UMA
ESPIRITUALIDADE VIVA PARA OS VICENTINOS DE HOJE
Os
tempos mudaram e com eles houve necessidade de transformação do homem moderno
em não poucos setores da vida. A Sociedade de São Vicente de Paulo (SSVP) não poderia
constituir exceção.
Na
Assembleia Europeia da SSVP, efetuada em Lisboa em 1976, no primeiro subtema
das apresentações diz o relator: “Não só se houve, mas também se constata que a
SSVP atravessa uma grave crise que, por certo, não é mais do que o reflexo da
crise da própria Igreja e do mundo atual, onde os conflitos se multiplicam e,
até, deparamos com o espetáculo de confrontos em que o pretexto religioso é
evocado como causa e efeito”.
E
acrescenta: “A SSVP é acusada, muitas
vezes pelos próprios confrades e consocias, de ser rotineira e tradicionalista e, por
isso, de não ser capaz de detectar alguns dos importantes problemas da miséria
do nosso tempo. Muitas vezes “remedeia-se” uma situação sem a preocupação de
reivindicar a justiça apropriada para os que sofrem. São muitas as formas de
pobreza, indo elas desde os que sofrem nos cárceres sem ouvirem uma palavra de
simpatia, aos velhos isolados que não encontra quem os compreenda e com eles
dialogue: é o problema do racismo e das guerras do Líbano e da Irlanda, dos
confrontos entre israelitas, palestinos e árabes, etc. e que uma atitude
ecumênica de real inspiração ajuda a encontrar a solução de justiça paras as
vítimas inocentes. São também de não esquecer os cancros sociais que resultam
do uso e abuso da droga e do álcool, da prostituição e da sexualidade para a
qual até, por vezes, se encontram argumentos em termos de libertação do corpo;
é a tristeza das mulheres abandonadas e a multidão dos que não têm meios para
ter uma casa onde possa desenvolver uma vida familiar condigna. São ainda os
doentes sem assistência espiritual”.
Eis
aí uma série de importantíssimas questões que o relator expôs aos numerosos
confrades reunidos em Lisboa, lembrando-lhes que sobre as mesmas a SSVP tem de
refletir.
Deste
lado do Atlântico a situação, se não é a mesma, será talvez ainda pior. E
particularmente em nosso país, dada sua enorme extensão, os problemas se
apresentam mais graves, demandando soluções urgentes uns, atenção permanente
outros, e, não raro, declaração de estado de emergência. É o que acontece também
com a nossa SSVP, que participa da referida crise, a nosso ver, não tanto em
decorrência de uma situação mundial quase caótica, como pelas distorções dos
princípios que desde 1833 a
nortearam.
Pouco
a pouco, tais distorções foram levando os confrades e consocias à vida
rotineira. Sem perda da religião, foram se habituando a uma simples
distribuição de vales aos necessitados, hoje superada.
Nossos
confrades e consocias amam os necessitados, mas não amam tanto seus próprios
companheiros – os confrades de sua Conferência. Distinguem-se, assim
imperceptivelmente, diversas qualidades de “próximos”: os que recebem auxílios
e as atenções da Conferência Vicentina, os que se acotovelam uma vez por semana
nos bancos rústicos de uma pequena sala na Igreja paroquial e conversam sobre
os chamados “pobres”; os que arcam, não raro isoladamente, com as tremendas
responsabilidades da direção de nossa Sociedade, etc. E, no entanto, nos Santos
Evangelhos, não encontramos a palavra “próximos”, mas simplesmente o nosso “próximo”.
Não há distinção para a distribuição de nosso amor. O texto é claro: “Amar ao
próximo como a si mesmo...”, seja ele o necessitado, o confrade, a consocia, o
presidente da Conferência, do Conselho e outros.
Dessa
distinção resulta uma atitude do confrade ou consocia que deverá ser corrigida,
para podermos corrigir as distorções do apostolado vicentino. Deveremos começar
em nossa casa...
