MARIO DE ANDRADE, CATÓLICO E VICENTINO
A
bibliografia de Mário de Andrade,
coroada pelos sucessivos volumes
de cartas inéditas, é talvez a mais
rica que se conhece de escritores
modernos. Só excedida, entre
os contemporâneos, por Euclides
da Cunha. Essa circunstância
permite a abordagem de
sua vasta obra sob os mais variados
aspectos. Descurou-se, porém,
certamente por influência de nossa
cultura marxista, da figura de Mário
como homem religioso, de família
e formação católica, que nunca
repudiou.
Coube-me,
há mais de 20 anos, como
jornalista católico que sou, tratar
do assunto com certo pioneirismo.
Em dois artigos, ambos de 1970, no 25º aniversário de sua morte, tratei do
homem religioso (Suplemento Literário,
de O Estado de S. Paulo, 29.02.1970)
e do vicentino (revista Voz
de Ozanam, abril de 1970), que ele
foi.
Será sempre preciso considerar as influências contraditórias por ele
sofridas,
as do berço, notadamente de sua mãe D. Maria Luíza Leite de
Moraes,
que o sobreviveu, e a do irmão
mais velho, Carlos de Moraes
Andrade,
advogado, militante da Ação Católica, deputado federal na
Constituinte
de 1934, apoiado pela LEC (Liga
Eleitoral Católica). Ex-combatente
de 1932, jamais tirou a barba que
deixara crescer nas trincheiras.
Formavam
o contraste, colocando Mário de Andrade entre dois fogos,
as
influências do meio intelectual onde
pontificava: "papa do movimento modernista em São Paulo" (Blaise Cendras),
meio irreverente, irreligioso,
com laivos do anarquismo anticlerical,
perdoem a redundância, tão
forte em São Paulo nas três primeiras
décadas deste século (20).
Simpatizante
das massas oprimidas,
Mário jamais chegaria ao radicalismo
anti-religioso, tipo "ópio do
povo", como também não se
refugiaria
nas torres de marfim da burguesia,
digamos progressista. Sua breve
militância católica foi votada aos
pobres, pertencendo como pertenceu
à Escola de Frederico Ozanam,
o jovem professor da Sorbonne
que fundou, no século XIX, as Conferências
de Caridade (Conferências
Vicentinas), foi republicano
contrariando os cânones, e
só agora, mais de 150 anos depois de
sua morte, será elevado às honras dos
altares ...
Por
intermédio da Sociedade de São
Vicente de Paulo, muito cedo Mário
de Andrade se engajou na militância
católica. Aos 15 anos, no dia
12 de julho de 1908, era admitido, ao
lado de seu irmão Carlos, já citado, como
confrade da Conferência de São
José, a mais antiga de São Paulo, ainda
hoje existente. As reuniões se realizavam
aos domingos, pela manhã,
na sala do consistório da Irmandade
de Nossa Senhora das
Dores,
na velha catedral de São Paulo (Praça
da Sé), que só foi demolida por volta
de 1911/1912, quando a Conferência
se mudou para a igreja de
Santa Ifigênia.
Transcrevemos
do livro de atas nº
11 , da mesma Conferência, ao qual
tivemos
acesso graças ao veterano vicentino
Hélio Gomes de Moraes: "O confrade
Henrique Fagundes propôs que
os visitantes, srs. Carlos de
Moraes
Andrade e Mário Raul de Moraes
Andrade passem a ser sócios
ativos
de nossa Conferência, visto ter conhecimento
de que ambos são
católicos
práticos, pelo que foram aceitos."
(Visitante é o estágio preparatório à admissão como confrade,
a qual é feita mediante "aclamação" numa das assembleias gerais
regulamentares). Outros
livros, felizmente arquivados
no Conselho Central de São Paulo,
da Sociedade de São Vicente de
Paulo (Rua da Consolação, 374), podem
ser pesquisados para que se tenha
uma ideia da atividade de Mário de
Andrade, que à época residia no Largo
do Paissandú, nº 7, como confrade
vicentino.
Aos 10 anos de idade, Mário de Andrade escreveu seu primeiro poema, uma poesia cantada. Demonstrava já o gosto pela escrita e pela música, expressões artísticas que o acompanharam por toda a vida. Estudou piano e canto no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo. Também se dedicava a pesquisar a cultura popular. Tornou-se professor de música e, depois, de história da arte no conservatório em que estudou.
