deu Ozanam que dele dependia, e toda a força despendeu em busca desse objetivo.

* * *





Paris



Desde bem jovem compreendeu Ozanam que o único caminho que a ela (felicidade)  poderia conduzi-lo seria aquele que o Cristo traçara à humanidade.

Que viu Ozanam em Cristo? O que d'Ele ouviu? O desejo de dá-la ao homem que havia perdido o direito de conquistá-la. Sondou-Lhe a vida; procurou compreender-Lhe a doutrina, penetrar no âmago de suas palavras, seguindo-Lhe os ensinamentos, imitá-lo.

Deixara o Cristo, após a vida curta que na terra passara um legado precioso: a sua Igreja. Deixara também um novo amor: o amor ao pobre. E Ozanam quis, então, a uma cultuar, e do outro aproximar-se, (à Imitação do Mestre Divino), tornando-se paladino da Igreja, e amante da Pobreza. Nesses dois objetivos firmou Ozanam o seu sonho de felicidade na vida que, também bem curta, na terra haveria de viver, numa antecipação daquela sem fim, que lhe era prometida, prêmio que com todas as forças  ambicionava.

* * *

Volvendo nosso  pensamento para um passado, que mais dista de um século, encontramos Ozanam a palmilhar a vida pela terra de França.
Afigura-se a nós que, então, lançou Deus um dia o seu olhar sobre aquele que viria a chamar-se: Antônio Frederico Ozanam. E tudo nos diz que bela lhe achou a alma, e digna de fazer dela grandes coisas.

Para cultivar a pequenina planta, de quem esperava ótimos  frutos, procurou aprimorá-la. Deu-lhe pais que ao amor que consagravam ao filho, esmeravam-se em embelezar-lhe a alma. E desses pais deu-lhe os exemplos de virtudes e abnegação, de fidelidade à Igreja e de amor ao pobre.

Ozanam mesmo ao dirigir-se a Deus sobre essa mãe adorável, assim, emocionado, exclamava: "Eu aprendi sobre os seus joelhos o vosso temor, e no seu olhar o vosso amor". E bem ele sabia que os últimos passos de seu pai, no mês de Maio de 1837, já alquebrado pela idade, estes os havia dado, dirigindo-se ao tugúrio de um pobre doente a quem, por caridade, fora levar um lenitivo ao sofrimento.

* * *

Continuou Deus a olhar com carinho por Ozanam, cuja inteligência e coração, então, apenas desabrochavam. Seus irmãos, Carlos e Afonso, foram-lhe companheiros preciosos, e a irmã Elisa a quem tanto queria, aprimorava-se em cuidados, passando para a dele, sem mesmo o sentir, quanto de belo lhe havia na alma.

Enquanto adolescente, foram seus mestres e guias, Rousseau, Gebert e Noirot, sacerdotes que aliavam ao saber, a virtude e bondade.
Assim revestido dos dons com que, em seus primeiros anos, fora galardoado, partiu para Paris.

Quão diverso era o ambiente em que passou a viver, em 1831, o jovem de 18 anos. Campeava, então, a descrença na ação da Igreja, senão o ataque acirrado à sua atuação. Afastavam-se os homens das Igrejas. Daquela época, diz-nos Montalembert, que "a vista de um homem num templo, tanto pasmo causava quanto a visita de um viajante cristão a uma mesquita".

Tudo parecia hostil ao jovem estudante. Mais uma vez, porém, a luz divina que o acompanhava pousou para ele às portas de um sábio que também era um santo: André Ampère, indicando para sua morada um lar em que o Cristo também residia, pois que eram dele os corações que lá moravam. Desse convívio nasceu o encanto daquela amizade tão bela que o prendeu ao filho do grande sábio: a Jean Jacques Ampère.

Com o correr dos dias, o que havia de encanto na alma de Ozanam atraiu outras almas jovens que da mesma beleza partilhavam. E o rol de seus amigos, companheiros do mesmo ideal, foi-se ampliando. 

Surgiram, entre muitos,  em sua vida: Lallier, Le Taillandier, Lamache, Devaux, Clavé. Conheceu-os na Sorbonne e com eles frequentava a Conferência de História, a que Bailly emprestava luzes e diretrizes.