Qual
o confrade ou consocia que um dia se preocupou seriamente com seu companheiro
com o qual participa da reunião da Conferência? Em que momento ele perguntou ao
seu irmão de apostolado da caridade: meu amigo, sei de algo que o atribula,
poderei auxiliá-lo? Não está necessitando de um conselho, de uma palavra de
conforto, de uma orientação? O que o aflige? Poderei minorar seu sofrimento?
Será esta a causa de sua pouca frequência às reuniões da Conferência? E com os
socorridos, qual o confrade ou consocia que se dispôs a cuidar, ao menos por
uma semana durante o ano, dos filhos de seu socorrido, para que os pais pudessem
respirar os ares do campo, usufruindo de umas pequenas férias tão desejadas e
necessárias?
A legislação trabalhista dispõe que todos os assalariados têm o
direito a 30 dias de férias por ano. Que adiantarão esses 30 dias se o
empregado não possui meios para gozar
essas almejadas férias? A maioria irá utilizar os 30 dias para conseguir mais
recursos, para, pelo menos, pagar as dívidas. E se os confrades e consocias,
numa reunião da Conferência, estudassem esses problemas e se dispusessem a
auxiliar seus socorridos de tal modo a poderem ter um descanso de 30 dias? Há mil maneiras de solucionar questão tão
simples!
Mas a reunião da Conferência está marcada com a rotina de todas as
semanas e não há tempo para discutir os problemas dos socorridos. É necessária
uma alteração radical nos hábitos que temos tão arraigados. Ainda não há muito,
o Conselho Geral recomendava a todos os confrades e consocias a meditação sobre
o significado real da visita vicentina. Não deve ser rotineira, apenas
distribuição de vales, mas tem de ser uma visita amiga, amiga no mais amplo
sentido da amizade. Não vamos nós vicentinos fazer a visita a um socorrido, mas
a uma família de nossa amizade à qual desejamos dispensar assistência, quase
sempre para reparar as injustiças de que ela é vítima. E, assim, teremos
satisfeitos os desejos de promover a família que passará a ser realmente a nossa família. Tudo faremos para que
isto aconteça no mais breve espaço de tempo possível.
Naturalmente, esta
atitude demanda uma série de providências que teremos de tomar em consonância
com a opinião de nossos irmãos com os quais nos reunimos todas as semanas.
Poderão ela dar, também, seu valioso auxílio para a obtenção dos recursos
indispensáveis, para que consigamos nosso desiderato. É óbvio que, em uma
reunião em que tais atividades sejam discutidas, não será uma reunião morna,
mas quente. Cada um terá de dar seu palpite; as opiniões agitarão as reuniões,
as providências serão devidamente discutidas e as soluções para os problemas
propostos serão encontradas. Assim faziam os primeiros confrades.
Lamentavelmente, não se manteve em muitas Conferências
essa atitude. Pouco a pouco nos habituamos ao “tudo está em ordem”, “não há
novidades”, “não vale a pena modificar”, “não adianta tentar uma outra solução”.
Reduzimos nossos desejos, talvez, para abreviar uma reunião que então se
tornará fria, enfadonha, e, porque não dizê-lo, insuportável. Para
que tais atitudes se efetivem, elas não se referem apenas aos membros de uma
Conferência, independente de cor, sexo, idade ou posição social.
Naturalmente,
todos os amigos de OZANAM que aderiram às primeiras Conferências Vicentinas
eram jovens. E eles passaram a adultos e alcançaram, muitos, a chamada idade
provecta, isto é, avançada em
anos. E sobreviveram mantendo sempre aceso o fogo sagrado do
ideal vicentino que é a santificação do próximo, sendo o primeiro próximo ele mesmo. Depois vêm seus
companheiros e depois os socorridos. Engano pensar que a SSVP foi fundada para
socorrer os pobres! Já o disse BAILLY e muitos confrades o repetiram.
Vale
aqui um reparo. Muito antes de OZANAM admitir os necessitados nas Conferências,
já aliciava os jovens para trabalharem na defesa da Santa Igreja.