Estou
a imaginar o jovem ginasiano
do Carmo fazendo a leitura espiritual,
obrigatória ao início das sessões
e herança das Conferências de
História da Sorbonne, que os estudantes
católicos transformaram em Conferências
de Caridade. Mário foi também
congregado mariano em Santa
Ifigênia, mas aí a documentação
escasseia.
Talvez
a militância vicentina explique
umas das tônicas da obra de Mario de Andrade, como o culto da solidariedade
humana, como já o notou Antônio Cândido. Trata-se de amor
ao próximo, não de mero solidarismo social ou classista, fique bem
claro.
Mário de Andrade publicou crônicas e críticas de arte em jornais e revistas de São Paulo. Escrevia também contos e poemas, e em 1917, com 20 anos, publicou seu primeiro livro, “Há uma gota de sangue em cada poema”, com o pseudônimo de Mário Sobral.
Acredito
até que se pode falar numa
conversão de Mário de Andrade na
maturidade, seguindo as pistas de sua
produção derradeira. O que deverá
ser feito um dia quando o problema
religioso puder libertar-se dos
preconceitos que o cercam. Mário morreu
num sábado, dia de Nossa Senhora,
na melhor tradição popular católica,
e foi enterrado num domingo, dia
em que o Senhor ressuscitou. Os profetas
do Aleijadinho, os anjos do Padre
Jesuíno do Monte Carmelo e os sacerdotes
da viola, certamente o receberam
nas portas do céu.
Hélio Damante
(Transcrito
da revista D.O. Leitura,
nº 12 (137), out. de 1993, a. 16)
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Mário de
Andrade, Vicentino
Cfd. Hélio Damante
Gracas
à prestimosa ajuda do confrade Hélio Gomes de Moraes,
nos foi possível localizar, nos antigos livros de atas da Conferência de São
José - a primeira fundada em São Paulo - a admissão de Mário de Andrade como
confrade vicentino, juntamente com seu irmão Carlos de Moraes Andrade, num
longínquo dia de 1908.
Essa
descoberta foi muito útil, para documentar, em artigo que escrevemos para o
Suplemento Literário de «o Estado de São Paulo» (28.2.70), a militância
católica que marcou largo período da vida do grande escritor cujo 25º
aniversário de falecimento se comemora este ano. Mas também nos parece útil -
como um exemplo aos moços de hoje - para mostrar quanto as ideias de Ozanam
influíram nas atitudes de Mário de Andrade.
É
certo que ele, no meio em que frequentava (o meio intelectual em geral
irreligioso, ontem como hoje) e de que era verdadeiro líder, sofreu influências
contraditórias. Nunca, porém, chegou a perder a fé. Em cartas e livros que são
documentos definitivos de nossa história literária, Deus é o seu Autor mais
citado.
A
compreensão de Mário de Andrade pelos problemas da cidade - foi o primeiro
diretor do nosso Departamento Municipal de Cultura; a sua ternura para com as
humildes costureirinhas, filhas de imigrantes, homens do realejo; para os que
andavam de bonde, viviam nos cortiços e, mal pagos, mourejavam nas fábricas
construindo a grandeza de São Paulo, revelam que não foi inútil a sua vivência
nas reuniões da Conferência e na visita aos pobres.
«O
amilhoramento social», como escrevia na linguagem própria que criou - era
ardoroso partidário de uma língua brasileira - é constante preocupação de toda
a sua obra, frequentemente pioneira em muitos campos e abrangendo desde a
crítica literária ao folclore.
É
certo que muitas de suas páginas sobre questões religiosas - notadamente nas
centenas de cartas que escreveu - mostram-no marcado pela inquietação, pela
dúvida, pelo espírito crítico. Mas também revelam, em termos de hoje, uma ajuda
compreensão do que deve ser a fé vivida e não apenas estratificada, rotineira,
sem poder criador...
Numa
carta dos últimos meses de sua vida ao escritor mineiro Etienne Filho, pregava
uma Caridade maior que a própria Fé e «capaz de amar a Deus cegamente na obra
de Deus.» Quem isto escreveu, não passou inutilmente pela escola de Antônio
Frederico Ozanam.