Dessa época, quando a ela mais tarde Ozanam em Florença se referia, assim a descreveu:

“Estávamos então, invadidos por um dilúvio de doutrinas filosóficas e heterodoxas que, em torno de nós, se agitavam. Sentíamos o desejo e a necessidade de fortificar nossa fé, em meio dos assaltos que contra ela desencadeavam os diversos sistemas da falsa ciência. Alguns de nossos colegas eram materialistas, outros Saint-Simonistas, outros ainda Fourrierístas, e até os havia deístas. E quando, nós católicos, nos esforçávamos em patentear as maravilhas do cristianismo, todos eles nos diziam: Tendes razão se vos referis ao passado. Fez prodígios, outrora, o cristianismo; hoje, porém, é apenas um cadáver. Vós mesmos, que vos orgulhais de ser católico, o que fazeis? Onde estão as obras a demonstrar vossa fé, e que no-la façam admitir e respeitar”.

Mais uma vez luz celeste aclarou-lhe a senda que devia percorrer.

Insurgiu-se contra a concepção de que a Igreja falira em sua missão, e passou a defende-la. Não era, porém, bastante. Pregar apenas, escrever, embrenhar-se em polêmicas, não seria suficiente para desenraizar concepções que invadiam os cérebros dos que o cercavam. Era necessário transformar em atos a força e a beleza das ideias que esposara e que no cristianismo as fora beber. 

E Ozanam, pela pena e pela palavra, constituiu-se arauto da Igreja em que se concretizavam as máximas sublimes do cristianismo. Ozanam foi, porém, mais longe.




SORBONNE

* * *

As Conferências de Caridade



Em uma tarde, quando  findava o  inverno  de  1833, - assim o descreve Louis Fliche, - a  troca de ideias de Ozanam  e seus companheiros, mais viva havia sido que até então. E Ozanam dizia: "Quanto é doloroso ver a nossa Santa Igreja assim atacada,  deformada,  caluniada. Fiquemos de atalaia a fim de enfrentar  os ataques que  lhe são dirigidos. Não sentis, porém, como eu o sinto, a necessidade de manter, fora das conferências militantes, -  referia-se   Ozanam   às  conferências  de  história, -  outra pequena Sociedade, composta de piedosos e bravos companheiros, que unam às obras a palavra, assim demonstrando a verdade da fé pela sua vitalidade?"


Foi dessa conversa que surgiu ainda mais forte no espírito de Ozanam o anseio, que de longe lhe vinha impregnando o espírito, de prosseguir com redobrado ardor na defesa da Igreja. E também foi a primeira centelha que veio atear o fogo da caridade dos futuros organizadores das "Conferências de Caridade". Não tardou esta a transformar-se em promissora realidade. O apelo de Ozanam fora compreendido! Lamache, que ouvira Ozanam assim falar, quando, 50 anos mais tarde, a então "Sociedade de São Vicente de Paulo" completava as suas bodas de ouro, recordava a impressão que lhe ficara desse sublime colóquio.

"Após meio século de distância, - dizia ele ao comemorar a data auspiciosa, - essa cena reaviva-se-me na memória. Parece-me ver o olhar de Ozanam coberto de tristeza, mas ao mesmo tempo cheio de ardor e fogo. Parece-me ouvir essa voz que transbordava a emoção profunda de sua alma. Ao separar-se o pequeno grupo, levava cada um no coração o traço inflamado que Nosso Senhor Jesus acabara de nele infundir pela palavra do jovem companheiro".

A ideia germinou bem rápida na mente de Ozanam. E como não adquiriria ela pujança se o coração ardente a impulsionava?

Dias, apenas, mais tarde dizia Ozanam a seus amigos: "Em paga de tantos sofrimentos seus, fizemos para o Cristo uma conquista que fosse? Se não obtêm sucesso nossos esforços, não será isto devido a que alguma coisa falta à   eficácia sobrenatural de nossas palavras? Sim, para que nosso  apostolado seja abençoado por Deus, uma cousa lhe falta: as obras de caridade. A bênção dos pobres é a bênção de Deus".