A
SSVP atende a todos, principalmente a jovens e adultos. É preciso atentar,
porém, que somos nós, nos os vicentinos que não dispensamos nossa querida
Sociedade. Puro engano, que acontece não raro com os jovens, pensarem que somos
imprescindíveis. Que se não houver jovens a SSVP perecerá. Os jovens bem
intencionados, naturalmente, procurarão a SSVP atendendo às suas finalidades
principais. Os que não concordarem com seus regulamentos, suas regras, seriam
melhor que não viessem.
Os
tempos mudaram. É certo. E acreditamos que mudaram para melhor. Conseguimos
erradicar muitos erros e aperfeiçoar muitas virtudes. Haja vista o apostolado
extraordinário que humildes confrades desenvolvem por este Brasil afora. Nosso
Presidente Gral comoveu-se até as lágrimas quando viu aquela velhinha percorrer
80 horas de ônibus para vir assistir à reunião de Brasília por ele presidida.
Devemos
compreender que os tempos são outros e outros devem ser nossos hábitos. Por
isso, é indispensável nossa compreensão e nossa colaboração, principalmente,
mantendo viva aquela espiritualidade que transcende de uma visita a um
socorrido, seja ele confrade ou um necessitado. Quando fazemos nossa visita,
devemos dar-lhe um caráter especial de espiritualidade pois com ela iremos
entrar em contato com o próprio Cristo.
A unção que temos ao nos aproximarmos da mesa
Eucarística, deve ser a mesma quando nos aproximamos de nosso socorrido. Quando
na penumbra de uma capela, diante do Santíssimo Sacramento, fazemos na calma
daquele ambiente, nossa meditação, conversamos com Deus Nosso Senhor,
expomos-lhe nossos sofrimentos, nossas dúvidas, nossas angústias, mas, também,
nossas esperanças, nossas alegrias, nossos desejos mais doces. Assim, quando
entramos em contato com nosso socorrido, no leito de um hospital ou no porão
escuro ou, ainda, num casebre humilde ou através das grades de um cárcere,
vamos conversar calmamente com ele, nos daremos completamente a ele, e iremos
perguntar-lhe de que necessita e o que poderemos fazer por ele, e dali sairemos
certamente confortados com seu magnífico exemplo de humildade, de resignação,
de paciência, de fé e de esperança.
E
assim, nesses extraordinários momentos, certamente, seremos
mais de Deus. O
Cristo sofredor que visitamos a ele damos a mão e infundimos-lhe esperança e
confiança no futuro que lhe parecia tão escuro.
Mas,
nossa intenção aqui é apresentar o que tão oportunamente nos informa o relator deste tema. Voltemos, portanto, ao relatório da Assembléia européia.
“O
desenvolvimento científico e técnico vertiginoso, diz, não foi acompanhado
socialmente por formas de vida em que o social se desenvolve dentro dos
princípios morais e de justiça adaptados às rápidas mudanças. No entanto, muita
gente luta por uma sociedade mais justa e, com esse fim, multiplicam-se
instituições internacionais que resolvem questões pontuais, mas não o sistema
essencial. O homem luta pelo refrigerador, pela televisão, pelo automóvel e
esforça-se, numa competição desenfreada por alcançar os lugares a que se julga
com direito sem que a palavra fraternidade, tantas vezes dita pelos políticos,
seja sentida”.
É óbvio que não poderemos desprezar todos estes elementos que
existem como resultado do próprio esforço humano. O que falta vem a ser
justamente essa fraternidade que se nos apresenta cada vez mais enfraquecida. E
prossegue o relator:
“A
Igreja e a SSVP que é parte da Igreja, são abaladas por todos estes
acontecimentos e o Concílio Vaticano II e as Assembleias Vicentinas foram altos
momentos de autoanálise em que surgiram propostas e sugestões de formas de
melhor e mais atual vivência cristã. No entanto, depois destas reuniões a vida
continua e, infelizmente para muitos, como antes. Ficou-se nas palavras,
faltaram os atos”.