Cfd. Oscar Amarante
O
aplaudido autor de Macunaíma ora na ordem do dia e laureado filme nacional em
festivais, tem sido elogiado e biografado sob aspectos diversos. Emérito e
consagrado escritor, musicista, artista moderno. Homenageado na praça Dom José
Gaspar (atrás da Biblioteca Municipal) em obra de renomado escultor paulistano.
Dentre inúmeros críticos e biógrafos, mereceu autorizados elogios de Tristão
de Athayde, seu particular amigo, admirador e companheiro de lides literárias.
Ainda
recentemente, no "suplemento literário" de "O Estado" de
28/2 pp (1970), Hélio Damante (confrade vicentino e jornalista) apreciou-o sob justo título
"O Homem Religioso" e Macedo Dantas - "O Gramático", embora
sabendo que "Mário de Andrade jamais escreveu gramáticas" e "que
o título surpreenderá a muitos" (sic). Verifica-se, destarte, que o
saudoso Mário de Andrade, soube reunir qualidades notáveis de
"enciclopédico" nos meios literários e culturais de S. Paulo -
Brasil.
Nosso
desiderato neste artigo resume-se, entretanto, à reivindicação do caráter
"religioso - mariano e vicentino" que tanto dignificou Mário de Andrade
e por tantos, injusta ou infundadamente, considerado alheio e até infenso a
sentimentos mais cristãos em fase mais acidentada ou no final de sua preciosa
existência tão cedo cortada.
O
Confrade Hélio Damante, no citado artigo, já lançou as bases sólidas dessa
reivindicação reparadora da memória de Mário de Andrade. Menciona seu ingresso
na Sociedade de São Vicente de Paulo, aos 15 anos (12/6/1908) na decana Conferência de São José (fundada a 24/5/1874), juntamente com seu querido irmão -
o venerando confrade Carlos de Moraes Andrade. Nossa recordação remonta,
especialmente, aos idos de 1919 quando, simultaneamente, ingressei na
Congregação Mariana da Imaculada Conceição e S. Luiz Gonzaga e naquele
sodalício de apostolado leigo. Quando Pároco e Diretor nosso amigo, de santa
memória, Padre Gastão Liberal Pinto. Congregação essa fundada aos 19 de abril
de 1909, que contou com Mário de Andrade dentre os primeiros inscritos e
ardorosos marianos daquela época remota. Durante as reuniões domingueiras, sob a
direção do Padre Gastão, Mário de Andrade, sempre logrou conferir-lhes tônica
animada e divertida com seus apartes, às vezes irônicos, revelando seu grande
espírito amigo e solidário.
Apesar
das mudanças havidas em sua vida polimorfa, dinâmica, eclética, Mário de
Andrade - parecendo a muitos ter-se afastado da prática religiosa - soube
manter sempre terna devoção a Maria Santíssima, honrada com rica imagem em sua
sala de trabalhos, ultimamente, à Rua Lopes Chaves - esquina da Rua Margarida,
onde o visitamos algumas vezes e onde, também foi chamado pelo Senhor. Manteve-se fiel cooperador caridoso das obras vicentinas, destinando auxílios
mensais por intermédio de nosso tesoureiro confrade Vicente Cipullo.
Sirva,
pois, este artigo - modesto complemento daquele bem mais autorizado do confrade
Hélio Damante - para lembrar aos presentes e pósteros de Mário de Andrade que ele
foi de fato "o homem religioso" que se caracterizou como
"mariano e vicentino". Não se deixou seduzir ou empolgar por
merecidas glórias, e sucessos na vida cultural e literária, olvidando aquela
MÃE SANTÍSSIMA que o acolhera sob seu manto quando jovem, e nem aquela
instituição de caridade, já secular, na qual ingressara aos 15 anos. Em sua
rica vida pregressa realizou, na mocidade e valendo-lhe para toda a existência,
aquele proverbial conselho e vaticínio do inesquecível Padre Gastão Liberal
Pinto: "O melhor mariano será sempre aquele autêntico vicentino!" Em
quantos de nossos melhores amigos, de 50 anos passados, vimos plenamente
realizada essa dupla condição tão propícia ao melhor apostolado leigo tão
necessário na hora presente, à "Pauliceia desvairada" de Mário de Andrade.
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Mário de Andrade: Biografia
Eu sou um escritor difícil
Que a muita gente enquizila,
Porém essa culpa é fácil
De se acabar de uma vez:
É só tirar a cortina
Que entra luz nesta escuridez.