Foi então que Ozanam e Le Taillandier, em noite fria de inverno, tomando aquela acha com que alimentavam o fogo que os aquecia, levaram-na a um pobre da vizinhança, dando-lhe calor no corpo e de luz lhe iluminando a alma. Como, porém, dar rumos amplos à ideia de caridade que neles vibrava?Lá estava Bailly, o mestre, o guia. E este a esposou  e dela com eles passou a viver, presidindo o alvorecer daquele sonho de caridade.

Não cederam Ozanam e seus companheiros ante os obstáculos aos empreendimentos de sua missão. A conselho de Bailly, dirigiram-se ao Padre Olivier, vigário de Etienne-du- Mont, a fim de lhe expor o plano que elaboravam. Não foram, porém, compreendidos. Melhor ao Padre Etienne lhe parecia que ensinassem às crianças o catecismo. Outra, porém, foi acolhida que lhes dispensou a Irmã Rosalie, Filha de São Vicente de Paulo, melhor soube compreender, com aquele dom feminino do amor, o nobre sentimento que neles brotava, E, com o senso prático que nela se unia ao desejo do praticar o bem, desde logo lhes indicou famílias pobres que poderiam visitar. Fez mais ainda: mostrou-lhes como as deviam tratar, a fim de que, levando-lhes o alimento ao corpo, também as almas alimentassem.

Em 23 de abril de 1833, realizou-se a primeira reunião dos novos pioneiros da caridade na redação da Tribuna Católica, sob a presidência de Bailly. E assim nasceu aquela que seria a nossa Sociedade de São Vicente de Paulo.

* * *

Era, então, a Conferência um reduto pequenino de que apenas Ozanam e seus amigos partilhavam. O ardor que os inflamava não o puderam, porém, conter em tão pequeno círculo. Lallier sugeriu desde logo que seu amigo de La Noue também dele participasse. Ozanam, que parecia adivinhar o futuro da novel Sociedade, apoiou e defendeu tal pretensão, apesar de aos outros se afigurar que se tratava apenas de um circulo de amigos que se deviam uns aos outros ajudar no exercício da caridade. E o circulo se abriu, e outros nele penetraram, a ponto que, já em 1834, mais de uma centena nele abrigava-se.

Já então o roteiro seguro delineava-se na vida de Ozanam. Escrevia, falava, ensinava, agia. Mas nessa diversidade havia uma unidade: O amor ao Cristo.

Batalhou pela Igreja. São disto testemunho as suas preleções e escritos, carinhosamente compendiados por Jean Jacques Ampère, além de artigos que publicou em jornais e revistas. Desta sua atuação, são-lhe ainda memorial precioso as  cartas que aos amigos dirigia, encorajando-os na fé católica, descrevendo as belezas do cristianismo e a radiosa personalidade de Pio IX, que então ocupava a Cátedra de Pedro.

Travou debates, que os enchia do calor da fé e do brilho da inteligência. Presidia-os, porém, o espírito de caridade que lhe era inato, podendo, um dia, proclamar: "Uma das mais doces consolações, no decorrer de minha carreira, é a certeza de jamais haver magoado alguém, embora defendendo  com toda a energia a verdade".

A par de seus escritos, das aulas que proferia e dos debates em que se empenhava no culto à Igreja, não se esquecia de jamais Ozanam desse outro legado de Cristo: o amor ao pobre. Se lhe foi bela a inteligência para defender a Igreja, formoso lhe não foi menos o coração para defender o pobre.

Caminhava a passos largos a obra de Ozanam e de seus companheiros. Já em Fevereiro de 1834, convertiam-se as Conferências de Caridade na Sociedade de São Vicente de Paulo. Bem avisado andou Ozanam ao assim denominar a sua obra de caridade. Modelo melhor não se lhe poderia deparar que mais lhe definisse a finalidade.

Aquele círculo em que vivia, e que já de início se abrira, dia a dia se alargava. Já não era mais apenas a França que nele penetrava. O espírito de Ozanam espalhava-se pelo mundo.