Foi
exatamente o que sentiram os jovens que se reuniram na 9ª. Jornada da Juventude
Vicentina do Estado de São Paulo no Mosteiro de Cister em Claraval*, em 1977.
Unânime
a opinião de haver em todas as Jornadas, muitos discursos, muitos relatórios,
muitíssimas propostas... Mas, reduzido número de fatos concretos, de
realizações, enfim, escassas as promoções dos socorridos e dos próprios
Confrades. Naquela Jornada pairava no ambiente uma atmosfera de expectativa.
Vêm
a propósito, com muita justeza as palavras do relator da Assembleia Europeia:
“Apetece
aqui recordar que, em 1833, FREDERICO OZANAM e os seus amigos tiveram a
inspiração de se unirem para o serviço dos pobres de maneira mais humilde e
discreta, no enquadramento da sua vida profissional e familiar de leigos que
sentiam o dever de dar testemunho da sua fé mais por atos do que por palavras,
vendo em todos os que sofriam o Cristo sofredor. Pelo seu contato pessoal com
os “pobres” sentiam que a Caridade é inseparável das exigências da justiça. Por
isso reivindicavam justiça para os “Pobres”. Dialogavam com os “Pobres” e,
deste modo, sabiam também ser “Pobres”. E foi assim que exigiram para si um,
cada vez maior, aprofundamento espiritual para um contato espiritual mais
esclarecido do que é a verdadeira essência da SSVP, de pessoa a pessoa”.
Esse
contato de pessoa a pessoa nunca é demais insistir, foi o fator principal da atividade apostólica vicentina desde o início de
nossa Sociedade. E bem podemos avaliar as consequência dessa atitude dos
primeiros confrades. Solidarizaram-se confrades e socorridos, fortaleceu-se uma
amizade que constitui marcante característica da SSVP.
Muita
expressiva a abalizada opinião do relator que assim a expõe:
“Sem
esgotar todas as nossas necessidades, julgamos poder dizer:
1. É
preciso renovar no respeito ao que de essencial nos vem das origens da nossa Sociedade sem cairmos na
tentação de nos acomodarmos à nossa época. Como? Sabendo ser fiéis à nossa própria vocação.
2. Na Sociedade em que o secularismo e
pragmatismo reina, com o ritmo da vida que levamos, a vida da nossa Conferência
ressente-se: faltam os membros, dá-se a maior importância a aspectos
secundários, vendo-se muito no aspecto econômico a razão de sobrevivência das
Conferências. Entretanto, a mensagem que nos é transmitida pela “visita” passa
quase despercebida.
3. No entanto a SSVP surge, como dizia OZANAM,
porque “sentíamos o desejo e a necessidade de
manter a nossa fé no meio das acometidas operadas pelos diferentes tipos
de falsos profetas. Façamos algo que esteja de acordo com a nossa fé e apesar
disso, as obras de caridade continuam a faltar. Contribuamos, como Deus nos
disse, para formar uma grande família de irmãos:
- Mantendo
e esclarecendo a nossa fé na nossa Conferência, expandindo-a e
compartilhando-a com as comunidades em que estamos inseridos;
- Cumprindo
escrupulosamente a nossa Regra, sobretudo, no essencial que é a visita e o
comparecimento semanal à reunião da
Conferência, sendo capaz de extrapolar para a nossa vida a mensagem aí
recebida;
- Tendo
a originalidade de saber construir
as obras de caridade do nosso
tempo.”
Todas essas
recomendações tão salutares, se bem observadas, conduzirão, necessariamente, a
um maior progresso do apostolado vicentino.
Todavia,
esse apostolado depende de intensa vida espiritual. É o que nos informa a
respeito o digno relator:
“Como praticar uma espiritualidade mais viva
para o nosso tempo?”
a) como princípio básico de todo o cristão, em união íntima com Cristo, de acordo
com o que disse o Senhor “O que permanece em Mim, como Eu nele, esse dá muito
fruto, porque sem Mim, nada podeis fazer”. (João, 15,5).