(A costela de Grão Cão)
1893: Nasce Mário Raul de Moraes Andrade, no dia 9 de outubro, filho de Carlos Augusto de Moraes Andrade e Maria Luísa Leite Moraes Andrade; na Rua Aurora, 320, em São Paulo - SP.
1904: Escreve o primeiro poema, cantado com palavras inventadas. "O estalo veio num desastre da Central durante um piquenique de subúrbio. Me deu de repente vontade de fazer um poema herói-cômico sobre o sucedido, e fiz. Gostei, gostaram. Então continuei. Mas isso foi o estralo apenas. Apenas já fizera algumas estrofes soltas, assim de dois em três anos; e aos dez, mais ou menos, uma poesia cantada, de espírito digamos super realista, que desgostou muito minha mãe. "- Que bobagem é essa, meu filho?" - ela vinha. Mas eu não conseguia me conter, cantava muito aquilo. Até hoje sei essa poesia de cor, e a música também. Mas na verdade ninguém se faz escritor. Tenho a certeza de que fui escritor desde que concebido. Ou antes ... Meu avô materno foi escritor de ficção. Meu pai também. Tenho uma desconfiança vaga de que refinei a raça ... " Este o depoimento do escritor a Homero Senna, publicado no livro "República das letras", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1996, 3a. edição, sobre como havia começado a escrever.
1905: Ingressa no Ginásio Nossa Senhora do Carmo dos Irmãos Maristas.
1909: Forma-se bacharel em Ciências e Letras. Terminado o curso, multiplica leituras e frequenta concertos e conferências.
1910: Cursa o primeiro ano da faculdade de Filosofia e Letras de São Paulo.
1911: Inicia estudos no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo.
1913: Morre seu irmão Renato, aos 14 anos, devido a complicações decorrentes de uma cabeçada em jogo de futebol. Abalado pejo fato e trabalhando em excesso, Mário tem uma profunda crise emocional. Passa um tempo em Araraquara, na fazenda da família. Quando retorna desiste da carreira de concertista devido a suas mãos terem se tomado trêmulas. Dedica-se, então a carreira de professor de música.
1915: Conclui curso de canto no Conservatório Dramático e Musical.
1916: Conclui, como voluntário, o Serviço Militar.
1917: Diploma-se em piano pelo Conservatório. Morre seu pai. Publica "Há uma gota de sangue em cada poema", poesia, sob o pseudônimo de Mário Sobral .. Primeiro contato com a modernidade na Exposição de Anita Malfatti. Primeira viagem a Minas Gerais: encontra o barroco mineiro, visita Alphonsus de Guimarães. Já iniciou sua Marginália.
1918: Recebe Diploma de Membro da Congregação Mariana de Nossa Senhora da Conceição da Igreja de Santa Ifigênia. Noviciado na Ordem Terceira do Carmo. Nomeado professor no Conservatório. Escreve contos e poemas. Colabora ocasionalmente em jornais e revistas como crítico de arte e cronista; em A Gazeta e O Echo (São Paulo).
1919: Profissão na Ordem Terceira do Carmo à 19 de março. É colaborador de A Cigarra, O Echo e A Gazeta. Viagem à Minas Gerais, visitando as cidades históricas.
1920: Lê obras Index. Faz parte do grupo modernista de São Paulo. Colabora em Papel e Tinta (São Paulo), na Revista do Brasil (Rio de Janeiro - até 1926) e na Ilustração Brasileira (Rio de Janeiro - até - 1921).
1921: É professor de História da Arte no Conservatório. Pertence à Sociedade de Cultura Artística. Está presente no lançamento do Modernismo no banquete do Trianon. É apresentado ao público por Oswald de Andrade através do artigo "Meu poeta futurista" (Jornal do Commércio São Paulo). Escreve "Mestres do passado" para o citado jornal.
1922: Professor catedrático de História da Música e Estética no Conservatório. Participa da Semana de Arte Moderna em São Paulo, de 13 à 18 de fevereiro, no Teatro Municipal de São Paulo. Faz parte do grupo da revista Klaxon, publicando poemas e críticas de literatura, artes plásticas, música e cinema. Escreve Losango Cáqui, poesia experimental. Inicia a correspondência com Manuel Bandeira, que dura
até o final de sua vida. Publica "Pauliceia desvairada", o primeiro livro de poemas modernistas do Brasil.