A expansão, natural mas imprevista, da obra de Ozanam já estava a exigir, para que se não alterasse o espírito  primitivo, que um regulamento fosse elaborado e organizado um conselho de direção, a fim de agrupar quantas Conferências já se achavam disseminadas.

E assim, dois anos após sua fundação, ou seja, em 1835, surgiram as diretrizes escritas da novel Sociedade, leiga mas fundamentalmente católica, cujo objetivo precípuo seria a visita domiciliar ao pobre, sem deixar de abrir os braços a quantas atividades se coadunassem com a sua caridosa finalidade.

* * *

Ano por ano, foram-se as Conferências dilatando. Em Julho de 1844, ao deixar Bailly a presidência da Sociedade, já eram em número de 144. E não somente era Paris a sua feliz detentora. Já as havia espalhadas pela França, e duas figuravam em Roma. E os sete confrades primitivos, haviam-se multiplicado. Eram 4.561, e cerca de 10.000 famílias eram aliviadas de seus sofrimentos.

Gossin, ao terminar o curto período de sua presidência, teve a felicidade de ver elevadas as Conferências a 369 que amparavam material e espiritualmente 17.000 famílias. E outra finalidade foi também concedida a esse denodado presidente: O Papa Gregório XVI, pelo breve apostólico de 10 de Janeiro de 1845, concedia indulgências especiais aos membros da Sociedade.  Era a consagração solene da Sociedade pela Igreja, e que vinha firmar a sua finalidade e a sua organização, foram inúmeros os benefícios que desse ato lhe advieram. Em três anos apenas estendeu-se a Sociedade pela Bélgica, Irlanda, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Alemanha, Suíça, Turquia, Canadá, Estados Unidos e México, tendo sido agregadas desses países, 91 Conferências.

* * *

Já, então, não mais a considerava o clero com a natural indecisão de uma obra que, sendo católica, era totalmente de leigos.

Narra-nos Albert Fougault, o gesto do bispo de Montpellier, Monsenhor Thibaut, que, ao ir celebrar a santa missa, cercado de vicentinos, soube que se achava desprovida de recursos a caixa da Conferência. Já estava paramentado. Isto, porém, não impediu que em gesto rápido tirasse do bolso a tabaqueira de ouro e a entregasse ao presidente. "Não tenho dinheiro, disse-lhe o prelado, mas vendei isto. Posso usar uma tabaqueira mais simples de madeira, e assim, ao menos, tereis pão para os vossos pobres". E, galgando os degraus do altar, nem tempo deixou ao presidente para manifestar-lhe a gratidão.

E esses gestos e essas atitudes tornaram-se incontáveis por parte do clero francês. Chegou mesmo o bispo de Strasburgo a vender a própria carruagem para que não faltassem recursos às conferências de sua cidade.

Tal era, então, o zelo que brotava dos corações vicentinos, que confrades havia que, durante a semana, chegavam a visitar 8, 10 e até 12 famílias. E, por incrível que nos pareça, a nós que apenas uma visita, ou duas no máximo fazemos por semana, houve um confrade em Paris, da Conferência de Saint-Merry, que tomou a seu cargo a visita de 35 famílias.

* * *

Novo presidente sucedeu a Gossin.

Baudon tinha apenas 28 anos ao ser guindado à presidência, e já era veterano de 10 anos na Sociedade.

Bem o conhecendo, disse dele, então, o Padre d'Alzon: "Ele é jovem e ativo, ama a Sociedade e possui fortuna. Por muitos anos poderá dirigir, e com abundantes frutos, a Sociedade". Foram proféticas estas palavras. De 1848 a 1886 estendeu-se a sua presidência, e com tal eficiência desempenhou seu encargo que, - é ainda Fougaut quem no-lo conta, foi cognominado: "O segundo fundador da Sociedade."

Que sublimes exemplos deixaram os vicentinos de 1848 e 1849 por ocasião da revolução que convulsionou Paris, e da epidemia de cólera que dizimou tantos dos seus habitantes.

Baudon, como presidente recém eleito, e Ozanam que modesto o acompanhava, multiplicaram-se em obras de assistências às vítimas daquela eclosão de revolta e desta grande calamidade.