A
personalidade do vicentino deve ser informada por esse valor fundamental que
lhe dá sentido à vida. Deste modo nele se põe constantemente a exigência de:
· Conhecer melhor a Cristo
· E, como consequência, comunicá-lo com mais vida
e difundi-lo à todos.
b) Este princípio básico para manter-se atuante deve ser alimentado de
diferente formas:
b.1
– Pela sagrada liturgia que é o cume
para que tende toda a atividade da Igreja e força de onde emana a sua força. A
sua participação ativa realiza-se:
- nos
sacramentos da Penitência e da Eucaristia pelos quais somos conduzidos à
Comunhão com e entre todos os nossos irmãos;
- no Ofício
Divino que é a verdadeira oração litúrgica, sobre o qual o Concílio Vaticano II
recomenda “que os leigos rezem o Ofício Divino ou com os sacerdotes, ou
reunidos entre si ou, inclusive, em particular”.
A
nossa reunião da Conferência desenvolve-se de forma semelhante à estrutura da
oração litúrgica: oração inicial, leitura espiritual, informações sobre as
visitas com os pedidos das necessidades, coleta e oração final.
Não
poderíamos revitalizar a reunião com uma oração litúrgica o que, certamente,
nos levaria a viver mais “em Igreja” e “com a Igreja”?
Sugere-se que isto
poderia ser feito como:
- A
recitação dos Salmos (a melhor expressão da alma do povo);
- Leitura
da Palavra de Deus, o que poderia provocar um confronto da nossa vida com ela e
iluminar a ação caritativa;
- A coleta
como resposta a irmão e comunhão com Cristo, com o sentido da comunicação cristã
dos bens materiais e das pessoas;
- A
comunhão de pobreza, pedindo ao Senhor pelas necessidades comunitárias;
b.2
– Pela oração de que Cristo é modelo
e que é um encontro de homem que procura Deus para o salvar. A sua necessidade
é constante e, por isso, a Regra vicentina muito insiste em que ela seja
praticada. Não esqueçamos que o “Pai Nosso” é não só o protótipo de oração mas
uma contundente fórmula sobre o significado da nossa fé. Deste modo situa-nos:
- perante
Deus em atitude de esperança filial (filhos);
- perante
os homens em fraternidade (irmãos);
- perante
as coisas (pão) em atitude de recebimento e pobreza (cada dia);
- perante a
história, como construtores do reino;
- perante o
pecado, em atitude libertadora, pessoal e social (ofensas, tentações, mal).
c) Todas essas recomendações para serem
válidas necessitam de prática assídua que abranja a vida toda do Confrade e da
Consocia. Assim, acompanhamos o relator nas suas instruções:
“A nossa espiritualidade deve ser alimentada
pela prática das virtudes teologais, que nos leva a uma vida cada vez mais
íntima, com Cristo e, decerto, nos vai fazendo transcender os sentimentos
humanos de filantropismo”.
A
primeira virtude – a Fé – não
implica crer em “alguém” que é Cristo nas suas dimensões vertical e horizontal
de que resulta uma atitude que é simultaneamente um “modo de ser" Cristo nos irmãos. Um “modo de ser” que leva a um desejo de
reconversão permanente a Cristo e um “modo de fazer” de acordo com os valores
evangélicos da forma como diz PIERRE CHOUARD: “Atestar a fé por um amor pessoal
aos que sofrem” pois uma vocação que não se exprime por uma promessa, por um
compromisso, é uma vocação sem afeto, uma vocação perdida”.
A
segunda virtude – a Esperança –
implica do vicentino, aguardar pacientemente a hora de Deus, vivendo num
esforço dinâmico pessoal de ser pobre para, progressivamente, transformar o
mundo, libertando-o da escravidão da riqueza, na atitude de “não julga. Está
disponível”.