Mário de Andrade foi um dos criadores do movimento chamado modernismo, no Brasil. Os modernistas propunham um novo modo de expressar a realidade, os costumes e o modo de ser dos brasileiros. O movimento se manifestou na literatura, na pintura, na escultura, na arquitetura e em outros campos. O ponto alto do movimento foi a Semana de Arte Moderna de 1922, realizada no Teatro Municipal de São Paulo.
1923: Estuda alemão com Kaethe Meichen-Bosen, de quem se enamora. Faz parte da revista Arlel, de São Paulo. Escreve "A escrava que não é Isaura", poética modernista. Continua a colaborar na Revista do Brasil (Rio de Janeiro).
1924: Realiza a histórica "Viagem da Descoberta do Brasil", Semana Santa dos modernistas e seus amigos, visitando as cidades históricas em Minas. Colabora em América Brasileira (contos de Belazarte), Estética e Revista do Brasil (Rio de Janeiro).
1925: Colabora n'A Revista Nova de Belo Horizonte. Publica "A Escrava que não é Isaura:" discurso sobre algumas tendências da poesia modernista. Adquire a tela de André Lhote, Futebol, através de Tarsila.
1926: Férias em Araraquara, escrevendo "Macunaíma". Publica "Primeiro andar", contos, e "Losango Cáqui" (ou "Afetos Militares de Mistura com os Porquês de eu Saber Alemão"), poesia. Escreve poemas de "Clã do Jaboti". Colabora na Revista de Antropofagia, na Revista do Brasil e em "Terra Roxa e Outras Terras".
1927: Colabora no Diário Nacional de São Paulo: crítico de arte e cronista (até 1932, quando o jornal é fechado). Estréia como romancista, publicando "Amar, verbo intransitivo", que choca a burguesia paulistana com a história de Carlos, um adolescente de família tradicional iniciado nos prazeres do sexo pela sua Fraülein, contratada por seu pai exatamente para essa tarefa. Lança, também, o livro "Clã do Jaboti", de poesias. Realiza a primeira "viagem etnográfica": percorrendo o Amazonas e o Peru, da qual resulta o diário "O Turista Aprendiz".
Paralelamente à carreira de escritor, Mário passou a se interessar cada vez mais pela cultura popular e pelo folclore do Brasil. Entre 1927 e 1929 fez duas viagens pelo país, percorrendo o Norte e o Nordeste, com o objetivo de conhecer e registrar a cultura brasileira. Em 1927 publicou Amar, verbo intransitivo, seu primeiro romance. O livro critica a estrutura e os valores da sociedade paulistana.
1928: Membro do Partido Democrático. Realiza sua segunda viagem etnográfica": ao Nordeste do Brasil (dez. 1928 - mar. 1929). Colabora na Revista de Antropofagia e em Verde. Publica "Ensaio sobre a Música Brasileira e Macunaíma - o Herói sem nenhum caráter", onde inova com audácia e rebela-se contra a mesmice das normas vigentes. Com enorme sucesso a obra repercutiu em todo o país por seus enfoques inéditos. Sob um fundo romanesco e satírico, aí se mesclavam numa narrativa exemplar a epopeia e o lirismo, a mitologia e o folclore, a história e o linguajar popular. O personagem - título, um "herói sem nenhum caráter", viria a ser uma síntese, o resumo das virtudes e defeitos do brasileiro comum. Baseado em lendas indígenas e em influências de várias fontes diversas —, lançou aquela que é provavelmente sua obra mais conhecida, o romance "Macunaíma — o herói sem nenhum caráter". O personagem principal da história representa o brasileiro comum em seus aspectos bons e ruins, de forma ampliada e imaginativa. A obra teve adaptações muito bem-sucedidas: para o cinema, por Joaquim Pedro de Andrade, em 1969; e para o teatro, por Antunes Filho, em 1978.
1929: Inicia coluna de crônicas "Táxi", no Diário Nacional. "Viagem etnográfica" ao Nordeste, colhendo documentos: música popular e danças dramáticas. Rompimento da amizade com Oswald de Andrade. Publica Compêndio de História da Música.
1930: Apóia a Revolução de 30. Defende o Nacionalismo Musical. Publica Modinhas Imperiais, crítica e antologia, e Remate de Males, poesia.