Ante a miséria decorrente da revolução, coube às conferências de Paris mitigar a penúria de 2.500 famílias, tocando 60 a cada confrade. O Doutor Trélat, então prefeito de um dos distritos de Paris, ainda que livre pensador, não vacilou em entregar tal tarefa aos vicentinos, e ante os resultados por estes conseguidos, manifestou-lhes a sua imensa gratidão. Bem conhecido de nossos confrades é aquele episódio, então ocorrido, da morte de Monsenhor Afre, o grande protetor da Sociedade, e do qual bem perto se encontrava Ozanam. Baudon também sofreu por essa ocasião um acidente que lhe fraturou uma perna, deixando-a para sempre defeituosa. Se esta missão foi penosa aos membros da Sociedade, bem maior foi a que desempenharam durante os dias tenebrosos em que a peste invadiu a cidade, arrebatando-lhe 16.000 mortos. Somente em Paris nove seções de confrades foram organizadas. Quanta heroicidade, então, patenteou-se. Dia e noite, por vezes passavam os vicentinos ao lado dos enfermos. E se não lhes venciam o mal, vestiam-nos e os acompanhavam ao cemitério, regressando a outros leitos em que grassava a epidemia. Descrevendo esses dias, narra ainda Fougault, que os vicentinos que foram destacados para Montataire (no Oíse )após mês e meio de um trabalho insano, tal perfume deixaram de caridade, que seus habitantes, de tal modo se achegaram à religião que organizaram, como homenagem de gratidão, uma conferência vicentina, para que deles se não apartasse a lembrança do quanto de bondade haviam recebido.

* * *

Aumentavam dia a dia as Conferências vicentinas. Foi nessa época que se foram formando em França os Conselhos Particulares a fim de agrupar as conferências isoladas. Vieram a seguir os Conselhos Centrais e, no estrangeiro, os Conselhos Superiores que serviam de traço de união com o Conselho Geral.

No espaço de apenas 3 anos teve Baudon o consolo de ver sua Sociedade desdobrar-se. Nesse período, foram agregadas pelo Conselho Geral 3.254 Conferências novas e constituídos 195 Conselhos Particulares, 32 Conselhos Centrais e 15 Conselhos Superiores. No seu coração, porém, três feridas se abriram: foi Ozanam que o deixou em 8 de Setembro de 1853, Gossin em 1º de Abril de 1855 e Bailly em 12 de Abril de 1861.

Foi a Baudon que coube ainda sofrer as perseguições que se desencadearam contra a sua Sociedade. No México, na Espanha e na Itália sofreu a Sociedade grandes golpes, e a guerra de 1870 atrasou-lhe de muito o desenvolvimento. Baudon, porém, não esmoreceu. Foi o iniciador do "Voto Nacional" visando a ereção da Basílica de Montmartre, e, para a sua Sociedade, instituiu "a missa das quatro intenções" que uniria aos pés do altar no mesmo dia em todo o mundo os corações dos vicentinos. Bem podemos avaliar, meus caros confrades, o que a Baudon representou a solenidade do cinquentenário da sua Sociedade, vendo em Paris, em 1883, reunirem-se ao Conselho Geral representantes dos Conselhos de tôda a comunidade vicentina, e ouvir da eloquência de Monsabré os votos que formulava para que entrasse a Sociedade de São Vicente de Paulo "cheia de grandes e vigorosas ambições em um novo cinquentenário".

Já alquebrado pela moléstia que o iria vitimar em 1888, passou Baudon a presidência da Sociedade em 1886 a Pagès, entregando-lhe, cheia de vitalidade, a obra de Frederico Ozanam. Presidiu Pagès a Sociedade pelo espaço de 17 anos, ou seja de 1886 a 1903. Foi uma época de calmo progresso, durante a qual nasceram mais 3.200 conferências e, entre elas, as que surgiram em nosso pais, na cidade do Rio de Janeiro, sendo a 1a. em 04/08/1872.

Sucedeu-lhe Calon, cuja presidência efetivou-se de 1904 a 1913. Ao deixa-la agrupavam-se em torno da Sociedade Vicentina 8.352 Conferências.