A
terceira virtude – a Caridade – a
virtude que, como diz São Paulo “nunca acaba”. É a virtude eterna porque é o
Verbo de Deus que revela que Deus é Amor. Segundo São Paulo “as profecias
desaparecerão, as línguas cessarão e a ciência findará. Porque nossa ciência é
imperfeita e a nossa profecia também é imperfeita. Mas quando vier o que é
perfeito, o que é imperfeito será abolido”.
É
claro que para atingir a plenitude dessa vivência apostólica é necessário que
se tenha o que o relator chama “vocação do Amor. Acompanhemo-lo neste
particular: “Neste sentido a sua espiritualidade deve, segundo a Regra,
contribuir para:
- fazer da
Sociedade uma verdadeira família, humana e espiritual;
- assegurar
a unidade da Igreja;
-
testemunhar a sua fé por um amor pessoal aos que sofre de forma a acreditarmos
que:
▪
”vivemos com Deus” quando amamos
▪
“convivemos com Deus” quando nos amamos
▪
o “dom” que nos é dado, o compartilhamos.
d) A forma da nossa espiritualidade
deve assentar em “carismas”, isto é, em dons especiais que Deus nós dá, a nós ou à
comunidade em que trabalhamos, em função de uma missão ao serviço dos outros.
De fato, sendo a SSVP uma organização de leigos que vivem e desempenham cargos
no mundo, toda a espiritualidade que não reflita esta realidade, é falsa.
Como vicentinos recomenda a Igreja
que “os leigos que seguem a sua vocação, que a tenham inscrito em alguma
associação, se esforcem, igualmente, em assimilar com fidelidade as
características peculiares da espiritualidade própria de tais associações”.
e) Não há vida espiritual sem vivência
de “Espírito de pobreza” a qual é
uma disposição interior, que deve levar o vicentino a viver pessoal e
comunitariamente naquele espírito. Vivendo o mundo, os vicentinos devem estar
atentos ao testemunho de Cristo e à sua realidade inerente:
1° - Jesus
encontra a sua segurança no Pai, na oração;
2° - A
partir dessa segurança sente-se livre perante a riqueza e não se faz escravo
dela (Mt. 4,8-10), não utiliza o “poder” em benefício próprio (Mt. 4,4)., não
opta por um messianismo fácil (Jo. 6,15-26). A fidelidade leva-o, inclusive, à morte (Mt.
8, 19-20).
3° - Vive
para os outros. Vive com quem serve (II Cor. 8-9).
Em
coerência, a sua vida deve refletir esta realidade nas solicitações que o
rodeiam:
1° - Perante
a mistificação do dinheiro e do poder dar um sentido aos bens, em função da
pessoa e da fraternidade (função profética);
2° - Ante a
ânsia do domínio sobre “o outro” optar pelo homem, procurando-lhe uma situação
mais humana e mais justa (função real);
3° -
Libertando-se, inteiramente, de forma a por tudo o que “é” ao serviço dos
outros. O vicentino não “dá”, “da-se”. Por isso, também, recebe e enriquece-se.
O “espírito de partilha” de que se fala no preâmbulo da Regra, tem de ver com o
espírito de reciprocidade e de serviço. É oblação (função sacerdotal).
Esta
exposição clara indica-nos muito bem a dimensão da espiritualidade viva, que
devemos manter como vicentinos dedicados ao apostolado da caridade. A tônica
desta espiritualidade é, bem o compreendemos, a vivência de uma Caridade
evangélica, como recomendaram desde o início os fundadores da Sociedade de São
Vicente de Paulo.
Mantendo
bem viva esta espiritualidade nos aproximaremos por certo daquele modelo
admirável invocado pelo próprio Cristo ao relatar a parábola do Bom Samaritano.
E este não era Confrade e nem cristão, mas o doutor da lei indicou-o como o verdadeiro próximo, pois era o único
que havia tido misericórdia com o pobre
ferido que jazia na estrada. Sejamos pois como o bom samaritano e assim conseguiremos mais facilmente manter bem
viva nossa espiritualidade vicentina!
(* Palestra proferida na Reunião Interprovincial do Conselho Metropolitano de São Paulo em Maio de 1977),
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