1933: Completa 40 anos. Faz critica para o Diário de São Paulo (até 1935).
1934: Diplomado Professor honorário do Instituto de Música da Bahia. Cria e passa a dirigir a Coleção Cultural Musical (Edições Cultura Brasileira - São Paulo). Colabora em Festa (Rio de Janeiro), Boletim de Ariel. Publica Belazarte, contos, e Música, Doce Música, crítica.
1935: É nomeado chefe da Divisão de Expansão Cultural e Diretor do Departamento de Cultura. Publica O Aleijadinho e Álvares de Azevedo.
1936: Deixa de lecionar no Conservatório. Nomeado Chefe do Departamento de Cultura da Prefeitura.
1937: É contra o Estado Novo.
1938: Transfere-se para o Rio de Janeiro (27 junho), demitindo-se do Departamento de Cultura (12 maio). É nomeado professor-catedrático de Filosofia e História da Arte na Universidade do Distrito Federal e colabora no Diário de Notícias daquela cidade. Publica Namoros com a Medicina, estudos de folclore.
1939: Cria a Sociedade de Etnologia e Folclore de São Paulo, sendo seu primeiro presidente. Organiza o 1°. Congresso da Língua Nacional Cantada (julho). Projeta a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, SPHAN. É nomeado encarregado do Setor de São Paulo e Mato Grosso. Escreve poemas de A Costela do Grão Cão. Publica "Samba Rural Paulista", estudo de folclore. É crítico do Diário de Notícias (até 1944) e colabora na Revista Acadêmica (Rio de Janeiro) e em O Estado de São Paulo. Publica A Expressão Musical nos Estados Unidos.
1941: Volta a viver em São Paulo, à Rua Lopes Chaves, 546. Está comissionado no SPHAN. Colabora em Clima (SP).
1942: Sócio-fundador da Sociedade dos Escritores Brasileiros. Colabora no Diário de S. Paulo e na Folha de S. Paulo. Publica Pequena História da Música.
1943: Publica Aspectos da Literatura Brasileira, O Baile das Quatro Artes, crítica, e Os Filhos de Candinha, crônicas.
1944: Escreve Lira Paulistana, poesia.
1945: Coberto de reconhecimento pelo papel de vanguarda que desempenhou em três décadas, Mário de Andrade morreu em São Paulo - SP em 25 de fevereiro de 1945, vitimado por um enfarte do miocárdio, em sua casa. Foi enterrado no Cemitério da Consolação. Publicação de Lira Paulistana e Poesias completas.
Um capitulo à parte em sua produção literária sem fronteiras é constituído pela correspondência do autor, volumosa e cheia de interesse, ininterruptamente mantida com colegas como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Fernando Sabino, Augusto Meyer e outros. Suas cartas conservaram, de regra, a mesma prosa saborosa de suas criações com palavras - um lirismo que, como ele disse, "nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas, com acentuação determinada". Coberto de reconhecimento pelo papel de vanguarda que desempenhou em três décadas.
Bibliografia:
- Há uma gota de sangue em cada poema, 1917
- Pauliceia desvairada, 1922
- A escrava que não é Isaura, 1925
- Losango cáqui, 1926
- Primeiro andar, 1926
- A clã do jabuti, 1927
- Amar, verbo intransitivo, 1927
- Ensaios sobra a música brasileira, 1928
- Macunaíma, 1928
- Compêndio da história da música, 1929 (reescrito como Pequena história da música brasileira, 1942)
- Modinhas imperiais, 1930
- Remate de males, 1930
- Música, doce música, 1933
- Belasarte, 1934
- O Aleijadinho de Álvares de Azevedo, 1935
- Lasar Segall, 1935
- Música do Brasil, 1941
- Poesias, 1941
- O movimento modernista, 1942
- O baile das quatro artes, 1943
- Os filhos da candinha, 1943
- Aspectos da literatura brasileira 1943 (alguns dos seus mais férteis estudos literários estão aqui reunidos)
- O empalhador de passarinhos, 1944
- Lira paulistana, 1945
- O carro da miséria, 1947
- Contos novos, 1947
- O banquete, 1978
- Será o Benedito!, 1992
Antologias:
- Obras completas, publicação iniciada em 1944, pela Livraria Martins Editora, de São
Paulo, compreendendo 20 volumes.
- Poesias completas, 1955