Coube a Calon a indizível ventura de ainda, ao findar sua missão, presidir em Paris, em Abril de 1913, à celebração do centenário do nascimento de Frederico Ozanam. Do mundo inteiro acorreram vicentinos para glorificar o seu excelso fundador. A titulo de legado do Papa compareceu o Cardeal Vanutelli. Quis assim o soberano Pontífice dar à Sociedade do São Vicente de Paulo a demonstração de seu paternal apoio.

Dessa magna Assembleia surgiu mais vibrante, o desejo de ver um dia elevado à glória dos altares a imagem de Frederico Ozanam.

De 1914 a 1924 presidiu os destinos da Sociedade o Visconde de Hendecourt. Deflagrara-se a guerra e suas consequências fizeram-se sentir amargamente entre as fileiras vicentinas. Somente entre os confrades da França cerca de 2.000 pereceram.

Penosa foi a missão desse presidente da Sociedade. Inúmeros problemas se lhe defrontaram, ante as consequências da guerra. Não eram apenas os socorros materiais que se tornavam precisos, mas o reerguimento moral de um povo que tanto sofrera. Novos recursos tornaram-se necessários para que Sociedade pudesse continuar no desempenho de sua missão de caridade. Novos pobres surgiram: eram as denominadas "Família nº 2", isto é, aquelas que tudo haviam perdido do que antes possuíam. A missão do vicentino tornou-se então ainda mais difícil, e muita habilidade lhe foi preciso para que a esmola não revelasse compaixão, a fim de não ferir a suscetibilidade daqueles que envergonhados a recebiam. 

Foi então que também muitas obras novas surgiram, dentro do mesmo espírito de Ozanam, entrosando-se às de assistência social.

E uma evolução operou-se na Sociedade de São Vicente de Paulo, sem nada perder, entretanto, do seu espírito primitivo.

Escolhido em 1924 o Sr. de Vergès, para o cargo de Presidente do Conselho Geral, esposou os novos traços que se vieram aliar à Sociedade, imprimindo-lhe, no dizer de Fougault, "esse caráter ao mesmo tempo progressista e tradicionalista que se havia esboçado na presidência de seu antecessor".

E a Sociedade de Ozanam, conservando-se embora dentro da modéstia cristã, passa a representar papel de maior notoriedade entre as obras da Igreja. Foi assim que, em fins de 1933, contavam-se Conferências, disseminadas pelo mundo em número de 12.500, e os confrades a elas pertencentes aproximavam-se de 200.000. Só naquele ano, em que a Sociedade celebrou o seu centenário, 489 novas Conferências se lhe vieram agregar.

* * *

Não se contentou porem Ozanam com um século apenas de vida dessa obra que legara à pobreza do mundo. Quer mais. Não lhe quer ver o fim, enquanto a pobreza residir na terra.

E outros vêm repetindo, daquela mesma Paris, a conclamar o mundo Vicentino, o brado de ozanam: "Vamos aos pobres".

A Vergès sucedeu Jacques Zeller em 1946. A este a grande consolação foi reservada de celebrar, em 1953, o 1º centenário da morte de Ozanam. Foi durante a presidência desse abnegado confrade, que o Santo Padre, em mais uma demonstração de seu carinho, designou o Cardeal Aloisio Masella, Cardeal Protetor de nossa Sociedade. Não foi, porém, sem espinhos a sua missão, pois dias amargos atravessou durante a guerra que tanto vitimou a França.

Após a sua renúncia ao cargo que com tanto zelo desempenhara, foi eleito presidente da Sociedade o Professor Pierre Chouard, em cujo coração pulsa e vibra o mesmo amor e zelo pelos destinos da obra de Ozanam.

Em ressonâncias de caridade vem-se o brado de Ozanam repercutindo pelo Brasil. E com santo orgulho podemos clamar que na Província Eclesiástica de São Paulo, vicejam 1.100 conferências, formando o maior núcleo vicentino do mundo, com mais de 14.000 membros ativos.

Assim, meus caros confrades, perpetua-se Ozanam em sua obra de caridade. Assim hoje a cultuamos; assim certamente o farão outros vicentinos que nos virão suceder.

Hoje tantos anos decorridos continua para nós a viver Ozanam. Em um túmulo em Paris repousa-lhe o corpo; pelo mundo todo lhe vibra o coração em ardores de caridade, e no céu sentimos que lhe paira a alma de escol, na concretização em Cristo do seu sonho de felicidade.

Possamos nós exclamar um dia, quando prestes estiver a  terminar a missão que nos coube, e no preâmbulo estivermos da eternidade: - Senhor! Não ouso pronunciar como Ozanam:

"Por que vos temer, se tanto vos amei? Mas, Senhor, cuidei dos vossos amigos, os pobres desta terra, e minha felicidade encontrei em fazê-los menos infelizes. Senhor! Onde havia fome, procurei mitiga-la; onde havia frio, procurei suaviza-lo ; onde havia dor, procurei atenua-la, e onde a tristeza provocava lágrimas, procurei colhe-las, transformando-as em sorriso para vós".

                                                                          JOÃO PEDREIRA DUPRAT
                                                                          Outubro de 1957


Relação dos Presidentes do Conselho Geral Internacional, da Sociedade de São Vicente de Paulo
 1. Emmanuel Josph Bailly              1836-1844
 2. Jules Gossin                                 1844-1848
 3. Adolphe Baudon                         1848-1886
4. Antonin Pagès                              1886-1903                 
 5. Paul Calon                                    1904-1913                  
 6. Louis D'Hendecourt                    1913-1924                    
7. Henri de Vergès                            1924-1943                   
8. Jacques Zeiller                              1943-1954                   
9. Pierre Chouard                             1954-1969
 10. Henri Jacob                                1969-1975
11. Joseph Rouast                            1975-1981                 
12. Amin de Tarrazi                          1981-1993                 
13. César Augusto Nunes Viana     1993-1999
14. José Ramón Diaz-Torremocha  1999-2010                 
15. Michael Thio                                2010-2016                 

16. Renato Lima                                 2016- 

segunda-feira, 7 de maio de 2018

4. EUCARISTIA - UM SINAL DE ESPERANÇA E UM SINAL DE AMOR





Eucaristia - sinal de esperança


Na Eucaristia encontra-se a fonte da luz mais profunda da nossa fé e da nossa esperança. A Eucaristia é o estímulo para o compromisso cristão. Dom Pedro Casaldáliga diz que "se a um povo lhe tiram a esperança, tiram-lhe tudo" e ainda Dom Oscar Romero repetia  sempre, apesar de  viver rodeado de perigos:
"Sim, há saída!". Há saída para os Pobres. E a Eucaristia é a força que não deixará a esperança morrer no meio dos Pobres. Isso pode ser feito através do serviço que dedicamos a eles.

São Vicente de Paulo dizia que "Deus pede a cada um que se ponha individualmente a serviço dos Pobres. São nossos senhores. É por isso que devemos tratá-los com compreensão e cordialidade. Cuide que não lhes falte nada, nem material nem espiritualmente. Trate-os com respeito, assim como o fazemos para Jesus Cristo. Ele diz: "O que fizestes por um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes". É portanto, na realidade, a Jesus Cristo que está servindo, ao cuidar de um pobre ou um enfermo. Não basta ter boas maneiras e paciência, trabalhar com os pobres exige também cordialidade" (SV IX, 119).

Nesse aspecto, a Eucaristia é, por excelência, o sacramento da pobreza divina. Ela simboliza e concentra toda "humildade" de Deus que, sendo Deus, rebaixou-se na condição humana para dar à pessoa humana as graças de sua participação divina. Um cântico de São Paulo expressa toda profundidade dessa doação: "Ele tinha a condição divina, mas não se apegou à sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens”."Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso, Deus o exaltou grandemente, e lhe deu o nome que está acima de qualquer outro nome" (FI 2, 6-9). Este "esvaziou-se de si" não consistiu apenas em nascer como pessoa humana. Foi além. Ele assumiu deliberadamente a identificação com os mais pobres, os mais pequeninos e os mais desprezados.

Desde o seu nascimento, Jesus Cristo encontra-se em meio aos excluídos de seu tempo, entre os sem-teto: "Não havia lugar para eles" (Lc 2,7). Jesus missionário "não tem onde repousar a cabeça" (Lc 9,58).

Até o fim, na ceia derradeira com seus apóstolos tornou-se alimento: "Isto é o meu corpo que vai ser entregue ... Este cálice é a nova aliança do meu sangue, que é derramado por vocês" (Lc 22,19-20). Por isso, São Paulo fala que "Ele, embora fosse rico, se tornou Pobre por causa de vocês" (2 Cor 8,9).
Podemos dizer que o principal aspecto teológico da Eucaristia é considerá-la como sendo o sacramento do empobrecimento de Deus.



Eucaristia - sinal de amor

São João afirma que "Deus é amor" (1 Jo 4,8.16). Se falarmos que Deus se manifesta na Eucaristia, que a Eucaristia é a manifestação do amor, podemos também afirmar que amor e Eucaristia se identificam. Da Eucaristia brota uma comunidade de homens e de mulheres chamados a serem testemunhas do amor.

A Eucaristia faz a Igreja para manifestar o amor. Ainda mais, para que ela seja sinal do amor de Deus no mundo. Foi assim que pensava Jesus: "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos" (Jo 15, 13). Foi assim o pensamento de muitos santos e santas. É no amor ao próximo que se completa a Eucaristia entre nós. É o sentido da caridade cristã. É prioridade na dinâmica do Reino de Deus. São Paulo afirmava que o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas paz e justiça. São Vicente de Paulo, que foi um verdadeiro apóstolo da caridade, podia dizer: "Felizes os que dedicam o tempo breve de sua vida ao Amor e à Justiça".

Para esse tipo de espiritualidade não bastam apenas palavras; são necessárias as ações concretamente realizadas no processo de experiência do próprio Deus através do serviço aos Pobres. A Eucaristia é por si o pão dos Pobres e nos envia para os Pobres. São João Crisóstomo questionava: "O que importa se a mesa de Cristo brilha com cálices de ouro, se Ele mesmo morre de fome? Aliviai antes as suas necessidades; em seguida com o que sobrar, enriquecei à vontade a sua mesa. É o que comumente acontece: ofereceis-lhe um cálice de ouro e lhe recusais um copo de água fria. Por conseguinte, decorando bem a casa de Deus, não menosprezeis o vosso irmão Pobre, pois o templo que é este irmão é mais precioso que aquele de Deus". Assim, há, na Eucaristia, uma exigência de partilha com os outros. É, aliás, uma exigência fundamental.

Na Quinta-feira Santa Jesus expressa uma atitude que surpreende seus apóstolos. Faz um gesto significativo; gesto que exprime toda a significação da doação de sua própria vida. Coloca-se a lavar os pés de seus discípulos. O que Jesus queria mostrar com isto? Simplesmente queria testemunhar que seu pedido incessante estaria sempre voltado para que todos tivessem uma atitude de serviço de uns para com os outros. Adesão ao Cristo deve ser também adesão aos mais pobres e aos mais desprezados.

A Igreja na América Latina manifestou no documento de Puebla que "os pobres merecem uma atenção preferencial .. Feitos à imagem de Deus para serem filhos de Deus, esta imagem é obscurecida e desfigurada. Por isso, Deus toma a defesa deles e os ama, eles são também os primeiros destinatários da Missão: evangelizá-los é o sinal por excelência, o sinal e a prova da missão de Jesus".

Concluindo, se faz necessário lembrar que celebrar a Eucaristia é fazer a memória de Jesus Cristo. Fazer memória não é apenas recordar o que Jesus Cristo fez há dois mil anos. "Fazer memória" é reviver em nossas vidas o que ele viveu, amar os Pobres, servir os Pobres, anunciar-lhes a Boa Nova que Jesus Cristo veio trazer, em primeira mão, aos Pobres. É assumir os valores do Evangelho, dispor-se a dar o próprio sangue e a própria carne para que outros tenham vida.